12 de agosto de 1983: deixa o mundo Margarida Alves, que inspirou camponesas em marcha

Assassinada por fazendeiros, legado de líder sindical resiste na Marcha das Margaridas.

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Marcha das Margaridas, 2023. Foto: Fabio Rodrigues-Pozzebom/Agência Brasil

Guilherme Daroit

A cada quatro anos, trabalhadoras rurais de todo o país se reúnem em Brasília para denunciar a violência e reivindicar melhorias na vida das mulheres no campo. Sempre com dezenas de milhares de camponesas, a Marcha das Margaridas não tem esse alcance e esse nome por acaso: junto às suas bandeiras, o movimento carrega, também, um legado. Sua inspiração vem de Margarida Maria Alves, líder sindical paraibana que marcaria a luta das mulheres rurais nos anos 1970, até ser brutalmente assassinada por fazendeiros em 12 de agosto de 1983.

Nascida em 5 de agosto de 1932, Margarida marcou a história da região do Brejo Paraibano, onde nasceu e cresceu na zona rural de Alagoa Grande. Na adolescência, viveria com sua família a exclusão do campo, sendo expulsa da terra que habitavam por latifundiários da região. Proprietários de engenhos e usinas de açúcar, os fazendeiros aproveitavam-se da miséria dos trabalhadores rurais, como a família de Margarida, que cultivavam e colhiam a cana que respondia por grande parte da economia local.

Mesmo pouco escolarizada, com as séries iniciais realizadas apenas quando já adulta, Margarida percebia a situação. Em 1973, em meio à ditadura militar, ela chegaria à presidência do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Alagoa Grande, sendo uma das pioneiras em cargo de liderança política no Brasil. Sob sua gestão, que duraria até sua morte, a vida no campo na região seria profundamente modificada, elevando Margarida ao papel de referência nas lutas pelos direitos humanos no país.

No comando do sindicato, Margarida levantaria bandeiras como a formalização do trabalho rural na região, defendendo a assinatura da carteira de trabalho, jornada definida, férias e 13º salário. Mesmo no período mais repressivo do regime militar, ela seria responsável pelo ajuizamento de cerca de 600 ações na Justiça do Trabalho local, trazendo luz às condições precárias dos trabalhadores na indústria açucareira paraibana.

O panorama da época, entretanto, exigia também defesas mais elementares, como o fim do trabalho infantil nos canaviais e o fim da violência no campo, além da reforma agrária, de forma que os trabalhadores pudessem ter suas próprias terras. Outro dos pilares do movimento sindical seria a alfabetização dos camponeses. Em sua cidade, dentro do sindicato, Margarida fundaria o Centro de Educação e Cultura do Trabalhador Rural, iniciativa que utilizava os métodos de Paulo Freire para o letramento dos agricultores, em sua esmagadora maioria sem escolaridade.

Combativa, Margarida fundaria também, em 1981, o Movimento de Mulheres Trabalhadoras da Paraíba. À essa altura, já despertava a ira dos fazendeiros, recebendo seguidas ameaças de morte. A perseguição chegaria ao seu ápice em 1983. Nas comemorações de 1º de maio daquele ano, Margarida discursaria que era “melhor morrer na luta do que morrer de fome”, defendendo a continuidade da luta pela melhoria das condições de vida dos trabalhadores.

Três meses depois, em 12 de agosto, as ameaças se tornariam realidade. Em frente a sua casa, na presença de sua família, a sindicalista seria executada com um tiro no rosto, em um crime bárbaro que chocaria o país e o mundo. Impune até hoje, o mando é imputado a um grupo de latifundiários da região. Em memória, o 12 de agosto se tornaria, em 2012, o Dia Nacional dos Direitos Humanos.

O exemplo de Margarida, entretanto, não se encerraria com sua morte. Desde 2000, sob organização da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), a Marcha das Margaridas defenderia sua herança, congregando as mulheres do campo na luta. Na última edição, em agosto de 2023, eram quase 100 mil trabalhadoras rurais oriundas de todo o Brasil na manifestação, que levavam consigo o nome da líder sindical. No último dia dos atos daquele ano, o nome de Margarida Alves seria incluído também no Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria, eternizando seu legado.


Guilherme Daroit é jornalista e bacharel em Ciências Econômicas, formado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Atualmente, é diretor do Sindicato dos Bancários de Porto Alegre e Região

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