Poema publicado em 1959 é símbolo da tomada de consciência dos trabalhadores.

Guilherme Daroit
Um operário que, ao tempo em que ergue casas, constrói a si mesmo enquanto trabalhador. É esse o tema da poesia “O operário em construção”, de Vinicius de Moraes, um dos maiores símbolos artísticos do processo de aquisição da consciência de classe por parte dos trabalhadores. Publicada originalmente em 1959, a obra retrata o início alienado, a percepção de sua condição, a busca pela organização e as tentativas de cooptação do trabalhador que, ao fim, é descrito como já um operário completo.
Escrita ao longo de três anos, enquanto Vinicius, eternizado como o “poetinha”, residia em Paris, O Operário em Construção seria finalizada em 1955. A poesia, porém, só seria publicada quase quatro anos depois, no livro Novos Poemas II, com recepção pouco calorosa do público. Seu estilo popular, assentado em redondilhas maiores e rimas pobres, além de sua temática, que conversava com uma nova fase do autor mais voltada à crítica social, só seriam reconhecidos mais tarde.
A partir de 1962, em um momento de maior politização da cultura e do país como um todo, o poema seria republicado em coletâneas ativistas de arte, e o próprio Vinicius, já famoso pela Bossa Nova, o leria para o público, alicerçando de vez a posição de ambos – poeta e poesia – no ideário das lutas sociais.
Ao longo de seus mais de duzentos versos, O Operário em Construção pode ser dividido em quatro etapas. Na primeira delas, que abre o poema, o retrato é da alienação de um trabalhador da construção civil que, ao mesmo tempo em que tudo constrói, não percebe o valor de seu trabalho. Em seus jogos poéticos, o autor ressalta que o trabalho garante ao operário dupla situação: por um lado, lhe dá a liberdade, tanto pela questão financeira quanto por evitar que fosse para a cadeia, em alusão às prisões pela contravenção da vadiagem que à época ainda aconteciam aos montes; por outro, porém, o escravizava, não lhe permitindo sair de sua condição.
A segunda parte narrativa, entretanto, traz o momento de tomada de consciência do operário quanto a seu papel, deixando para trás a alienação descrita anteriormente. Percebendo que todos os objetos ao seu redor eram frutos do trabalho, compreende ele que a própria sociedade (“casa, cidade, nação”) também o era. Assim, deixa o operário de agir apaticamente, partindo para a terceira fase do poema, na qual ele começa a busca pela organização de seus iguais, sendo escutado pelos outros trabalhadores.
A postura passiva, que tudo aceitava, fica no passado, com o operário pronto a rejeitar o que lhe prejudica. Nesse momento, o trabalhador também completa sua jornada de aquisição de consciência de classe, compreendendo, pela primeira vez, que são as suas restrições o que permite a opulência de seu patrão. De posse do novo entendimento, o operário se faz forte, e começa a resistir às contradições ora aparentes.
Por fim, a última etapa relata as tentativas de coerção ao novo operário, não mais em construção mas já finalizado, plenamente consciente de sua condição e arregimentador de seus pares. O clímax retoma a conversa com a epígrafe, a terceira tentação de Jesus pelo Diabo relatado no Evangelho de Lucas, na qual Jesus rejeita a oferta de todos os reinos em troca da adoração. No poema, a tentação é exposta pelo patrão, que inicialmente desdenha do poder do operário, contando com o apoio de outros trabalhadores que, por interesse ou incompreensão, delatavam e agrediam o seu par.
Ao perceber que não conseguiria dobrar o operário, passa então para a tentativa de corrupção. Tal qual o Diabo, todavia, o patrão também é renegado, dessa vez por um trabalhador que compreende que não pode receber tudo aquilo que, por ser feito por ele, já é seu.
Conhecido principalmente como um dos grandes expoentes da Bossa Nova, Vinicius produziu ao longo de sua vida poesias, canções e peças de teatro renomadas. Diplomata de carreira, foi ele, também, um operário em construção. Inicialmente simpático ao movimento integralista, posteriormente se converteria em crítico do fascismo, influenciando-se também pelo ideário comunista.
Em 1968, após o Ato Institucional nº 5, seria aposentado compulsoriamente pela Ditadura Militar em retaliação a sua atuação política. O Operário em Construção, porém, permaneceria no altar das obras trabalhistas, sendo retomada em grandes movimentos operários, como nas greves de 1979 que dariam origem ao novo sindicalismo brasieliro.
Confira a íntegra do poema em uma interpretação de Laura Moreira:
Guilherme Daroit é jornalista e bacharel em Ciências Econômicas, formado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Atualmente, é diretor do Sindicato dos Bancários de Porto Alegre e Região.