15 de novembro de 1922: Greve geral termina em massacre de trabalhadores no Equador

Ação de policiais e militares contra marcha em Guayaquil deixou centenas de mortos e modificou país.

Guilherme Daroit

Mobilização nunca antes vista no Equador, a primeira greve geral do país, mantida por três dias de novembro de 1922 em Guayaquil, acabaria em um massacre de trabalhadores ligados ao movimento. Frente a uma marcha com cerca de 20 mil operários no último dia da greve, milhares de policiais e militares do Exército não contiveram sua força, utilizando todas as suas armas para frear o avanço da caminhada. A ação resultaria em centenas de vítimas, número nunca contabilizado oficialmente, e marcaria a ferro a data para o sindicalismo equatoriano.

O descontentamento dos trabalhadores, à época, tinha origem econômica. Dependente da exportação de cacau, o Equador entrou em crise com a queda no preço do bem no início do século XX. O enfrentamento à situação, pelo lado da política, privilegiava as elites produtoras, com medidas como a forte desvalorização da moeda local, o sucre, o que ao mesmo tempo encerrava em forte inflação e corrosão do poder de compra dos trabalhadores. Em 1922, a crise já ebulia, formando o caldo para uma série de manifestações de rua contra decisões do governo.

O primeiro movimento paredista, que serviria de exemplo e motivação em Guayaquil, aconteceria em outubro na outra margem do rio Guayas, em Durán. Por lá, os ferroviários da companhia que ligava a região à capital Quito entrariam em greve no dia 19 daquele mês, depois de não terem suas demandas por melhores condições de trabalho e salário atendidas pela empresa. Nos dias seguintes, trabalhadores de outras estações ferroviárias também parariam seus serviços, e operários de outros setores realizaram atos em apoio à greve. O movimento se encerraria em 26 de outubro, com mediação do governo, e a aceitação de praticamente todos os pedidos originais dos ferroviários.

O sucesso da greve, além da interlocução entre categorias fomentada durante o movimento, fomentariam novas paralisações, dessa vez na maior cidade da região, Guayaquil. Em 9 de novembro, trabalhadores das empresas de transporte público e de energia elétrica decretariam greve na cidade, pedindo aumento salarial e o cumprimento de leis trabalhistas já existentes. Em apoio, outras categorias se somariam organizando paralisações parciais, enquanto ocorriam negociações mediadas pelo governo. Um acordo chegaria a ser alcançado, mas retirado quando as empresas exigiriam aumentar o preço das passagens para financiar o aumento salarial. Em resposta, no dia 13 de novembro, os trabalhadores decretariam a greve geral em Guayaquil, expandindo o escopo das demandas para além das regras trabalhistas.

Já no dia seguinte, o movimento tomaria grandes dimensões, com atos populares exigindo atitudes do governo como a interferência no câmbio. No dia 15, novas caminhadas com cerca de 30 mil pessoas engrossariam as reivindicações, que seriam atendidas pelo governo naquele dia. Antes de a notícia chegar, entretanto, a situação sairia do controle.

Pela manhã, um piquete em frente a uma padaria que se recusava a fechar as portas terminaria com a prisão de grevistas. Ao longo do dia, os líderes e os governantes negociaram pela sua libertação, e a inflamada marcha popular seguiria em direção ao quartel policial com a intenção de acompanhar a sua saída. Ao chegarem, entretanto, seriam recebidos com uma ação de guerra, cuja origem possui versões distintas, que vão desde uma ordem expressa do governo para contenção do ato, quanto a um equívoco dos militares que acreditariam que a turba planejasse invadir o quartel.

Seja qual fosse a motivação, cerca de 2 mil militares abriram fogo indiscriminadamente contra a marcha. além de atacar os manifestantes por terra. A multidão fugiria para as ruas vizinhas, além de invadirem diversos estabelecimentos comerciais em busca de armas para defesa. Acuados, a fuga acabaria ao chegar ao rio Guayas. Com o ataque, o centro da cidade se transformaria em um mar de sangue e cadáveres, cujas estimativas variam de cerca de 100 até mais de mil vítimas fatais, nenhuma delas das forças militares. A contagem é incerta pois muitos corpos acabariam enterrados em vala comum, sem identificação, e outros tantos teriam sido lançados ao rio.

A greve geral se encerraria no mesmo dia 15. No dia seguinte, o governo procederia com a publicação de decretos honrando o acordo feito com os grevistas antes do massacre, alterando as regras cambiais do país. Apenas os trabalhadores do transporte público seguiriam em greve, encerrando a sua paralisação apenas no dia 21.

O massacre é, até hoje, lembrado pelo movimento sindical equatoriano. Entre as celebrações, todos os anos são jogadas flores ao rio Guayas, lembrando os mortos no massacre que nunca foram enterrados oficialmente.

Guilherme Daroit é jornalista e bacharel em Ciências Econômicas, formado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Atualmente, é diretor do Sindicato dos Bancários de Porto Alegre e Região

 


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