Mulheres lideraram longa paralisação na indústria têxtil que conquistaria 60h semanais.

Guilherme Daroit
Principal empregador de mulheres e crianças na Catalunha no início do século XX, a indústria têxtil seria palco, em 1913, de uma das mais marcantes greves espanholas. Trabalhando mais horas e por um menor salário em relação aos homens, as operárias do setor liderariam paralisação que se estenderia por toda a região, exigindo a redução na jornada. Atingindo, no auge, mais de 100 mil trabalhadoras, o movimento resistiria por um mês e meio, conquistando, ao fim, a limitação da jornada em 60h semanais no setor, e destacando a força do movimento operário em crescimento no país.
À época, quase 20% das mulheres acima de 14 anos de idade de Barcelona trabalhavam na indústria têxtil local. Em geral, cumpriam jornadas de até 14 horas por dia, ao mesmo tempo em que a dos homens normalmente se limitava a 10 horas. Os salários, entretanto, tinham uma relação inversa, sendo o pagamento feminino cerca de metade do masculino. Fatores que, por si só, já apontariam para uma insatisfação das trabalhadoras.
Fora das fábricas a situação também não era favorável. A alta mortalidade infantil e o crescimento no custo de vida, decorrente dos frustrados esforços de guerra da Espanha, desafiavam as mães de família, em grande parte operárias. Elas se organizavam nas suas vizinhanças para cuidarem dos filhos umas das outras, criando laços de companheirismo que se mostrariam, depois, decisivos para a manutenção da greve.
No ano anterior, um sindicato na categoria, batizado de La Constancia, já havia sido criado majoritariamente por operárias. Em assembleia do grupo, no verão de 1913, a necessidade de uma greve seria levantada. O objetivo era a obtenção de jornada de 9 horas diárias, ou de 8 horas no trabalho noturno, além do aumento de 25% nos salários e o reconhecimento do sindicato. A fiscalização de leis já vigentes e nunca seguidas, que buscavam regular o trabalho de mulheres e crianças, também integrava o pedido. A pauta seria entregue às empresas, que receberiam um prazo de um mês para adotarem as medidas.
O ultimato não seria aceito pela indústria. O período de espera, entretanto, seria utilizado pelas operárias para a organização de um movimento paredista. Articuladas nos grupos de vizinhança, as mulheres fomentariam o apoio de trabalhadores de outros setores, além de divulgarem seus pedidos e estratégias nos locais de comércio de alimentos de Barcelona, ponto de encontro diário das mulheres na cidade.
Em 27 de julho, então, em nova assembleia, a greve seria aprovada, com o apoio primaz das mais de mil operárias presentes. A paralisação se iniciaria três dias depois, em 30 de julho, abrangendo nesse período cerca de 250 fábricas e 20 mil trabalhadores, 13 mil deles sendo mulheres e crianças. Os atos se concentravam no bairro de Sants, principal polo do setor.
Desde os primeiros dias, um ritual seria repetido: à revelia do sindicato, uma caminhada diária das operárias da Praça da Catalunha até a sede do governo, buscando negociar diretamente com o governo, e não com as empresas. A marcha passaria a ser combatida, com policiais infiltrados e o ataque de tropas contra os grevistas. A repressão, todavia, só faria o movimento se espraiar. Em solidariedade, trabalhadores das indústrias têxteis de toda a Catalunha também entrariam em greve, que, no seu auge, atingiria mais de 100 mil operárias. Outras categorias, como os ferroviários, também paralisaram suas atividades em apoio. Em 10 de agosto, uma assembleia do sindicato se transformaria, então, em um encontro da comunidade, na qual diversos trabalhadores de outros setores compareceriam. Dali, a greve se transformaria em um movimento generalizado.
Radicalizadas, as operárias grevistas entrariam em conflito com o próprio sindicato, que não aceitava atitudes como o corte dos cabelos das trabalhadoras vistas como fura-greve. Em 20 de agosto, a desconfiança chegaria ao seu ponto máximo, quando diversas operárias compareceriam ao comitê de greve afirmando não aceitar acordos cujas negociações não passassem por elas.
Mesmo assim, em 24 de agosto um decreto real seria emitido fixando a jornada nas indústrias de tecido em 60 horas semanais para todos os trabalhadores, além do compromisso de passar a fazer valer leis antigas que regulavam salário e trabalho noturno de mulheres e crianças. As indústrias, entretanto, negariam o cumprimento da nova lei, ameaçando um locaute, o que faria com que a greve continuasse.
O conflito só seria resolvido em 15 de setembro, um mês e meio após o início da paralisação, com um acordo entre patrões, governo e trabalhadoras, que já não resistiam há período tão longo sem salários. No pacto, as indústrias aceitavam as novas regras, além do descanso aos domingos e uma progressiva eliminação do trabalho noturno para mulheres e crianças. Mesmo aquém dos objetivos iniciais, a greve engrandeceria o movimento operário na região, que continuaria a crescer nos anos seguintes.
Guilherme Daroit é jornalista e bacharel em Ciências Econômicas, formado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Atualmente, é diretor do Sindicato dos Bancários de Porto Alegre e Região.