A disputa pela jornada de trabalho é fundamental para as trabalhadoras e trabalhadores

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Fotografia: Letycia Bond/Agência Brasil

A disputa em torno da jornada de trabalho é, na verdade, uma disputa pelo tempo de vida das pessoas. 

Carolina Rodrigues Costa

Fonte: SINJUSC
Data original da publicação: 28/08/2025

A discussão sobre a redução da jornada de trabalho ganhou espaço importante no debate público no Brasil nos últimos anos. Neste momento, estamos em meio a um plebiscito sobre a jornada 6×1, que atinge principalmente as trabalhadoras e os trabalhadores do comércio. Você já votou? É muito importante que todas e todos participem, e o SINJUSC está engajado nesta campanha.

A disputa em torno da jornada de trabalho é, na verdade, uma disputa pelo tempo de vida das pessoas. Sendo o trabalho a principal fonte de criação de riqueza, a sua exploração é a ferramenta que o capitalismo utiliza para acumular essa riqueza. Eu sei que ninguém gosta de se sentir rebaixado, cada um tem seu orgulho e sua dignidade, mas a verdade é que a grande massa de trabalhadoras e trabalhadores cria riqueza às custas de suas próprias vidas, enquanto poucas pessoas a acumulam às custas da exploração.

A exploração é o modus operandi de organização do trabalho e do tempo das pessoas no mundo em que vivemos e, por isso, mais do que se tratar de um fenômeno puramente econômico, ela diz respeito à própria organização da vida em sociedade. Ou seja, toda a nossa subjetividade está marcada pela intensificação e pela exploração do trabalho.

Vamos pintar um cenário bastante simplificado: em um contexto de destruição das políticas públicas, abandono de um projeto de seguridade e direitos sociais e desregulamentação das leis trabalhistas, as pessoas precisam trabalhar cada vez mais para garantir o sustento de si e de suas famílias de maneira individual. Se o acesso à educação, saúde, transporte público, lazer, entre outros direitos, não for garantido por meio de equipamentos públicos, numa perspectiva de cidadania, cada pessoa precisará trabalhar mais para obtê-los na condição de consumidora. Além disso, a falta de equipamentos públicos também aumenta a demanda pelos trabalhos de cuidado familiar.

Pensem comigo: como seria a vida se existissem bons programas de moradia para as trabalhadoras e os trabalhadores, acesso à saúde pública e universal, educação em período integral, urbanização dos bairros com espaços de convivência e lazer para crianças e idosos, centros de referência em assistência social para toda a família? Nossa necessidade de tempo de trabalho não mudaria? Eu acredito que sim!

Por isso, é importante destacar que a engrenagem da exploração atinge todas e todos os trabalhadores, mas, para aqueles grupos que historicamente foram mais explorados e vulnerabilizados, ela se mostra ainda mais cruel. É o caso das pessoas negras e também das mulheres.

O capitalismo nos obriga a trabalhar para suprir nossas necessidades materiais, ao mesmo tempo em que cria novas necessidades de consumo, para que o trabalho nunca tenha fim. Nesse cenário, nunca será permitido que as demandas das trabalhadoras e dos trabalhadores sejam plenamente atendidas, uma vez que elas são condição para que estejamos permanentemente trabalhando. Para o capitalismo, o trabalho resume a nossa vida — e ele só acaba com a nossa morte.

As trabalhadoras e os trabalhadores precisam ter uma vida para além do trabalho, até como condição para que seja possível sonhar com um mundo diferente e lutar por ele coletivamente. Quem trabalha dia e noite não tem tempo para se organizar.

No cenário do trabalho do Judiciário, temos dois pontos importantes a discutir. O primeiro diz respeito à desregulamentação da jornada de trabalho. As trabalhadoras e os trabalhadores têm extrapolado a jornada e a Administração do TJSC faz vistas grossas a essa situação, uma vez que está legalmente desobrigada a pagar horas extras ou criar banco de horas.

Essa extrapolação da jornada, considerada uma responsabilidade ou decisão individual de cada trabalhador, está diretamente relacionada a uma política de gestão baseada em metas impostas pelo CNJ. Essas metas são genéricas, não levam em conta as diferenças regionais, frequentemente negligenciam a proporção entre o tamanho da demanda e a força de trabalho, ignoram o grau de dificuldade das tarefas, geram relações de assédio moral por produção, entre outros malefícios. A coroação dessa política de metas se dá através de selos que dizem muito sobre números e estatísticas, mas quase nada sobre as condições laborais de trabalhadoras e trabalhadores, tampouco sobre a satisfação da sociedade com o serviço prestado.

Outro fator relacionado a esse primeiro é a virtualização dos processos e do trabalho em diferentes modalidades não presenciais. Os processos acompanham os trabalhadores onde quer que estejam — no computador de casa ou até mesmo no celular pessoal. Assim, trabalhadoras e trabalhadores podem ser demandados a qualquer momento e também usar todo o tempo livre para produzir e alcançar metas que já não cabem na jornada de trabalho. A falta de regulamentação do trabalho nesta era de massificação do uso da tecnologia no Judiciário desrespeita a jornada, apoia-se em trabalho não pago e fragiliza o sigilo e a segurança dos dados das pessoas que buscam a Justiça para resolver suas questões.

De forma concomitante a essa discussão sobre a criação de mecanismos para regulamentar os limites da jornada diante da massificação do uso da tecnologia, precisamos falar sobre a diminuição da jornada em decorrência da intensificação do trabalho. Para usar um exemplo prático: é muito diferente para uma pessoa ficar meia hora em uma esteira a 6 km/h do que ficar a mesma meia hora, na mesma esteira, a 12 km/h. O fato é que a promessa de que o trabalho seria facilitado com a criação de novos sistemas não se concretizou. As pessoas estão trabalhando de maneira mais intensa, o que tem gerado um processo de adoecimento massivo e afastamentos em série. Com as sucessivas reformas da Previdência, teremos que trabalhar até perto dos 70 anos. Se não diminuirmos o ritmo e a jornada, não chegaremos vivos até lá.

A disputa pela redução da jornada é histórica. Alguém lutou no passado para que hoje tivéssemos melhores condições — condições que vêm sendo sistematicamente atacadas. Precisamos fazer esse enfrentamento para que todas as trabalhadoras e todos os trabalhadores tenham acesso a jornadas dignas, o que implica também lutar por condições de vida. É uma bandeira ampla e de todos.

Eu quero trabalhar menos para preservar minha saúde e quero que o motorista de Uber tenha direitos trabalhistas e acesso a políticas públicas que também lhe permitam não trabalhar em excesso. Quero que nós dois, ele e eu, tenhamos tempo para sonhar, nos organizar coletivamente e lutar por um mundo melhor. E quero que você, que está lendo este texto agora, venha com a gente, porque falar de jornada de trabalho e de tempo de vida hoje é abrir as portas para um futuro melhor.

(texto publicado originalmente como editorial do SINJUSC)

 

Carolina Rodrigues Costa é presidenta do  Sindicato dos Trabalhadores do Poder Judiciário do Estado de Santa Catarina (SINJUSC)

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