Lei que reduziu expediente de ferroviários foi a primeira a regulamentar jornada para o setor privado no país.

Guilherme Daroit
Demanda histórica dos trabalhadores ao redor do mundo, a jornada de oito horas chegaria no setor privado dos Estados Unidos pela primeira vez em 1916. Fruto de uma ameaça de greve, a Lei Adamson entraria em vigor em 3 de setembro encampada pelo governo estadunidense, alcançando a conquista aos ferroviários das linhas interestaduais. Combatida pelas companhias ferroviárias, a lei seria mantida no ano seguinte pela Suprema Corte, abrindo o caminho para a redução na jornada também para outras categorias.
À época, turnos menores de trabalho já eram defendidos como bandeira principal pelos trabalhadores estadunidenses. As primeiras manifestações públicas pelas oito horas diárias de trabalho datam de 1836, e as primeiras conquistas nesse sentido, de trabalhadores navais de Boston, já vinham desde 1842. Em 1868, o Congresso derrotaria o governo para implementar a jornada reduzida para algumas categorias de servidores públicos federais, decisão que teria de ser refeita nos anos seguintes para garantir que a diminuição se efetivasse sem corte nos salários. Os avanços dariam ainda mais ânimo para os sindicatos, que passariam a exigir o direito por meio de greves.
Ainda que os Estados Unidos só tenham entrado oficialmente na I Grande Guerra em 1918, os esforços militares já vinham de antes, aumentando a demanda por trabalho a partir de 1915. Naquele ano, empoderados pelo aquecimento no mercado, trabalhadores realizariam diversas paralisações, em um movimento que se espalharia pelo Nordeste do país pedindo a jornada de 8 horas. A exitosa experiência da Ford, que unilateralmente havia adotado a jornada reduzida, aliada a um aumento nos salários, e, com isso, percebia crescimento na produtividade e no lucro, também dava força à demanda.
Assim, em março de 1916, os sindicatos de trabalhadores nas ferrovias encaminharam proposta de turnos de oito horas para os seus empregadores. As companhias ferroviárias, entretanto, recusariam a demanda, e a resposta das entidades laborais viriam com um ultimato, ameaçando paralisar suas atividades em 4 de setembro caso a jornada não fosse reduzida. A tensão cresceria tanto que o presidente do país, Woodrow Wilson, entraria no jogo. Temeroso de uma paralisação em meio à preparação para a guerra, o presidente tentaria mediar um acordo, sem sucesso. Em agosto, então, Wilson exigiria a criação de uma lei ao Congresso, encaminhando a solução para o conflito.
A tramitação da lei seria rápida. Apresentada em 1º de setembro pelo deputado William Adamson, que emprestaria o nome ao ato, a jornada de oito horas para os trabalhadores das ferrovias interestaduais seria aprovada na Câmara no mesmo dia, e no Senado, no dia seguinte, sendo promulgada por Wilson no dia 3. A lei ainda determinaria o pagamento de bônus de 50% no salário para as horas trabalhadas que excedessem o novo limite diário.
Apesar disso, nem a atuação do governo dobraria as empresas de ferrovias. Mesmo com a lei, as companhias não adotariam a nova jornada, e levariam o caso para a Suprema Corte, alegando que a decisão do Congresso não se tratava de redução na jornada, mas sim aumentava os salários por hora. Sem julgamento, os sindicatos se armavam novamente para uma grande greve em 1917, exigindo a implantação das oito horas, fato que levaria a nova intervenção de Wilson. Para evitar a paralisação nacional, caberia ao presidente a mediação no conflito, arrancando das empresas ferroviárias a garantia de que adotariam a nova jornada independentemente da decisão da Suprema Corte. No dia seguinte ao acordo, em 19 de março de 1917, os magistrados julgariam a Lei Adamson constitucional.
O sucesso dos trabalhadores com a lei, a primeira a influir na jornada de trabalho no setor privado estadunidense, levaria outros sindicatos a pressionar pela adoção de regras semelhantes em outros setores. Outros trabalhadores ferroviários, não cobertos pela Lei Adamson, seriam parte dos sindicatos mais atuantes, utilizando novamente a carta da declaração de greve. Com a nova ameaça, Wilson interviria pela última e definitiva vez, em dezembro de 1917, nacionalizando as ferrovias do país, que só seriam privatizadas novamente em 1920. A jornada de oito horas, além do bônus pelas horas extras, seriam expandidas para mais setores em 1938, com a aprovação da lei de normas trabalhistas justas, que criaria também o salário mínimo.
Guilherme Daroit é jornalista e bacharel em Ciências Econômicas, formado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Atualmente, é diretor do Sindicato dos Bancários de Porto Alegre e Região.