Há 133 anos, era editado o Decreto Nº 1.162, primeira disposição legal relacionada à realização de greves na República
Igor Natusch
Instrumento fundamental de mobilização para trabalhadores e trabalhadoras em busca de seus direitos, a greve foi constantemente mal vista no cenário jurídico brasileiro. No anos posteriores à abolição da escravatura (1888) e a proclamação da República (1889), tanto o meio rural quanto as cidades tiveram uma rápida mudança em seu panorama de trabalho, que não foi reconhecido imediatamente (ou de forma consistente) pelos governantes. Até 1890, os movimentos grevistas desconheciam qualquer tipo de regulação no Brasil – panorama que começou a ser modificado pelo Decreto nº 1.162, que entrou em vigor no dia 12 de dezembro daquele ano.
A realização de greves não era inédita no Brasil imperial, com registros de paralisações pelo menos desde 1858, quando tipógrafos do Rio de Janeiro cruzaram os braços pedindo aumento nos salários. Mas a disparada industrial do final do século XIX provocou transformações sociais profundas, gerando o crescimento da classe trabalhadora assalariada e uma demanda crescente por mão de obra na indústria. A imigração, em especial de países europeus como Itália, Alemanha e Polônia, trouxe consigo as ideias anarquistas e socialistas que se espalhavam pela Europa – e tudo isso disparou uma crescente organização de trabalhadores e trabalhadoras, com um consequente aumento nas movimentações grevistas.
O texto do Decreto nº 1.162, embora não fosse uma legislação específica a respeito das greves, modificou os artigos 205 e 206 do Código Penal então vigentes no país, que tratavam da tipificação de situações consideradas criminosas no ambiente de trabalho. O primeiro dos dois artigos do decreto restringiu as circunstâncias de aplicação da lei anterior, estabelecendo penas (prisão de um a três meses, com eventual pagamento de multa) para quem usasse de constrangimento ou ameaça quer para desviar operários e trabalhadores dos estabelecimentos onde estivessem empregados, quer para forçá-los a interromper o trabalho. Ou seja, a redação abria, na prática, uma abertura legal para greves entre camponeses e operários, desde que não fizessem uso de meios violentos durante sua mobilização e realização.
Embora não mudasse o relativo vácuo jurídico em torno das greves, a Constituição brasileira de 1891 garantia o livre direito de reunião e associação, o que reforçava o entendimento de que trabalhadores poderiam cruzar os braços, de forma pacífica, sem que essa mobilização ensejasse punição penal. Esse entendimento, porém, não prosperou: a partir do Decreto nº 21.396, de 1932, que instituía as comissões mistas de conciliação, ações que implicassem em abandono do trabalho (incluindo, nas entrelinhas, as greves) eram passíveis de punição. A Constituição de 1937 considerava a greve um ato anti-social, e o Decreto-Lei nº 1.237, de 1939, estabelecia penalidades a indivíduos e grupos de trabalhadores que cruzassem os braços. O direito de greve só seria reconhecido constitucionalmente a partir da Carta de 1946 – um princípio que, porém, foi regulamentado apenas em 1964, e por curto período, já que em seguida deu-se o golpe militar no Brasil.