Há 103 anos, a Alemanha assinava a chamada Constituição de Weimar, uma das primeiras do mundo a reconhecer direitos trabalhistas.
Igor Natusch
O processo histórico que levou ao reconhecimento de direitos trabalhistas foi complexo, cheio de idas e vindas e, por vezes, movido muito mais pelo conflito do que pelo consenso. Após a pioneira constituição do México, em 1917, coube à Alemanha ferida pela Primeira Guerra Mundial produzir, exatos 100 anos atrás, a primeira carta magna da Europa a reconhecer, de forma explícita, garantias hoje vistas como fundamentais em qualquer Estado que respeite e valorize seus trabalhadores e trabalhadoras.
Desde 1916, a Alemanha era conduzida, na prática, por uma ditadura militar – o chamado Comando Supremo do Exército, conduzido por Paul von Hindenburg e Erich Ludendorff. Cabia a esse núcleo coordenar os esforços de guerra, com a chefia de Estado permanecendo nas mãos do kaiser Wilhelm II. No entanto, a perspectiva de derrota iminente na Grande Guerra, somada ao grande descontentamento interno, gerou um cenário favorável à instauração de um governo civil, materializado no Reichstag e que se concretizou em outubro de 1918. Sob pressão do Partido Social Democrata da Alemanha (SPD, na sigla em alemão), então a maior força política alemã, o príncipe chanceler Max von Baden transferiu seus poderes ao líder esquerdista Friedrich Ebert. Nesse cenário de amplas mudanças, o novo governo logo concluiu que era preciso mudar a constituição de seu país, de forma a consolidar a então nascente democracia alemã.
Pouco tempo depois da realização de eleições federais em janeiro de 1919, uma assembleia nacional reuniu-se na cidade de Weimar para elaborar a nova carta magna. Após uma série de desacordos, que atrasaram e chegaram a colocar em risco a conclusão dos trabalhos, o líder do SPD e agora presidente Friedrich Ebert assinou a Constituição, no dia 11 de agosto de 1919 – um gesto que transformou a Alemanha na primeira democracia parlamentarista da Europa.
No que se refere à história do trabalho, a Constituição de Weimar é um marco no reconhecimento de direitos sociais. Greves e a criação de sindicatos ganharam reconhecimento legal, sendo ações permitidas a todas as classes profissionais alemãs, e os empregados eram colocados em pé de igualdade com os patrões na hora de definir salários, férias e demais benefícios. Embora não diretamente ligadas a questões trabalhistas, provisões como o ensino público e gratuito, a igualdade de todos perante a lei e a liberdade de expressão também beneficiaram a classe trabalhadora do país, caracterizando o texto constitucional como um dos mais progressistas de seu tempo.
A Constituição de Weimar, porém, não teria vida longa. A convulsão social e econômica da Alemanha pós-guerra manteve a jovem república em uma crise quase permanente, da qual Adolf Hitler se beneficiou para subir ao poder. Aproveitando-se de brechas constitucionais, o líder nazista impôs uma ditadura cada vez mais dura e brutal, o que gerava um paradoxo: mesmo esvaziada e inútil, a Constituição de Weimar seguia teoricamente em vigor, dando ao regime um simulacro de legalidade. O texto só seria definitivamente revogado em 1949, anos depois do fim da Segunda Guerra Mundial, quando foram estabelecidas as Alemanhas Oriental, ligada ao bloco comunista, e Ocidental, conectada aos Estados Unidos e aos demais países-membros da OTAN.