João Ghisleni Filho
Luiz Alberto de Vargas
Fonte: Espaço Vital
Data original da publicação: 30/08/2013
O processo judicial trabalhista visa restituir o equilíbrio contratual, reconduzindo as partes à situação em que se encontravam antes da lesão de direitos previstos na legislação protetiva, ou seja, ao equilíbrio contratual, restaurando a consonância entre relação fática e a ordem jurídica vigente.
Essencial a essa função restituidora-restauradora da condenação judicial é a mais perfeita reparação do dano através do pagamento integralmente corrigido do débito judicialmente declarado, desde a data em que este era devido até a data do efetivo pagamento.
A Justiça do Trabalho utiliza para atualização dos débitos a chamada Tabela FADT (Fator de Atualização dos Débitos Trabalhistas), que visa apenas assegurar, “com base no índice oficial da inflação do mês anterior, o valor monetário dos créditos do trabalhador até o primeiro dia do mês seguinte”.
Observe-se que se trata meramente de assegurar o poder aquisitivo dos valores objeto das condenações trabalhistas, não aqui se cogitando de juros, que, nos termos da lei, têm natureza diversa, qual seja, a de punir o devedor pela mora, acrescendo ao débito como uma indenização ao credor por danos emergentes.
Anteriormente, os débitos trabalhistas eram calculados com base na TRD (Taxa Referencial Diária), conforme previsto na Lei 8.177/91, art. 7º, parágrafo primeiro:
Art. 39. Os débitos trabalhistas de qualquer natureza, quando não satisfeitos pelo empregador nas épocas próprias assim definidas em lei, acordo ou convenção coletiva, sentença normativa ou cláusula contratual sofrerão juros de mora equivalentes à TRD acumulada no período compreendido entre a data de vencimento da obrigação e o seu efetivo pagamento.
A preocupação de assegurar a paridade dos créditos judiciais com a elevação do custo de vida – e, assim, preservar seu poder de compra – à época, era bastante justificada, tendo-se em conta os altos índices inflacionários, que corroíam diariamente a moeda, praticamente pulverizando as dívidas que não estivessem indexadas a algum índice de correção monetária.
Já, na época, alertava-se para a impropriedade de utilização de um índice destinado à remuneração de investimentos financeiros para correção de créditos trabalhistas, pois a TRD surge para “não ser um indexador, mas para ser apenas um sinalizador de expectativas inflacionárias para o mercado financeiro”, sendo previsível que, em algum momento, a TR “deixaria de refletir a elevação de preços e do custo de vida para tornar-se mero instrumento de política financeira tornando sem qualquer sentido sua permanência como indexador trabalhista”.
Em 1993, por meio da Lei 8.660, com a finalidade explícita de desindexar a economia, foi extinta a TRD, silenciando a nova lei sobre a correção dos débitos trabalhistas. Consciente da iniquidade de uma interpretação estrita da norma, que entendesse pela extinção da correção dos débitos trabalhistas a partir da extinção da TRD, o Judiciário Trabalhista, por construção jurisprudencial, entendeu que, a partir de então, a correção se faria pela TR (Taxa Referencial de Juros) que substituiu a TRD para os negócios jurídicos celebrados antes de 1º de maio de 1993 e que também serviria como corretor monetário dos depósitos da caderneta de poupança. Atrelou-se, assim, a atualização dos débitos trabalhistas aos juros da poupança popular, naquele tempo, o investimento de menor retribuição no mercado financeiro.
O cálculo da TR era feito de maneira arbitrária, com base na taxa média dos CDBs prefixados, de 30 a 35 dias, oferecidos pelos 30 maiores bancos, aplicando-se, ainda, um redutor aproximando-a dos juros dos empréstimos para habitação.
Assim, a TR serviu para duas funções absolutamente distintas e que, a partir da necessidade macroeconômica de redução das taxas de juros, tornaram-se incompatíveis, quais sejam, a de preservação do poder aquisitivo do crédito trabalhista e o de evitar que as cadernetas de poupança destinadas ao pequeno poupador e isentas de tributo fossem utilizadas como instrumento de evasão fiscal pelos grandes investidores.
