Liderada por Manoel da Conceição, foi a primeira entidade sindical do campo no Maranhão e marcou luta contra Ditadura.

Guilherme Daroit
Pioneiro na luta organizada no campo, o Sindicato dos Trabalhadores Rurais Autônomos de Pindaré-Mirim, no Maranhão, tornar-se-ia, também, bastião da resistência contra a Ditadura Militar no Brasil. Fundada em 1963, a entidade classista logo ganharia em relevância, aglutinando milhares de camponeses com táticas que desafiavam os latifundiários do estado. No ano seguinte, já sob os holofotes após o golpe que alçaria os militares ao poder, o sindicato passaria a ser atacado pelo regime, que escolheria seu líder, Manoel da Conceição, como um de seus principais alvos.
Sediado em uma região de intenso conflito entre proprietários de terra e agricultores migrantes de outros estados, o sindicato surgiria de um esforço realizado antes pela Igreja Católica. À época recém-criado, o Movimento de Educação de Base (MEB), ligado à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), havia chegado em 1962 ao Vale do Pindaré com o objetivo de alfabetizar e educar politicamente os trabalhadores. Naquele ano, um curso do MEB receberia diversos agricultores da região, incluindo Mané, como era conhecido o líder do grupo, que teriam contato com temas sindicais e de cooperativismo.
Os debates aflorados a partir do curso modificariam a vida nas cidades da região. Mané e outros agricultores se engajariam na luta camponesa, inicialmente na criação de escolas para alfabetização. Ao todo, 28 escolas seriam criadas na região, sediadas em pequenas casas e com professores pagos por meio de contribuições dos trabalhadores. Ao redor delas, os agricultores também se reuniam em defesa mútua contra grileiros e latifundiários, que constantemente os ameaçavam.
Desse embrião, já no ano seguinte, em 18 de agosto, uma assembleia com mais de mil agricultores realizada no município vizinho de Santa Inês enfim fundaria o sindicato, que marcava um passo adiante na organização camponesa.
Desde o início, a entidade ficaria conhecida por suas estratégias de ação direta. Aflitos com a criação de gado livre por parte dos fazendeiros, por exemplo, os trabalhadores partiriam para o ataque aos animais que invadiam e destruíam suas plantações, os abatendo e dividindo a carne entre os agricultores. Ao mesmo tempo, com o sucesso das ações, o sindicato ganhava corpo, chegando aos quatro mil filiados, e outros sindicatos surgiam nos demais municípios do Maranhão. Os fazendeiros, por sua vez, montavam um exército de jagunços armados, dispostos a parar o movimento dos trabalhadores a qualquer custo, em um conflito que ganhava atenção do resto do país.
O crescimento do movimento sindical no Vale do Pindaré, todavia, seria breve, tornando-se alvo dos militares logo após o golpe de abril de 1964. Naquele ano, o sindicato de Pindaré-Mirim seria invadido e dissolvido pelo Exército, que prenderia mais de 200 trabalhadores ligados à entidade.
Mesmo com as restrições, o sindicato continuaria operando na clandestinidade até 1972. Em 1968, entretanto, a repressão chegaria ao seu auge. Em um ataque de policiais à entidade, Mané, novamente na presidência, partiria para o confronto, sendo alvejado com cinco tiros de revólver e fuzil em seus dois pés. Preso e torturado por sete dias, sem atendimento médico, Mané perderia boa parte da perna direita. A comoção em torno do caso faria com que recebesse cuidados em São Luís e em São Paulo, mas que não evitariam a amputação.
Depois, já recuperado, Mané viajaria à China, retornando mais tarde a Pindaré-Mirim
para retomar a organização dos trabalhadores. À essa época, o regime militar já o classificava como subversivo e perigoso para a segurança nacional, acusações que o levariam a prisão em 1972. Por três anos, seria torturado e escondido da opinião pública, que se voltava contra a prisão em todo o mundo. A situação chegaria até o Vaticano, e uma carta do Papa Paulo VI suplicando por sua vida enfim faria com que os militares o libertassem.
Livre, Mané se refugiaria na Suíça, retornando ao Brasil após a Lei da Anistia, em 1979. Novamente em solo brasileiro, se engajaria na construção do Partido dos Trabalhadores (PT), do qual seria o terceiro filiado e ocuparia cargos de direção em São Paulo, Pernambuco e, mais tarde, no Maranhão, para onde voltaria em 1984. De lá, participaria também da organização de diversas entidades, como a Central Única dos Trabalhadores (CUT), o Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra (MST) e múltiplas cooperativas rurais, mantendo vivo até hoje o legado do sindicato de Pindaré-Mirim.
Guilherme Daroit é jornalista e bacharel em Ciências Econômicas, formado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Atualmente, é diretor do Sindicato dos Bancários de Porto Alegre e Região.