A ameaça de uma imensa crise financeira

Ilustração: Gerd Altmann/Pixabay

Alguns raros especialistas estão agora murmurando que uma grande crise financeira será desencadeada. Como evitá-la?

Jacques Attali

Fonte: A Terra é Redonda, com Blog do Attali
Tradução: Daniel Pavan
Data original da publicação: 18/04/2023

Uma imensa crise financeira está à espreita. Se não agirmos rapidamente, ela nos atingirá, provavelmente na metade de 2023. E se, por uma procrastinação generalizada, ela for postergada, apenas nos atingirá com mais força depois. Ainda temos tudo que precisamos para realmente dominá-la, desde que compreendamos que todo o nosso modelo de desenvolvimento está em jogo.

A situação mundial hoje é mantida apenas pela força do dólar, legitimada pela potência econômica, militar e política dos Estados Unidos, que continuam sendo o principal refúgio dos capitais globais. No entanto, este país atualmente se encontra sob a ameaça de uma grave crise fiscal, financeira, climática e política:

A dívida pública americana atingiu 120% do PIB, sem considerarmos as garantias fornecidas pela administração federal aos sistemas previdenciários dos agentes federais nem o financiamento necessário das futuras catástrofes climáticas. Desde meados de janeiro de 2023, o Tesouro americano já atinge o seu limite de obtenção de empréstimos (31,4 trilhões de dólares); os salários dos funcionários e do exército são apenas pagos por meio de recursos paliativos (o que a Secretária do Tesouro diz não poder prolongar para além do começo de julho de 2023).

Os Republicanos, que controlam a Câmara dos Deputados, estão se preparando para propor o que a Casa Branca já acusa de serem “cortes devastadores que enfraquecerão a segurança nacional afetando as famílias da classe trabalhadora e da classe média”. E o projeto dos Democratas, que visa uma redução do déficit em 10 anos através de uma alta massiva de impostos sobre os mais ricos, não tem muito mais chances de ser aprovado pelo Congresso. Os americanos podem, mais uma vez, sair dessa valendo-se de um novo aumento no teto da dívida, o que ninguém quer. E que não resolveria nada.

A dívida privada não se encontra em uma situação melhor: ela atingiu cerca de 16,9 trilhões de dólares, o que significa 2,75 trilhões a mais do que antes da crise provocada pela Covid-19; cerca de 58 mil dólares por adulto americano, ou 89% da renda disponível das famílias americanas. Uma boa parte dela serve apenas para financiar as despesas de consumo e a compra de moradias; a dívida imobiliária, em particular, atinge cerca de 44% da renda disponível das famílias americanas, o nível mais alto da história, ultrapassando aquele de 2007, quando este tipo de dívida foi o gatilho da crise precedente.

E os americanos mais pobres continuam tomando empréstimos, com a garantia da Federal Housing Admistration, para comprar moradias com um adiantamento mínimo limitado a 5% mais as mensalidades, que podem chegar a cerca de 50% de suas rendas! Um sistema insustentável. 13% destes empréstimos já estão inadimplentes e essa porcentagem aumenta todos os dias. Soma-se a isso o endividamento das construtoras, que atinge, também, níveis inauditos. 1,5 trilhões de dólares de empréstimos em propriedades comerciais devem ser reembolsados ou refinanciados antes do fim de 2025, com taxas muito superiores às atuais. Tudo isso enquanto os bancos se encontram altamente fragilizados pelo que aconteceu recentemente e não podendo participar destes refinanciamentos.

Além de tudo isso, há um clima revolucionário, no qual ninguém exclui a possibilidade de uma crise constitucional que poderia inclusive levar, de acordo com a opinião de alguns, à secessão de alguns estados.

O resto do mundo sofreria terrivelmente com uma crise como esta. A Europa, ela mesmo terrivelmente endividada, afundaria numa recessão, perdendo mercados de exportação que não poderiam ser compensados pela demanda interior. O mesmo vale para a China. Apenas a Rússia, que não tem mais nada a perder, poderia ganhar algo com isso; e ela certamente irá contribuir com a desordem, por meio de cyberataques, como ela indubitavelmente fez um mês atrás, quando os bancos californianos foram atacados.

Não podemos mais pensar que o crescimento atual será o suficiente para sanar esta dívida, como foi o caso em 1950. O relatório da Assembleia anual do FMI é bastante lúcido acerca deste ponto, por mais que seja incrivelmente discreto acerca dos riscos financeiros sistêmicos que estão corroendo a economia de seu principal acionista, os americanos.

Alguns raros especialistas estão agora murmurando que uma grande crise financeira será desencadeada, assim como muitas outas antes dela, na segunda quinzena de um mês de agosto: como em 1857, 1971, 1982 e 1993. Mas de qual ano? Possivelmente em agosto de 2023. Como evitá-la?

Existem quatro soluções: economias radicais, mantendo mesmo o padrão de desenvolvimento (o que apenas criaria miséria e violência); estímulos monetários (o que apenas atrasaria sua data final); a guerra (que levara ao pior cenário possível, antes de, possivelmente, criar oportunidades muito raras aos sobreviventes). E, por fim, uma reorientação radical da economia mundial em direção a um novo modelo de desenvolvimento, com uma relação totalmente diferente com a propriedade dos bens de consumo e moradia, reduzindo ao mesmo tempo o endividamento e a pegada climática.

Naturalmente, nada está pronto para que se possa implementá-la; e se algum dia a adotaremos, isso provavelmente não acontecerá em lugar da catástrofe, ainda perfeitamente evitável, mas depois dela ter acontecido.

Jacques Attali é economista e escritor. Autor, entre outros livros, de Karl Marx ou o espírito do mundo (Record).

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