
Cássio da Silva Calvete
O direito à desconexão dos trabalhadores já vem sendo objeto de estudo há bastante tempo em função das possibilidades abertas pelas novas tecnologias de alcançar o trabalhador em qualquer lugar e em qualquer tempo (SOUTO MAIOR, 2003; ALMEIDA, SEVERO, 2016) e se intensificou com o aumento do teletrabalho e, particularmente do Home Office. O excesso de conexão, ou a conexão ilimitada, aparecem em diferentes ocupações e é estimulada de diferentes formas. Na raiz do atual problema estão as tecnologias de comunicação como e-mail, messenger, whatsapp e o gerenciamento algorítmico e a estratégia de gameficação e de manipulação do trabalhador. Dependendo do local de trabalho o excesso de conexão traz diferentes problemas aos trabalhadores. Para aqueles que trabalham em casa a situação assume ares trágicos. Situação que foi “vendida” como positiva pelo fato dos trabalhadores não precisarem perder tempo de deslocamento, poder ficar no conforto do seu lar e, muitas vezes, flexibilidade para poderem realizar o trabalho quando melhor lhe aprouver. No entanto, vários problemas começaram a aparecer para os trabalhadores, como a falta de um espaço físico adequado, custos com o mobiliário adequado, aumento de custo da luz, internet, água e, principalmente, a perda da privacidade do seu lar e o embaralhamento de tempo de trabalho e de não trabalho e de local de trabalho e de não trabalho. Esse apagamento das fronteiras de tempo e espaço leva à completa conexão ao trabalho o que acarreta problemas familiares, de estresse, depressão entre outros problemas psicológicos (BELKIN, BECKER, CONROY, 2020; KAPPEL, MERLO, 2020).
O trabalho em home office, que é uma modalidade do teletrabalho, seja para trabalhadores plataformizados ou para trabalhadores formais, apresenta problemas que se assemelham. A grande distinção é que no caso dos trabalhadores formais, alguns países já apresentam regulamentação para garantir o direito à desconexão (LEROGE, PONS, 2022; BERGEN, BRESSLER, PROCTOR, 2019) enquanto para os trabalhadores plataformizados essa discussão ainda está no seu estágio inicial.
O teletrabalho, tendo em vista que o trabalho pode ser executado não só de casa, mas também de locais como a rua, parques, cafeterias e coworking spaces, adquiriu várias formas e se expandiu para os mais variados setores da economia. Para as empresas as vantagens são as mais variadas, pode se citar o ganho do espaço físico, a diminuição de custos como luz e material de escritório e a possibilidade de contratação independentemente da localização territorial do trabalhador. Muitos estudos já foram realizados, principalmente sobre o trabalho remoto em empresas plataformas como os de motoristas e entregadores, e eles apontam para estratégias para manterem os trabalhadores conectados o maior tempo possível. Essas estratégias variam de setor para setor e de tipo de vínculo do trabalhador, mas muitas delas se aplicam a todos, da mesma forma ou com alguma variação. As estratégias para que os trabalhadores fiquem conectados ininterruptamente muitas vezes se utilizam da psicologia dos jogos. Estimular uma meta de tarefas para que o trabalhador ganhe um prêmio (um adicional de valor), oferecer inicialmente as tarefas com menor remuneração para que gradualmente eles passem a receber a tarefas que remuneram melhor e a oferta de nova tarefa quando a que está sendo executada se aproxima do fim e justamente em momentos que o trabalhador estaria deixando de trabalhar.
