7 de dezembro de 1857: cigarreiras paralisam fábrica na Espanha

Trabalhadoras destruíram máquinas e estoque na principal planta industrial da Galícia

Guilherme Daroit

Força de trabalho da principal indústria da região da Galícia, na Espanha, as mulheres se insurgiriam, em 1857, contra as condições salariais e projetos de modernização. Local de trabalho de quase 4 mil operárias, a Real Fábrica de Cigarros da Corunha seria palco de uma paralisação histórica, em 7 de dezembro, que resultaria na quebra de máquinas e na destruição da produção, mostrando a força da primeira greve movida por mulheres na região.

Criada por decreto real em 1804, a fábrica de cigarros ocupava as edificações que, no século anterior, abrigavam o correio marítimo entre a Galícia e os portos do exterior. Após a transferência do serviço para Ferrol, os prédios seriam reformados para a abertura da indústria de cigarros, tocada, inicialmente, por cerca de 400 garotas com média de 14 anos de idade. Nos anos seguintes, a fábrica, conhecida como Palloza, cresceria e se transformaria na maior empregadora da região, mantendo a característica da mão de obra feminina.

A escolha não era por outro motivo que não econômico. As mulheres, eram, então, pior remuneradas, o que segurava os custos de produção. Além disso, as operárias recebiam como trabalhadoras a domicílio, sem direito a salário propriamente dito. Sua remuneração era proporcional à produção realizada, sem jornada definida.

Se por um lado o modelo ajudava a atrair trabalhadoras, já que as mulheres precisavam conciliar o trabalho com os serviços domésticos, por outro o baixo valor por cigarro também as jogava para turnos extenuantes, que em alguns casos chegava a perfazer todo o dia. Não havia direito à aposentadoria, e, ao mesmo tempo, chegavam a coexistir quatro gerações de trabalhadoras, que trabalhavam da infância até o fim da vida. A alta no consumo de cigarros também forçava o aumento do ritmo de produção, complicando ainda mais as condições de trabalho das operárias.

A desesperança se transformaria em revolta, enfim, com projetos de modernização da fábrica, necessário para a adaptação aos novos tipos de cigarro, que ganhavam popularidade na época.. A chegada de novo maquinário para picar o tabaco, além da expectativa de reorganização produtiva, prometiam reduzir a necessidade de mão de obra e, por conseguinte, os postos de trabalho, que já chegavam a quase 10% da população da cidade. Além disso, a nova fabricação as tirava do ritmo normal, diminuindo a produção e, por consequência, a remuneração.

No domingo, dia 6, as operárias mais exaltadas recorreriam as casas de suas colegas insuflando a paralisação, que receberia o apoio das demais colegas, também desgostosas com a situação.

O estopim aconteceria então na manhã de 7 de dezembro. Naquele dia, por volta das 11h, as milhares de trabalhadoras se levantariam contra seus chefes. Inicialmente, destruiriam as novas máquinas, jogando-as ao mar que se avizinhava aos prédios da fábrica, deixando clara sua insatisfação com a tecnologia que surgia para lhes substituir.

A revolta, entretanto, não pararia por aí: seriam também destruídos móveis, livros contábeis e parte do estoque, que teriam como destino o mesmo mar. O caixa da fábrica também seria violado, tendo acesso a valores monetários guardados na empresa.

A resposta seria breve. Sob ordens do governador civil, tropas da infantaria e da cavalaria do exército seriam enviadas para conter a manifestação. Inicialmente, alocadas nos telhados da fábrica e munidas de telhas, as operárias conseguiriam contrapor a força militar. Logo, porém, as tropas conseguiriam avançar e adentrariam as edificações, controlando a rebelião.

Aos poucos, as trabalhadoras seriam liberadas, mas pelo menos vinte delas acabariam presas. No traslado até a prisão, entretanto, os militares seriam apedrejados por outras operárias, que reagiam às detenções. As forças contra-atacariam ainda com mais intensidade, encerrando de vez, por volta das 16h, o movimento.

Ainda que sem conquistas, a greve das cigarreiras entraria, assim, para a história, como a primeira paralisação feminina da região, além de um dos principais episódios ludistas na Espanha. Nas décadas seguintes, consolidariam a união, garantindo direitos, como salas de amamentação e associações de mutualidade, até chegarem aos primeiros sindicatos, na década de 1880. A fábrica da Palloza ficaria em atividade até 2002, sendo encerrada após a privatização da indústria estatal espanhola de cigarros.

Guilherme Daroit é jornalista e bacharel em Ciências Econômicas, formado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Atualmente, é diretor do Sindicato dos Bancários de Porto Alegre e Região

 


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