O alerta da saúde mental 

A woman overwhelmed by work, resting head on table with laptop, phone, and smartwatch.
Foto: Anna Tarazevich/Pexels

por Felipe Prestes

Os afastamentos do trabalho por ansiedade e depressão triplicaram em 10 anos no Brasil. Segundo o Ministério da Previdência, passaram de 90 mil em 2015 para 307 mil em 2024. O número total de afastamentos por doenças mentais chegou a 440 mil no ano passado. Somente em relação a 2023, isso representa um aumento de 68%, e, em relação a 2022, um acréscimo de 134%. 

Um levantamento do Ministério Público do Trabalho (MPT) e da Organização Internacional do Trabalho (OIT) mostra que as principais causas destes afastamentos acidentários foram reações ao estresse (28,6%), ansiedade (27,4%), episódios depressivos (25,1%) e depressão recorrente (8.46%). 

Com base nesses dados alarmantes, o Ministério do Trabalho e Emprego atualizou a norma regulamentadora n°1 de segurança e medicina do trabalho. A partir de 2026, as empresas brasileiras terão que incluir a avaliação de riscos psicossociais no seu programa de gestão de riscos.

“Isso não é uma novidade, os riscos psicossociais já eram mencionados em outras normas regulamentadoras, mas a avaliação de risco psicossocial estava muito voltada para ergonomia, ritmo. E a nossa preocupação foi de que, devido a esse grande número de adoecimento mental em decorrência do trabalho, seja por qualquer fator – desde assédio a pressão por metas – que isso fizesse parte do Programa de Gestão de Riscos porque a gente daria mais clareza e mais visibilidade para esse problema”, explica Rogério Araújo, diretor do departamento de Segurança e Saúde da Secretaria de Inspeção do Ministério do Trabalho e Emprego. 

Na prática, as empresas deverão agir com relação aos riscos psicossociais da mesma maneira que já agem com riscos químicos ou biológicos. Micro e pequenas empresas poderão fazer uma declaração de ausência de riscos no site do Ministério do Trabalho, enquanto as grandes empresas deverão fazer uma avaliação, identificar possíveis riscos e as medidas para eliminá-los ou mitigá-los. “Uma empresa que tem metas sempre urgentes provavelmente pode levar ao adoecimento dos trabalhadores. Se tudo é urgente, há um problema de gestão dessa empresa, isso pode levar a uma sobrecarga muito grande dos trabalhadores. Do lado contrário, o trabalhador que fica ocioso demais, por não ter demanda ou por estar sendo tratado de forma diferente dos outros, isso também gera um fator de risco psicossocial que deve ser identificado e deve ser trabalhado para eliminar ou mitigar esse risco na empresa”, exemplifica Araújo. 

Esse programa de gerenciamento de riscos fica arquivado na empresa e deve ser disponibilizado quando houver fiscalização. “Quando a inspeção do trabalho ou outro órgão for fazer a análise dessa questão, vai pedir essa documentação e avaliar se aquele programa está condizente com a realidade do local de trabalho”, explica o diretor do departamento de Segurança e Saúde da Secretaria de Inspeção do Ministério do Trabalho e Emprego

Para Araújo, a empresa que tiver uma boa avaliação dos riscos e medidas práticas para mitigá-los deverá ter menos problemas que aquelas que negligenciarem a questão, em caso de denúncias ou ações judiciais. “Aquela empresa que faz a gestão desse risco, está provando que está tentando solucionar o problema, enquanto a que não faz nenhuma gestão vai poder ser autuada e responsabilizada. A inércia da empresa vai trazer consequências muito mais graves caso haja tanto inspeção quanto ações judiciais. Além de poder gerar autuações e a possibilidade até de haver uma suspensão de atividades até a solução do problema, em casos muito graves”. 

“É preciso mudar o processo produtivo”  

Para a psicóloga do trabalho Ana Carolina Lemos – que é doutora em saúde coletiva pela Unicamp e professora da PUC-Campinas – as atualizações na NR1 têm de ser saudadas, mas podem não mudar substancialmente os ambientes de trabalho. “É um avanço, embora não seja novidade, pois já estava sendo considerado o risco psicossocial em outras NRs. Mas quando vai para o gerenciamento de risco, isso coloca em evidência e pauta a saúde mental relacionada ao trabalho. A gente vai ter ganhos porque está todo mundo se mexendo, tentando entender. A questão é como isso vai ser feito. A gente precisa ter cuidado para não criar um protocolo que, na prática, não muda as condições de organização do trabalho”.

