Entidade responsável: Associação Brasileira de Estudos do Trabalho
Ano: 2025
Acesso: livre

Carta de Florianópolis
Carta/manifesto em defesa da soberania nacional, democracia e dos direitos sociais
O trabalho no centro do projeto de desenvolvimento
A Associação Brasileira de Estudos do Trabalho se dirige à sociedade brasileira para afirmar a necessidade imperativa da reconstrução de um projeto nacional de desenvolvimento que tenha no trabalho digno seu eixo estruturante. Diante das múltiplas crises que atravessam o país — econômica, social, ambiental e política — é urgente construir caminhos que promovam justiça social, soberania nacional e sustentabilidade.
Reafirmamos que o trabalho, em suas diversas formas e expressões, deve ser o eixo estruturante de um projeto de desenvolvimento. Valorizar o trabalho significa enfrentar a precarização, ampliar a formalização, fortalecer a proteção social e construir políticas públicas que assegurem condições laborais e de vida dignas e seguras para todos os trabalhadores e trabalhadoras, o que inclui o fim da jornada 6 por 1, o impedimento que se aprovem jornadas 7 por zero e a ampliação das discussões rumo à redução da jornada de trabalho no país, que atualmente é de 44h semanais.
Socialização dos cuidados
Em nosso XIX Encontro, reafirmamos, teórica e politicamente, a necessidade de reconhecimento do trabalho reprodutivo e de cuidados como pilar de funcionamento da sociedade, que necessita de proteções e valorização a quem o efetua. Reafirmamos a importância socialização dos cuidados, também, como prática, ao efetuar a 1a Edição do “Enabetinho”, o Espaço das Crianças que acolheu filhos e filhas de pesquisadores/as que vieram ao evento, com programação pedagógica própria, dando passos rumo à efetivação de uma política acadêmica feminista que seja acolhedora a pais e sobretudo mães, não apenas em congressos mas em toda a sociedade.
Bem-estar social, econômico e ambiental
Defendemos um modelo de crescimento que enfrente a emergência climática por meio da transição ecológica justa, promovendo a geração de empregos associados à sustentabilidade, à inovação e ao bem-estar coletivo. A criação de trabalho decente em áreas como energia renovável, reflorestamento, mobilidade urbana e saneamento é condição para um futuro equilibrado e inclusivo. Pondera-se, contudo, que sustentabilidade não se trata apenas do meio ambiente, mas é também social. Defendemos portanto o enfrentamento às formas predatórias de gestão laboral e à lógica de descartabilidade nos usos da força de trabalho. O exercício do trabalho não deve ser destrutivo da integridade física e psíquica de quem o efetua. Saúde é trabalho digno!
Aqui, sublinha-se o reconhecimento da necessidade do enfrentamento das problemáticas de gênero e raça com centralidade, como imperativo para a construção de formas de trabalho dignas e salutares. Afirma-se o legado histórico de que a reprodução social é aspecto constituinte do mundo do trabalho e, portanto, como eixo fundamental para desenho de diagnósticos e novas agendas.
Da mesma maneira, a dimensão étnico-racial é compreendida como pilar, sem a qual não se pode bem compreender, nem enfrentar desigualdades estruturais do mercado de trabalho brasileiro. Esse tema, aliás, recebeu destaque com a criação, na atual gestão, de novo Grupo Temático, o GT 14 – Trabalho, Relações Étnico-Raciais e Migrações, que estreou na edição XIX do Enabet.
Industrialização e modernização produtiva como base do desenvolvimento
A reconstrução do Brasil exige a reindustrialização do país com base em inovação, tecnologia e sustentabilidade. Iniciativas como a Nova Indústria Brasil (NIB) são estratégicas para articular políticas industriais com inclusão produtiva, integração de cadeias de valor e fortalecimento da soberania tecnológica. Tais iniciativas devem estar associadas a políticas públicas voltadas aos setores ainda marcados pela informalidade e precarização, como o setor de serviços, a economia popular e os segmentos periféricos, garantindo sua modernização e valorização.
Universalização dos serviços públicos e infraestrutura social
Um projeto nacional soberano deve assegurar o acesso universal e equitativo a direitos sociais fundamentais: saúde, educação, habitação, segurança alimentar e saneamento. O investimento em infraestrutura social é essencial não apenas para melhorar a qualidade de vida da população, mas também para dinamizar economias locais, reduzir desigualdades e ampliar a formalização do trabalho.
Redução das desigualdades e valorização das especificidades regionais
O Brasil carrega desigualdades históricas entre classes, regiões, raças e gêneros. A construção de um novo projeto exige políticas que considerem as especificidades territoriais e produtivas, promovendo a redução das assimetrias regionais e a busca pela homogeneização das condições de vida e trabalho em todo o país. Isso inclui estratégias diferenciadas para a Amazônia, o Semiárido, os grandes centros urbanos e as periferias.
Tributação justa como base de um Estado capaz
Para que o Estado possa desempenhar seu papel indutor do desenvolvimento e provedor de direitos, é indispensável uma reforma tributária progressiva, que tribute os mais ricos, as grandes fortunas e as altas rendas, enquanto desonere o consumo popular e estimule a produção e o emprego. Sem justiça fiscal, não haverá sustentabilidade para o financiamento das políticas públicas necessárias à transformação do país.
Reafirmação do papel do Estado e do planejamento democrático
É fundamental que o Estado retome sua capacidade de planejamento, coordenação e investimento, estabelecendo pactos nacionais que articulem os interesses públicos, empresariais, acadêmicos e da sociedade civil. A democracia econômica, a participação popular e o fortalecimento do sindicalismo são pilares para um novo ciclo de desenvolvimento socialmente justo e ambientalmente responsável.
Soberania e integração latino-americana
Prestamos nossa solidariedade ao povo Palestino e denunciamos o massacre que este povo tem sofrido por parte de Israel. A Palestina já deveria ter sido reconhecida como Estado Soberano.
Ainda destacamos a centralidade da integração latino-americana e de experiencias como os BRICS como instrumentos legítimos e necessários para a construção e sustentação de modelos alternativos de desenvolvimento.
O Brasil precisa de um novo projeto nacional de desenvolvimento com centralidade no trabalho, sustentado pela industrialização, transição ecológica, justiça fiscal, universalização de direitos, redução das desigualdades.
Convocamos todas as entidades, pesquisadoras e pesquisadores, movimentos sociais, sindicatos e gestoras(es) públicas(os) comprometidas(os) com um futuro justo, sustentável e soberano, a se somarem a este chamado.
Florianópolis, 02 de agosto de 2025.
Associação Brasileira de Estudos do Trabalho