
A elite econômica e política da Europa não parece capaz de repensar suas economias.
Wagner Souza
Fonte: RED
Data original da publicação: 23/11/2025
Reportagem da Rádio França Internacional (RFI) diz que, segundo o Instituto Nacional de Estatísticas da França, Insee, o nível de pobreza em 2025 chegou a 15,4% da população, o nível mais alto desde 1996. Ainda segundo a matéria, a Pesquisa de Impostos e Seguridade Social Francesa (ERFS), releva que 9,8 milhões de franceses vivem abaixo do nível de pobreza, com 1288 euros mensais, abaixo de valor do salário mínimo. O site da rede pública germânica Deutsche Welle, a respeito da Alemanha, destaca o relatório do Conselho da Europa, de 2024, o qual afirma que o elevado nível de pobreza e desigualdade social é desproporcional à riqueza do país e que a pobreza é um problema grave alemão, sobretudo para crianças, idosos e pessoas com deficiência. Levantamento do Gabinete de Estatísticas da União Europeia mostra que um número em torno de 93,3 milhões de habitantes da União Europeia, ou algo como 21% da população, estavam, em 2024, em risco de pobreza ou exclusão: Bulgária (30,3%), Romênia (27,9%), Grécia (26,9%), Espanha e Lituânia (ambos com 25,8%) são os países com índices mais elevados; República Tcheca (11,3%), Eslovênia (14,4%), Holanda (15,4%), Polônia (16%) e Irlanda (16,7%) têm os percentuais mais baixos.
A propriedade imobiliária e os sistemas fiscais de cada país tem um peso determinante na desigualdade. Os 10% mais ricos na Europa detém 67% da riqueza enquanto os 50% mais pobres da população adulta têm 1,2% da mesma. A desigualdade na distribuição da riqueza varia bastante dependendo do país. O património líquido ou “riqueza” é definido como o valor dos ativos financeiros mais os ativos reais (principalmente habitação) que as famílias possuem, menos as suas dívidas.
A desigualdade de riqueza, contrariando o sendo comum, é bastante elevada nos países nórdicos. A Suécia é o país europeu com a maior desigualdade e Noruega, Dinamarca e Finlândia encontram-se na metade superior da lista de mais desiguais países europeus, de acordo com o Global Wealth Databook, de 2023. Das “quatro grandes” potências da União Europeia, a Alemanha é o país mais desigual, seguido de França, Espanha e Itália. No caso sueco, especificamente, a desigualdade, em um país com bons índices de bem-estar e rendimento, deu-se principalmente pelas mudanças no sistema fiscal. Segundo a cientista política Lisa Pelling, ao Euronews Business: “Nas últimas décadas, abolimos uma série de impostos sobre a riqueza (…) Na Suécia, atualmente, não existe imposto sobre o patrimônio. Também não há impostos sobre heranças, doações e propriedades (…) Também temos impostos muito baixos sobre as empresas. Isto significa que existem muitas possibilidades para as pessoas ricas enriquecerem ainda mais”.
Os serviços públicos ou o chamado Estado de Bem-Estar Social foram criados originalmente na Europa no quadro de um conflito permanente que Charles Tilly identificou como “mecanismos sociais explicativos das desigualdades”. Após a Segunda Guerra Mundial o continente viveu situação histórica e correlação de forças que propiciou o avanço da democracia política e do moderno Estados de Bem-Estar Social. Os avanços econômicos e sociais foram sem precedentes.
Mas a “correção dos excessos” das políticas econômicas e sociais que beneficiaram os trabalhadores veio a partir dos anos 1980, a “revolução conservadora” de Margaret Thatcher e Ronald Reagan, que enfraqueceu os sindicatos, financeirizou a economia e aumentou a desigualdade. Do ponto de vista do interesse nacional norte-americano o dólar forte centralizou, após os tortuosos anos 1970, a economia mundial novamente nos Estados Unidos e a política monetária do mundo voltou a estar plenamente subordinada ao Federal Reserve. As economias europeias seguiram o novo consenso anglo-saxão da “economia da oferta” e aplicaram o mesmo receituário, que está na base do funcionamento da moeda comum, o euro, e das instituições econômicas da União Europeia. O aumento da polarização social com o consequente aumento do extremismo político foi a principal consequência para estas sociedades (nos EUA e na Europa) destas políticas.
O consenso político do pós-guerra na Europa Ocidental estava fundado na contenção da “ameaça vermelha”, de evitar a possibilidade de que estes países pudessem passar a orbitar em torno de União Soviética e adotassem seu modelo político, econômico e social. O colapso do bloco socialista, a partir da segunda metade dos anos 198,0 encerrou com esta possibilidade. O poder de barganha dos trabalhadores europeus se reduz sensivelmente com o “fim da história” e a nova ordem liberal que se anunciava nos anos 1990. O trabalho é “flexibilizado”, as fábricas “deslocalizadas” e os salários perdem participação na renda nacional de cada país. A fixação com o “equilíbrio orçamentário”, consagrado nas normas da União Europeia e de vários países, com destaque para o exemplo alemão, impuseram uma crescente incapacidade para os Estados lidarem com as carências sociais.
E têm-se um novo contexto nestes anos 2020. A pandemia de covid-19 explicitou as fragilidades dos Estados ao redor do mundo em suprir suas necessidades em suprimentos de saúde e a dependência neste setor em relação especialmente à China e à India. A guerra entre Rússia e Ucrânia e falta de um compromisso claro do atual governo dos EUA com a defesa do continente colocaram a Europa na obrigação de abandonar sua condição “confortável” de protetorado dos Estados Unidos com a OTAN para buscar maior autonomia estratégica (embora também as diferenças entre os próprios europeus compliquem para que esta coordenação regional efetivamente funcione). A Alemanha, já a partir do primeiro ano da invasão russa, 2022, e também como resultado dos efeitos muito negativos do “decoupling” com a economia russa e a perda do gás barato, passa a buscar sua recuperação econômica pela “economia de guerra” e o objetivo de constituir a mais poderosa força militar do continente. A Europa não tem boas memórias do período em que isto se concretizou.
Por fim, cabe ressaltar que a elite econômica e política da Europa, em especial dos maiores países, não parece capaz de repensar suas economias. No caso alemão, a principal economia e “motor” da UE, o orçamento foi “flexibilizado” para aumento de gastos com defesa e infraestrutura. Porém, o Chanceler Friedrich Merz está propondo também corte de gastos sociais. Na França, Itália e Espanha, para citar os maiores países da UE, depois da Alemanha, a “camisa de força” do euro (os países não tem política monetária autônoma) e de políticas fiscais restritivas, como colocado acima, vem debilitando as infraestruturas físicas desses Estados e também seus aparatos de auxílio social. Os britânicos, embora tenham moeda própria, não estão se saindo melhor. Num mundo de emergência de China, Índia, Indonésia e outros atores “emergentes” a Europa vai perdendo sua participação no PIB mundial, suas empresas vão sendo desbancadas por novos concorrentes destes países, que vem também surgindo como fortes concorrentes em inovação tecnológica. Um mundo mais “multipolar” e complexo, em que a Europa é cada vez menos poderosa e não consegue vislumbrar, até este momento, qualquer novo projeto conjunto que não passe pelo reforço à vassalagem aos Estados Unidos.
Wagner Souza é doutor em Economia Política Internacional pela UFRJ. Pós-Doutorado em Relações Internacionais pela Unesp. Atualmente é pós-doutorando em Economia Política Internacional na UFRJ com pesquisa sobre a política externa alemã e suas relações com grandes potências (EUA, Rússia e China)

