21 de dezembro de 1844: inaugurada loja dos Pioneiros de Rochdale, embrião do cooperativismo

Sucesso de trabalhadores no norte da Inglaterra expandiria modelo cooperativo pelo mundo.

Guilherme Daroit

Salário reduzido e preços em alta. Era esse cenário de carestia que assolava os trabalhadores da indústria em Rochdale, subúrbio de Manchester, no norte da Inglaterra, em meados do século XIX. Preocupados com o quadro, quase três dezenas deles se apoiaram no cooperativismo para mudar a situação. Mesmo que não inédita, a estratégia do grupo inovaria ao adotar pilares éticos, comerciais e de governança que garantiriam o sucesso da empreitada. Com o êxito dos Pioneiros de Rochdale, tanto o modelo quanto os princípios se espraiariam pelo mundo, sendo seguidos, com atualizações, até hoje.

O avanço na mecanização da tecelagem, principal setor da indústria que tinha na região seu polo principal, desafiava os trabalhadores, que viam as horas de trabalho escassearem e, por consequência, a sua renda diminuir. Ao mesmo tempo, a venda de alimentos e outros produtos não acompanhavam o movimento. Os preços não caíam, e as adulterações com outros produtos mais baratos eram comuns.

As cooperativas, a esse momento, já não eram novidade, com diversas experiências pelo Reino Unido. Tanto que, introduzidos ao modelo cooperativo, um grupo trabalhadores da cidade decidiria levá-lo adiante em uma loja, a ser administrada por eles, como forma de atacar os dois problemas. Por um lado, garantiria a origem e a integridade dos alimentos a serem adquiridos, enquanto, por outro, poderiam aliviar o peso das compras no orçamento familiar. Conhecedores das iniciativas do tipo, entretanto, os fundadores adotariam medidas que buscavam evitar os problemas enfrentados pelas cooperativas primitivas, estabelecendo uma série de princípios que viabilizassem o sucesso da nova organização.

Ao longo de 1844, o grupo arrecadaria recursos próprios para financiar a aventura. Inicialmente, à medida de 2 pences (à época, a libra era dividida em 240 pences) por semana e, mais tarde, de 3 pences por semana. A baixa quantia, ainda que acessível, tornava também morosa a consolidação dos fundos necessários para a empreitada. Mesmo assim, em outubro, os trabalhadores registrariam o seu coletivo, batizado de Sociedade dos Probos Pioneiros de Rochdale, à espera do momento ideal para a efetivação do projeto.

Em dezembro, então, a conjuntura permitiria a abertura da loja planejada. Com quase três dezenas de integrantes, e um caixa com 28 libras esterlinas (o equivalente a 3,1 mil libras atualmente), naquele mês a sociedade enfim conseguiria um prédio para locação. Assim, no dia 21, no térreo do número 31 da Toad Lane, era inaugurado o primeiro armazém da cooperativa de consumo. O estoque com poucos produtos, limitado a pequenas quantidades de arroz, farinha, açúcar e aveia, não impediria a abertura, que mudaria o sistema para sempre.

Com a loja, a cooperativa colocava em prática os princípios que os pioneiros desenharam para evitar a falência, destino comum aos seus pares até então. Eternizados como os Princípios de Rochdale, o arcabouço definia regras mais objetivas, como a pesagem correta dos produtos e de que só seriam vendidos alimentos puros, que respondiam à cultura de adulteração da época, mas atacava especialmente em questões de governança.

Na cartilha de Rochdale, era necessário garantir a democracia interna, conferindo um voto para cada membro, independente da quantia investida, prática distinta à vista em empresas e mesmo na política inglesa de então. Além disso, as decisões seriam tomadas por comitês eleitos periodicamente, que deveriam apresentar documentos e balanços da sociedade aos demais membros. 

Por fim, os princípios indicavam que a cooperativa se basearia apenas no financiamento de seus integrantes, que seriam remunerados a uma taxa fixa pelo capital empregado, e que as vendas seriam realizadas apenas à vista. O crédito, possibilitador de consumo acima da renda, era visto como causador de problemas financeiros tanto para os trabalhadores quanto para os negócios, e, portanto, seria abolido na loja. 

A última diretriz que determinaria o sucesso da iniciativa viria da forma de distribuição dos lucros. A decisão do grupo faria com que as sobras não fossem divididas de acordo com o capital investido, mas sim com o total pago em compras na loja no período de apuração. Seria graças a esse formato que muitos integrantes fariam suas compras na loja mesmo com preços maiores do que a concorrência em seus primeiros momentos, permitindo à loja persistir e avançar, logo expandindo sua oferta de produtos e conseguindo praticar preços competitivos. 

Depois, o modelo ainda se transformaria em uma espécie de primeira poupança para os trabalhadores da região, alijados do sistema bancário e sem capacidade de formação de reservas, que periodicamente receberiam quantias consideráveis de volta da cooperativa.

A notícia do sucesso dos Pioneiros de Rochdale logo se espalharia, assim como a replicação do modelo criado por eles. Em 1855, a sociedade já passava dos 1,4 mil membros, e só no norte da Inglaterra se apresentavam pelo menos 200 cooperativas moldadas nos mesmos princípios. 

Em 1863, seria fundada a Sociedade Cooperativa Atacadista, formada por todas as cooperativas da região, que as abastecia com produtos. No século XX, a organização se multiplicaria, abarcando diversas outras atividades. Em 2007, já chamada de Grupo Cooperativo Limitado (Co-op), a sociedade se fundiria com os sucessores dos Pioneiros de Rochdale, tornando-se a herdeira da tradição. O imóvel da primeira loja abriga, atualmente, um museu sobre a cooperativa original.

Os princípios de Rochdale, por sua vez, seriam atualizados periodicamente pela Aliança Cooperativa Internacional, federação global guardiã do modelo, fundada em 1895. A versão vigente, de 1995, estabelece como bases do cooperativismo sete princípios: a adesão voluntária e livre, a gestão democrática, a participação econômica equitativa entre os membros, a autonomia e independência de cada sociedade, a promoção da educação, a cooperação entre cooperativas e o interesse pela comunidade na qual estão inseridas.

Guilherme Daroit é jornalista e bacharel em Ciências Econômicas, formado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Atualmente, é diretor do Sindicato dos Bancários de Porto Alegre e Região

 


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