Dessa maneira, para inibir a migração dos grandes investidores para a caderneta de poupança, editou-se a Lei 12.703/12, mudando a remuneração da poupança e passando o Banco Central, a partir de setembro de 2012, a fixar a TR em zero. Na prática, assistiu-se a extinção da TR sem atentar-se (ou se importar) com os efeitos da medida sobre a correção dos créditos trabalhistas.
Tenha-se em conta que, de 01.9.2012, data de extinção prática da TR, até 01.8.2013, a inflação oficial (Índice de Preços ao Consumidor Amplo – IPCA) foi de 5,83%, o que significa um prejuízo para os credores trabalhistas.
Tal impacto não atinge apenas os trabalhadores, mas os credores em geral. Já tinha reconhecido o STF (Supremo Tribunal Federal), ao julgar a ADI 493-DF, que a TR não reflete a perda de poder aquisitivo da moeda.
Porém, no julgamento da ADI 4.357-DF, o STF deu um passo adiante e declarou a inconstitucionalidade do parágrafo 12º do art. 100 da Constituição da República, ao determinar a correção dos precatórios pelos mesmos índices de remuneração da poupança, ou seja, a mesma TR utilizada para correção trabalhista.
Nas palavras do relator, ministro Ayres Britto:
[…] a correção monetária é instrumento de preservação do valor real de um determinado bem, constitucionalmente protegido e redutível à pecúnia. Valor real a preservar que é sinônimo de poder de compra ou poder aquisitivo, tal como se vê na redação do inciso IV do art. 7º da CF, atinente ao instituto do salário mínimo.
Assim, já existe decisão judicial da mais alta Corte declarando a inconsistência jurídica da adoção da TR como fator de atualização de débitos judiciais e a exigência normativa de substituição desse índice por outro que reflita precisamente a desvalorização da moeda em nome da preservação do direito subjetivo do credor e da eficácia das decisões judiciais.
Não se pode negar que as consequências da decretação da inconstitucionalidade da utilização da TR como índice de correção monetária não se restringe à atualização dos precatórios, mas se estende a todos os demais créditos judiciais, inclusive os trabalhistas.
Portanto, o “zeramento” da TR tem impacto contundente nos processos trabalhistas, inviabilizando a construção jurisprudencial que, até então, garantia a correção dos créditos judiciais e gerando a necessidade urgente de nova interpretação pretoriana que igualmente torne efetiva a norma prevista na Lei 8.177/91 que, em essência, visa proteger o crédito laboral da corrosão inflacionária.
Tal exigência não é somente ética, mas também jurídica, a partir de decretação da inconstitucionalidade do uso da TR como fator de atualização monetária. A substituição da TR por outro índice, esse que efetivamente reflita a desvalorização monetária decorrente da inflação, não deve tardar, sob pena de grave distorção dos valores devidos nos processos judiciais trabalhistas.
Como resultado da cultura inflacionária alta o Brasil ainda possui inúmeros índices, com as mais variadas metodologias, que medem a inflação de vários segmentos.
Entre os institutos que realizam essa tarefa, os principais são [1]:
– a FIPE (Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas), da Universidade de São Paulo (USP), que elabora o IPC-FIPE;
– a FGV (Fundação Getúlio Vargas), entidade privada de ensino, cujo principal índice é o IGP-M (Índice Geral de Preços ao Mercado);
– o DIEESE (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos), entidade civil sem fins lucrativos, que assessora o movimento sindical e é responsável pelo ICV (Índice de Custo de Vida);
– o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), instituição da administração pública federal e principal fonte de informações e dados do Brasil, responsável pelo IPC (Índice de Preços ao Consumidor), pelo INPC (Índice Nacional de Preços ao Consumidor) e pelo IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo).
Cada índice é calculado com metodologia própria e serve a diferentes finalidades. Assim, o IPC-FIPE pesquisa somente a cidade de São Paulo e reflete o custo de vida de famílias com renda de 1 a 20 salários mínimos. Utiliza metodologia que atualiza uma ponderação dos preços, de forma a eliminar bruscas variações sazonais. É um dos mais antigos do país.
