8 de novembro de 1960: começa greve da paridade dos funcionários federais

Paralisação em portos, ferrovias e autarquias conquistaria equiparação de salários na União.

Guilherme Daroit

Relegados nos processos de aumento salarial do fim do governo de Juscelino Kubitschek, os funcionários civis do governo federal eclodiriam greve nacional em novembro de 1960. Ao todo, quase 300 mil trabalhadores de portos, ferrovias, do transporte marítimo e outras autarquias paralisariam seu trabalho a partir do dia 8, colapsando o transporte em algumas regiões – em especial, o Rio de Janeiro. Confrontados com intervenção militar, prisões e ameaças, manteriam o movimento por três dias, garantindo, ao fim, a paridade de seus vencimentos com os militares.

Movimentos anteriores naquele ano haviam despertado a indignação entre os autárquicos. Na metade do ano, um plano de classificação para os servidores civis entrou em vigor, elencando em novos níveis de vencimentos todos os servidores. Teoricamente aumentando os salários, entretanto, a reclassificação só passava a valer após a aprovação de uma comissão elencada para a tarefa, dado os extensos tamanho e complexidade do quadro. Mesmo com o direito, nos meses seguintes nada mudaria, e, por conta do efeito fiscal da medida, não havia qualquer sinalização de que o novo plano entrasse realmente em vigor no próprio ano, último do governo JK.

Sem esperança de conquista dos aumentos salariais, os servidores civis ainda veriam o anúncio de reajuste para os militares, garantido em 30 de julho, por meio da Lei n. 3.783. Mais tarde, quando o movimento paredista já se formava, o governo ainda anunciaria para outubro um aumento de 60% no salário mínimo, que passaria para 8 mil cruzeiros, e chegaria a 9,6 mil cruzeiros no recém-formado estado da Guanabara, ainda sede de grande parte do serviço federal – a nova capital, Brasília, havia sido inaugurada em abril daquele ano. Mesmo com os teóricos avanços do plano de classificação e com o anúncio de um abono provisório de 30% para 1961, diversos autárquicos ainda continuariam com seus salários abaixo até do novo salário mínimo.

Em meio a esse cenário, diversos sindicatos organizariam, a partir de setembro, assembleias e passeatas denunciando a situação. O movimento seria liderado pelos servidores portuários, marítimos e ferroviários, mas atingiriam, na deflagração da greve em novembro, 56 sindicatos no país. Já em 29 de setembro a sinalização de greve para 8 de novembro seria enviada ao governo, que recebera um ultimato dos trabalhadores para que garantisse a paridade com os militares até 3 de novembro. Em 24 de outubro, uma grande assembleia conjunta no Teatro João Caetano, no Rio de Janeiro, ratificaria a convocação da greve entre todas as categorias, assegurando a unidade entre os servidores afetados.

Passada a data limite, então, a organização dos trabalhadores autárquicos ganharia força. A partir de 4 de novembro, assembleias discutiriam o plano de ação da greve, que seria por fim deflagrada em assembleia, no mesmo João Caetano, na noite do dia 7. Naquela noite, o próprio ministro do Trabalho, Alírio Sales Coelho, em seu primeiro dia na pasta, compareceria à assembleia, sendo vaiado pelos desconfiados trabalhadores ao garantir que o projeto de paridade, até então parado no Congresso, seria aprovado naquela semana. Em reação, afirmaria que a greve era ilegal, e que o Planalto usaria toda sua força de repressão para contê-la.

Ainda na própria noite, algumas categorias antecipariam o movimento paredista, que já paralisava a Estrada de Ferro Leopoldina (que passava pelos estados do Rio de Janeiro, Guanabara, Minas Gerais e Espírito Santo), o Porto do Rio e as balsas Rio-Niterói. O governo também cumpria suas ameaças, e na mesma madrugada já passaria a intervir nos sindicatos e nos serviços, repassados para as Forças Armadas. Antes mesmo da meia-noite do dia 8, início oficial da greve, 12 mil policiais já estavam nas ruas da Guanabara para conter as manifestações, e cerca de 80 líderes sindicais, presos pelo governo.

Nos dias 8 e 9, os serviços federais passariam perto do colapso. Mesmo com o comando e operação por parte dos militares, o transporte em cidades como Rio de Janeiro e Santos viraria um caos. Na Central do Brasil, por exemplo, o movimento de trens seria insignificante, assim como em diversos outros pontos de ferrovias pelo país. A travessia entre a antiga capital e Niterói seria mantida apenas por lanchas de guerra da Marinha.

No dia 9, os líderes da greve se reuniriam com Coelho para negociar uma saída. O governo, porém, negaria já o primeiro pedido dos trabalhadores, que era a soltura da centena de sindicalistas presos por conta da greve. Sem direito à paralisação e mesmo sindicalização, os servidores públicos federais estatutários também engrossavam o movimento, apoiando as manifestações por meio de suas associações. Ao mesmo tempo, o Congresso reagia, dando finalmente andamento ao projeto de paridade entre civis e militares.

A escalada da tensão continuaria até o dia seguinte. Ao fim do dia 10, terceiro dia de paralisação, uma nova assembleia realizada no sindicato dos metalúrgicos cariocas decidiria pelo fim da greve, após recuo do governo. Pela negociação, os presos seriam libertados, os dias de greve abonados, a intervenção policial nas entidades encerrada e, por fim, a votação ao projeto de paridade assegurada.

No dia 11, os serviços federais voltavam à normalidade e, nos dias seguintes, a proposta de equiparação salarial entre civis e militares seria de fato aprovada. Em 23 de novembro, seria enfim promulgada a Lei n. 3.826, determinando os novos vencimentos dos servidores civis. A classe mais baixa partia de 9,6 mil cruzeiros, evitando a situação de salários abaixo do mínimo praticado na Guanabara, e ainda seria garantido um abono de 44% sobre os vencimentos até que a reclassificação dos servidores civis fosse efetivada. Vencedor em seus objetivos, o movimento influenciaria ainda outras paralisações nos anos seguintes, em um dos períodos de maior ebulição da democracia brasileira.

Guilherme Daroit é jornalista e bacharel em Ciências Econômicas, formado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Atualmente, é diretor do Sindicato dos Bancários de Porto Alegre e Região

 


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