Há 217 anos, era dada a sentença do caso Commonwealth v. Pullis, primeiro julgamento em torno de uma greve da história dos EUA.
Igor Natusch
Os desdobramentos jurídicos nos Estados Unidos têm, há séculos, considerável influência nos rumos da Justiça em diferentes partes do mundo – e isso certamente não é diferente no que tange ao Direito do Trabalho. Entre outros aspectos dessa realidade, a disputa em torno do legalidade das greves tem grande importância. A primeira decisão judicial em torno de uma greve nos EUA referiu-se, muito provavelmente, a uma disputa da prefeitura de Filadélfia, no estado de Pensilvânia, contra uma fraternidade de sapateiros, em um caso definido em 29 de março de 1806. O júri entrou para a história com o nome Commonwealth v. Pullis.
Em um período de franco desenvolvimento dos territórios norte-americanos, a produção de sapatos e botas tinha importância estratégica, e os artesãos responsáveis logo começaram a lutar por direitos que fizessem jus ao grande valor dos seus produtos. Parte dos trabalhadores que produziam calçados na cidade vinha, desde a metade da década anterior, atuando em bloco para tentar garantir estabilidade salarial. Durante cerca de dez anos, essa rudimentar forma de sindicalismo rendeu aos sapateiros alguns aumentos de salário – que, mesmo modestos, foram encorajando os funcionários a seguir buscando condições menos desvantajosas.
Em 1805, o grupo decidiu cruzar os braços para pressionar por um novo aumento. Um movimento que foi logo sufocado por patrões e líderes políticos, que acusaram formalmente oito trabalhadores de conspiração. Um deles, George Pullis, foi considerado o líder dos grevistas, o que fez com que seu nome entrasse em destaque nos registros sobre o caso.
Após a primeira audiência, no dia 2 de janeiro de 1806, o julgamento foi marcado para 26 de março, estendendo-se pelos três dias seguintes. A sessão foi presidida pelo então prefeito de Filadélfia, John Innskep. Os únicos registros preservados são as notas tomadas à mão pelo estenógrafo Thomas Lloyd, que depois publicou o material. A acusação (que atuava em nome da “comunidade” de Filadélfia) sustentou a ideia de que os trabalhadores eram, por definição, transitórios em uma empresa, e era preciso estabelecer controle jurídico sobre suas ações, de forma a evitar que elas criassem dissabores à coletividade.
O júri aceitou esses argumentos, condenando os sapateiros por agirem de forma combinada para obter aumento salarial. A multa, de oito dólares para cada um, equivalia a uma semana inteira de trabalho, e os condenados também precisaram arcar com as custas do processo, o que levou à falência a fraternidade que haviam constituído. Durante décadas, a jurisprudência estabelecida pelo Commonwealth v. Pullis fez com que sindicatos fossem igualados a grupos conspiratórios em solo norte-americano. Esse revés, porém, não foi suficiente para impedir trabalhadores e trabalhadoras de buscarem seus direitos – e a visão da Justiça em torno do tema mudaria em 1842, quando o caso Commonwealth v. Hunt estabeleceu os primeiros critérios para a legalidade dos sindicatos nos EUA.