O IGP é uma média ponderada do índice de preços no atacado (IPA) com peso 6, do IPC-RJ, que mede os preços ao consumidor no Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte, Salvador, Recife, Porto Alegre e Brasília, com peso 3 e do custo da construção civil (INCC) com peso 1. É usado em contratos de longo prazo, como aluguel, no reajuste de tarifas públicas e planos de saúde antigos. Uma variação deste, o IGP-M é elaborado para contratos do mercado financeiro.
O ICV-DIEESE, também medido apenas em São Paulo, mede o custo de vida de família com renda média de R$ 2.800,00 e foi criado para subsidiar a negociação coletiva.
O INPC mede o custo de vida nas principais onze regiões metropolitanas do país para famílias com renda de 1 a 5 salários mínimos. Resulta do cruzamento de dois parâmetros: da pesquisa de preço de nove regiões de produção econômica com a pesquisa de orçamento familiar (POF) que abrange famílias com renda de 1 a 6 salários mínimos.
O IPCA é o índice utilizado pelo Banco Central como medidor da inflação oficial do país. A pesquisa é feita em nove regiões metropolitanas em famílias com renda mensal de 1 a 40 salários mínimos.
A variação dos índices depende de inúmeros fatores e, a cada período, conforme os rumos da economia, um ou outro índice parece mais favorável ao credor ou ao devedor. Assim, nos últimos doze meses (jul./2012-jul./2013), os mais importantes índices apontaram a seguinte inflação [2]:
* IGP-M: 5,18%
* INPC: 6,38%
* IPCA: 6,27%
* ICV: 6,63
Em recente artigo publicado na LTr de julho de 2013, César Reinaldo Offa Basile, sobre a mesma matéria, defende a aplicação do INPC como “[…] único índice capaz de recompor satisfatoriamente as perdas inflacionárias e devolver o poder aquisitivo da moeda nacional” [3]. Aponta, ainda, o referido articulista, que outras leis, como por exemplo a 11.430 de 26.12.2006 (que acresceu os artigos 21-A e 41-A e deu nova redação ao artigo 22 da Lei 8.213/91) e a Lei 12.382 de 25.2.2011, que dispõe sobre diretrizes de valorização do salário mínimo, já lançam mão de tal indexador.
O ministro Castro Meira, do STJ, proferiu decisão na Execução em Mandado de Segurança 11.761-DF (2008/0132683-2), em 27.5.2013, com o seguinte teor, examinando questão decorrente do posicionamento do STF:
Corretos são os cálculos apresentados pela CEJU, porquanto, além de ter sido o IPCA-E o índice empregado na conta homologada, olvida-se a União de que o Supremo Tribunal Federal, na ADI 4.357/DF, em 14.3.2013, declarou a inconstitucionalidade, por arrasto, das expressões “independentemente de sua natureza” (para efeito de correção monetária) e “índices oficiais de remuneração básica”, contidos no art. 1º F da Lei 9.494/97, com a redação da Lei 11.960/2009. Significa dizer que, no tocante à correção monetária, mesmo a partir de julho/2009, continuará sendo adotado o IPCA-E-IBGE, e não mais o índice previsto no Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal.
Destacamos, para fins de esclarecimento da referida decisão, que a pretensão deduzida pela União era no sentido de continuidade da aplicação da TR.
Assim, entre tantos índices, haverá de se eleger aquele que melhor reflita a perda do poder aquisitivo do credor trabalhista, tarefa urgente que está a exigir a reflexão e o debate de todos os operadores jurídicos e da comunidade trabalhista em geral.
Notas
[1] ANTONIK, Luis Roberto; VEIGA, Daniel Rogério Carvalho. Taxas de inflação e índices de preço, uma abordagem política. Disponível em: <http://www.unifae.br/publicacoes/pdf/IIseminario/ iniciacaoCient%C3%ADfica/iniciacao_10.pdf>. Acesso em: 20 ago. 2013. [2] Fonte: Investimentos e Notícias. Disponível em: <http://www.investimentosenoticias.com.br/>. Acesso em: 20 ago. 2013. [3] BASILE, César Reinaldo Offa. A (des)atualização monetária do crédito na Justiça do Trabalho. Revista LTr, São Paulo, v. 77, n. 7, p. 807-817, jul. 2013.João Ghisleni Filho e Luiz Alberto de Vargas são desembargadores, integrantes da Seção Especializada em Execução do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (TRT-RS).