Paralisação de 14 dias teve intervenção, prisões e demissões, e entrou para a história pelo desafio à Ditadura Militar e efeitos futuros.

Guilherme Daroit
Vitórias, na luta dos trabalhadores, nem sempre são medidas apenas pelo sucesso ou fracasso de pautas de reivindicações. Há triunfos, afinal, que só se revelam por completo em seu legado. É o caso da greve dos bancários de 1979, iniciada em 5 de setembro daquele ano em Porto Alegre, que, se por um lado foi marcada por prisões, demissões e praticamente nenhum direito concedido, por outro forneceu as bases para uma organização nacional da categoria, além de participar na alteração de forças do jogo político da sociedade.
Ao aprovarem a greve, a primeira da categoria desde o golpe de 1964, os bancários já embarcavam em um ciclo de renascimento do movimento sindical brasileiro que vinha em erupção desde o ano anterior. Paralisações e manifestações dos metalúrgicos no ABC paulista davam o tom da retomada, em meio a uma abertura da Ditadura MIlitar que ainda não atingia as relações trabalhistas.
Foi assim que, impulsionados pelo alcance da greve dos metalúrgicos paulistas nos meses anteriores e descontentes com a proposta dos bancos de 20% de reajuste salarial, contra um pedido de 86% por parte dos trabalhadores, os bancários de Porto Alegre decidiram desafiar o governo de plantão. À época, o sindicato local já era administrado por Olívio Dutra, um dos expoentes do movimento que viria a ser chamado de novo sindicalismo, mais ligado às bases e combativo em relação às empresas e ao próprio governo. A assembleia, realizada em 4 de setembro, no Auditório Araújo Vianna, decretaria o início da greve para o dia seguinte, contrariando a legislação que, um ano antes, incluira os bancos na lista de setores de interesse da segurança nacional, nos quais as paralisações eram proibidas.
O 5 de setembro, então, seria marcado por caminhadas e piquetes no Centro da capital gaúcha, coração do sistema bancário na cidade, com grande adesão ao movimento paredista. Em alguns locais, faixas com os nomes dos trabalhadores que se recusavam a parar eram expostos como “fura-greves”, ao lado de desenhos de ovelhas. A reação não tardaria. Como se esperava, já no primeiro dia a greve foi declarada ilegal pela Ditadura, que prometera intervenção imediata na entidade dos trabalhadores.
O movimento aconteceria já no dia seguinte, com a destituição da diretoria eleita e nomeação de uma junta governativa, formada por três bancários, indicada pelos militares. À noite, em nova assembleia no mesmo Araújo Vianna, tanto Olívio quanto o diretor Luiz Felipe Nogueira, o Felipão, seriam levados presos para a Polícia Federal, de onde não sairiam mais até o fim do movimento, acusados de incitação à greve.
A greve chegaria ao feriado de 7 de setembro sob pressão. À imprensa, a Polícia Federal afirmava possuir outros oito mandados de prisão contra grevistas. Entre eles, estavam Namir Bueno e Ana Santa Cruz, que, junto a outras bancárias, assumiria o comando da greve na ausência de Olívio e Felipão. Pelo menos mais 13 dirigentes teriam a mesma sorte no interior gaúcho, onde a paralisação já atingia uma dezena de municípios. O regime também dificultaria a realização das assembleias, orientando os gestores de grandes espaços a não emprestarem as acomodações aos trabalhadores. Além disso, pressionava os bancos a não negociarem com os sindicatos.
Com a escalada do conflito, em 9 de setembro desembarcariam em Porto Alegre outros líderes do movimento sindical brasileiro, vindos de São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte. Entre eles, o metalúrgico do ABC Luiz Inácio Lula da Silva, que leria, em assembleia, uma carta ao povo brasileiro em nome da Comissão Intersindical. Nela, os dirigentes criticavam o processo de abertura da Ditadura Militar, julgado falacioso por não se estender aos trabalhadores. No mesmo dia, também um show em apoio à greve seria realizado em Porto Alegre, na Assembleia Legislativa, com a apresentação de artistas como Caetano Veloso e Noel Guarany.
A essa altura, a estimativa é de que pelo menos metade dos então cerca de 34 mil bancários gaúchos estivessem parados. Sem negociação, a tentativa de conciliação da categoria com os patrões foi delegada à Justiça, também sob pressão do governo para que não concedesse benefícios aos bancários. No dia 10, uma proposta que exigia retorno imediato ao trabalho seria rejeitada pelos trabalhadores da capital, dando continuidade à greve. Por outro lado, a proposta do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) de reajuste de 15% acima da inflação seria aceita no interior gaúcho, enfraquecendo o movimento em ato visto em Porto Alegre como traição por parte da Federação dos Bancários.
No dia 13, porém, a greve se tornaria nacional, com a paralisação de sindicatos como os do Rio de Janeiro e São Paulo, principais centros econômicos do país. Ainda que no último a adesão não tenha sido significativa, no Rio de Janeiro a estimativa é que 80% dos trabalhadores tenha parado suas atividades, dando novo ânimo aos grevistas. Os dois sindicatos também sofreriam intervenção do governo já no primeiro dia, com o afastamento de suas direções. Em Porto Alegre, com os diretores ainda presos, o advogado do sindicato dos bancários, Tarso Genro, encaminharia a Brasília o que classificou como o primeiro pedido de habeas corpus a dirigentes sindicais desde o Golpe de 1964, mas sem sucesso.
No dia 16, enfim, assembleias dos bancários no Sudeste aceitariam a proposta de conciliação, nos mesmos moldes aceitos pela Federação dos Bancários do Rio Grande do Sul, encerrando a greve em todas as praças. A exceção continuava sendo a capital gaúcha, onde o comando de greve restava há mais de uma semana nas mãos da base, agora isolada.
Sem avanços nas propostas, os bancários de Porto Alegre finalmente aprovariam o fim da greve, retornando ao trabalho em 19 de setembro, após 14 dias paralisados, sem garantias nem conquistas. Nos primeiros três dias do retorno ao trabalho, pelo menos 300 bancários seriam demitidos. Os dirigentes presos seriam libertados apenas no dia 21, ainda afastados de seus cargos.
Dos 22 pontos pedidos na pauta de reivindicações, apenas um foi conquistado pela greve – a unificação da data-base em 1º de setembro, embrião da tentativa de nacionalização da campanha salarial, que se tornaria realidade nos anos posteriores. Até hoje, essa é a única negociação coletiva de abrangência nacional no Brasil.
Apesar disso, já no comunicado do comando de greve a avaliação era positiva. Mesmo com o fracasso nas solicitações, os bancários defendiam a vitória do movimento por encerrar o período de cooperação dos bancários com o governo e os bancos, além de expandir a interlocução da categoria com as demais entidades sindicais e civis. Além disso, defendiam o enfraquecimento da imagem da Ditadura MIlitar, que já perdia apoio no país, angariando força na caminhada rumo à retomada da Democracia, que viria na década seguinte. As eleições universais, aliás, ainda evidenciariam a força da greve de 1979, uma vez que duas das principais figuras da greve, Olívio e Tarso, acabariam, no futuro, eleitos prefeitos de Porto Alegre e governadores do Rio Grande do Sul.