Lemos acredita que sem mudanças substanciais no processo produtivo, a medida terá pouca eficácia. “As empresas vão modificar as metas abusivas? Quando o trabalhador preencher o questionário, falando do risco psicossocial, vai se sentir a vontade de dizer que as metas são abusivas? Não podemos desconsiderar as relações de poder no ambiente de trabalho. Tem muita gente vendendo consultoria de gestão empresarial que não mexe no processo produtivo. A empresa vai oferecer psicólogo, mas não muda aquilo que está adoecendo”. A doutora em saúde coletiva faz uma analogia com o adoecimento físico em processos fabris. “É como a ginástica laboral, é ótimo que tenha. Mas, se não mudar o ritmo da esteira, se continuar sendo cada vez mais rápida, não tem ginástica, não tem músculo que vai aguentar”.

Para Lemos também seria importante reforçar a fiscalização. “São poucos auditores dando conta de uma quantidade significativa de empresas. Você tem trabalho escravo acontecendo hoje no Brasil, em 2025. E a fiscalização dos sindicatos também. Na França, o sindicato consegue fazer uma inspeção de trabalho, entrar na empresa. No Brasil, isso é mais difícil”. 

Em seu doutorado, Ana Carolina Lemos discutiu as limitações do conceito de “fatores de risco psicossociais”. “Quando você fala em fator, você fala de algo que se pode medir como, por exemplo, o ruído. Por isso, a gente entende como processos psicossociais no trabalho”, explica. Para a docente da PUC Campinas, a saúde mental não pode ser tratada como outros fatores de risco. “Na questão da mensuração, por exemplo. Como vou conseguir identificar a quantidade de assédio? Tem um nível tolerável? Não tem. Como vai medir? Eu não sei ainda como isso vai ser feito. É complexo. Não é simples, não é com questionário e tabulação. Não tem fórmula mágica e a gente não consegue melhorar o trabalho, sem melhorar o processo produtivo”. 

Perda de direitos afeta saúde mental

Segundo Ana Carolina Lemos, os riscos psicossociais são complexos e incluem desde o comportamento do câmbio até políticas de transporte público. Dentro do processo produtivo das empresas, há também uma série de motivos que podem levar ao adoecimento mental. “A questão dos prazos, do ritmo de trabalho, a quantidade de tarefas que a pessoa tem que fazer, deficiência de pessoal na equipe – um trabalhador fazendo o trabalho de três, quatro pessoas. A pessoa ter relações hostis no trabalho, quando a empresa fomenta muito a competitividade, com premiações individuais”, elenca. 

Até mesmo o adoecimento físico pode contribuir em questões de saúde mental. “Transtornos mentais são o terceiro motivo de afastamento do trabalho, antes vêm as doenças osteomusculares. Muitas vezes, elas também estão associadas à doença mental. Por exemplo, um trabalhador que tem uma lesão no ombro e diminui o ritmo de produção pode receber hostilidade dos colegas”. 

Mas que motivos podem ter levado a um aumento expressivo dos afastamentos por adoecimento mental nos últimos anos? A perda de direitos pode ser um deles. “Um grande agravo à saúde dos trabalhadores foi a reforma trabalhista”, afirma Ana Carolina Lemos. “A pejotização, que já existe, a própria questão do trabalho remoto, a forma como foi sendo configurado isso tem grandes implicações. Hoje, um bancário não faz greve na porta do banco, porque ele está na casa dele”, exemplifica. “Quando a pessoa encontrava o colega de trabalho para tomar um café, ela falava sobre a vida, era um espaço de falar sobre o próprio trabalho. Isso vai sendo minado”. 

Para a professora, o avanço tecnológico apropriado por um pequeno número de empresas vem aumentando a carga de trabalho. “Por exemplo, eu que sou professora tenho que atender muitos alunos no whatsapp, faço parte de muitos grupos de supervisão. Você trabalha muito mais”. 

Há ainda outro fenômeno que sequer é abarcado pelas medidas do Ministério do Trabalho e tampouco entra nas estatísticas sobre afastamentos pelo INSS, a crescente informalidade e plataformização. “A NR vai ficar mais focada nas empresas que fazem programa de gerenciamento de risco, não vai dialogar necessariamente com esse trabalhador informal”.

 

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