A desnecessidade do trabalho entre pescadores artesanais

Cristiano Wellington Norberto Ramalho

Fonte: Sociologias, Porto Alegre, ano 17, n. 38, p. 192-220, jan./abr. 2015.

Resumo: As relações socioculturais e econômicas, entre alguns grupos de pescadores artesanais, não colocam como entes antagônicos trabalho e tempo livre. Do contrário, tais relações celebram aproximações entre saber-fazer pesqueiro, lazer e vida, formando e conformando um todo societário. Inseridos nesse quadro, estão os pescadores artesanais do mar-de-fora da praia de Suape, no município do Cabo de Santo Agostinho, litoral sul de Pernambuco, distante 50 km de Recife. Este artigo busca desvelar a mencionada moral do trabalho e do tempo livre no fazer cotidiano de pescadores dessa Praia, com base na pesquisa etnográfica e na história de vida de 13 pescadores. No geral, identificou-se que há uma moral do trabalho que se confunde à moral do tempo livre, pois o cerceamento de uma delas representa limites à outra. Assim, para esses homens, definir o que é um ser liberto ou cativo liga-se ao encontro indissociável, em termos práticos e simbólicos, entre as referidas morais, o que é essencial para classificar o fazer-se pescador artesanal em seu sentido pleno fundamentado na desnecessidade do trabalho.

Sumário: 1. Apresentação | 2. Mundo Produtivo e Mundo da Vida: o casamento da condição liberta | 3. Conclusão | Referências

1. Apresentação

Somos o resultado de tanta gente, de tanta história,
tão grandes sonhos que vão passando de pessoa
a pessoa, que nunca estaremos sós

(Valter Hugo Mãe, O filho de mil homens)

As relações socioculturais e econômicas, em alguns grupos de pescadores artesanais e camponeses, não colocaram como entes antagônicos trabalho e tempo livre. Ao contrário, tais relações celebram aproximações e indissolubilidades entre saber-fazer pesqueiro, lazer e vida, formando e conformando um todo societário. Aspectos esses que estão contidos na forma de ser e fazer-se dos pescadores artesanais aqui estudados, cujas características socioculturais e econômicas de vida não assumem maneiras de resistências políticas e/ou de mobilização social. Dessa maneira, não se está afirmando que os pescadores artesanais negam os marcos do capital (aliás, isso nem é uma questão mencionada pelos pescadores), mas apenas que tais sujeitos sociais possuem maneiras de lidar com o tempo de trabalho e o de lazer oriundas de um modo de vida fundamentado em relações materiais e simbólicas típicas de grupos sociais que se apoiam em uma fecunda contra-racionalidade (Brandão, 2007, p. 42), distinta da racionalidade da economia moderna, em que, de acordo com a lógica existencial dos grupos tradicionais, a própria economia é uma das muitas dimensões de uma cultura (idem, p. 55), que cruza valores morais, estéticos e sociais não similares aos do mundo dos negócios.

Na realidade, tem-se uma moral do trabalho que se confunde à moral do tempo livre. Vida e trabalho são momentos repletos de reciprocidades e complementaridade, e, assim, não são compreendidos em oposição por muitas comunidades que sobrevivem da pesca, seja na necessidade de trabalhar, seja na desnecessidade do trabalho. Inseridos nesse quadro societário, estão os pescadores artesanais do mar-de-fora da praia de Suape, no município do Cabo de Santo Agostinho, litoral sul de Pernambuco, distante 50 km de Recife.

Este artigo focaliza a mencionada moral do trabalho e do tempo livre no fazer cotidiano de pescadores da Praia de Suape. Assim, efetivaram- -se comparações com outras situações mencionadas em textos acadêmicos sobre outras realidades nacional e internacional. A pesquisa de campo estendeu-se de dezembro de 2004 a dezembro de 2006 e se fundamentou na etnografia, história de vida de treze pescadores (entrevistados inúmeras vezes), observação participante (embarquei, inclusive, com os pescadores para o mar alto) e direta e a realização de vários outros colóquios, os quais formaram o acervo empírico e a base da análise teórica deste escrito.

Cabe destacar que, no momento em que se encerrou a aludida pesquisa etnográfica, estavam tendo início as obras de construção da Refinaria Abreu e Lima e de ampliação de trechos do Complexo Portuário de Suape. Portanto, os impactos socioambientais oriundos dessas ações não serão alvo da presente análise.

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Cristiano Wellington Norberto Ramalho é Professor Adjunto de Sociologia do Departamento de Ciências Sociais (DECISO) da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), coordenador do Grupo de Estudos Mares, Ambientes e Ruralidades (GEMARES) e professor colaborador do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento e Meio Ambiente (PRODEMA) da Universidade Federal de Sergipe (UFS).

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