Concomitantemente a esses expedientes mais sofisticados, muito utilizados pelas empresas plataformas, mas não só por elas, sobrevivem os antigos métodos de intimidação com a demissão ou desligamento, a suspensão e a não promoção se o trabalhador não está disponível quando o seu superior ou cliente o solicita (BERGEN, BRESSLER, PROCTOR, 2019; SECUNDA, 2019). As novas tecnologias facilitam o acesso ao subordinado em qualquer lugar e em qualquer tempo, seja via e-mail ou whatsapp. Bergen, Bressler e Proctor (2019) utilizam a expressão “on the Grid 24/7/365” e apontam que o que aparentava ser uma novidade positiva para os trabalhadores, a possibilidade de trabalhar em qualquer lugar e em qualquer tempo, na realidade se apresenta como uma condenação de ter que trabalhar em todos os lugares o tempo todo. Challenger, Gray e Christmas, Inc. (2017) em sua pesquisa com 150 gestores de empresas nos EUA apontam que 82,9% estariam dispostos a entrar em contato com seus funcionários após o expediente e que 87,5% relataram que sua empresa não tem política específica para comunicação fora do horário de trabalho. Essa é uma boa pista para entendermos porque a maioria dos trabalhadores dos EUA se sente sobrecarregado (SECUNDA, 2019).
O direito à desconexão trata do direito do trabalhador de se desligar, de não se envolver em comunicações eletrônicas relacionadas ao trabalho, fora do horário de trabalho, seja depois da jornada diária estabelecida, finais de semana ou férias (EUROFOND, 2021). Esse problema cresceu na última década em função dos desenvolvimentos tecnológicos e se tornou visível pelo aumento de licenças médicas por problemas psicológicos. Vários países já tomaram medidas para a mitigação do problema, no entanto a França é reconhecida como pioneira nessa iniciativa com a Lei de 08/08/2016 (EUROFOND, 2021). A regulamentação do direito a desconexão é fundamental para evitar a extensão da jornada de trabalho para além dos limites contratados, ou no caso dos trabalhadores autônomos ou plataformizados para garantir uma jornada de trabalho dentro dos parâmetros da civilidade.
Bibliografia
ALMEIDA, A. SEVERO, V. Direito à desconexão nas relações sociais de trabalho- 2.ed.-São Paulo: LTR, 2016
BELKIN, L; BECKER, W; CONROY, S. The Invisible Leash: The Impact of Organizational Expectations for Email Monitoring After-Hours on Employee Resources, Well-Being, and Turnover Intentions. Group & Organization Management, 45(5), 709–740. https://doi.org/10.1177/1059601120933143. 2020.
BERGEN, C. BRESSLER, M. PROCTOR, T. On the Grid 24/7/365 and the Right to Disconnect. Employee Relations Law Journal 1 Vol. 45, No. 2, Autumn, 2019.
CHALLENGER, GRAY & CHRISTMAS, INC. Are You a Digital Dictator?,retrieved from http://www.challengergray.com/press/press-releases/are-you-digital-dictator (2017).
EUROFOND. Righttodisconnect. EURwork: Europeanobservatoryofworklife. https://www.eurofound.europa.eu/observatories/eurwork/industrial-relations-dictionary/right-to-disconnect. 2021.
KAPPEL, M; MERLO, A. A desestruturação do viver-junto no trabalho e o aparecimento de comportamento suicida: uma reflexão sobre o teletrabalho. In: CALVETE, C e HORN, C.H. A quarta revolução industrial e a reforma trabalhista: impactos nas relações de trabalho no Brasil: Porto Alegre: Cirkula, 2020.
LEROUGE, L. PONS, F. Contribution to the study on the ‘right to disconnect’ from work. Are France and Spain examples for other countries and EU law? European Labour Law Journal. 13:3, 450-465, 2022.
SECUNDA, P. The Employee Right to Disconnect. Notre Dame Journal of international & Comparative Law. Vol. 9 Iss 1, 2019. Available at: https://scholarship.law.nd.edu/ndjicl/vol9/iss1/3
SOUTO MAIOR, J. L. Do direito à desconexão do trabalho. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, Campinas, SP, n. 23, p. 296-313, jul./dez. 2003.
Cássio da Silva Calvete é Professor associado do Departamento de Economia e Relações Internacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), doutor em Economia Social e do Trabalho pela UNICAMP e com pós-doutorado pela Universidade de Oxford.