Os 40 anos de “Trabalho e capital monopolista” de Harry Braverman: a persistente fragilidade sindical nos assuntos relacionados ao processo de trabalho

Fernando Coutinho Cotanda

Fonte: Revista de Ciências Sociais, Fortaleza, v. 46, n. 2, p. 173-200, jul./dez. 2015.

Resumo: Este artigo é inspirado pela passagem dos 40 anos da primeira edição do livro Labor and Monopoly Capital: The Degradation of Work in the Twentieth, de Harry Braverman. Inicialmente apresentamos o contexto no qual a obra emerge e retomamos as linhas gerais do “labour process debate” no qual o livro em questão ocupou espaço significativo por ter reanimado a produção intelectual sobre o tema do processo de trabalho. Posteriormente veremos que o trabalho de Braverman instigou importantes prolongamentos teóricos e também críticas, algumas das quais trouxemos a consideração. Na sequencia do artigo apresentamos alguns exemplos de práticas sindicais internacionais, bem como a da Central Única dos Trabalhadores – CUT, no intuito de mostrar a pertinência e a possibilidade efetiva de tomar o tema do processo de trabalho como uma problemática de interesse sindical. Ao final argumentamos que a influencia sindical nos assuntos da produção a despeito alguns êxitos e muitos esforços ainda é reduzida denotando uma persistente fragilidade das entidades sindicais brasileiras para negociar as inovações no processo de trabalho que são implementadas nas empresas.

Sumário: Introdução | O tema “processo de trabalho” | Os sindicatos e o processo de trabalho | Experiências sindicais em busca da influência nos assuntos da produção | Considerações finais | Notas | Bibliografia

Introdução

O livro Trabalho e capital monopolista: a degradação do trabalho no século XX, de Harry Braverman, publicado no ano de 1974, ocupa um lugar de destaque no pensamento contemporâneo sobre relações de trabalho. A investigação empírica, as proposições teóricas e a crítica social que ali encontramos ensejaram um intenso debate em torno do processo de trabalho, em uma perspectiva analítica que, como veremos, estava obscurecida pelos enfoques funcionalistas. O presente artigo retoma o debate em torno do processo de trabalho, enfatizando a contribuição e algumas críticas, recorrentes, ao livro de Harry Braverman. Motivados pelo “Debate sobre o processo de trabalho” (Labour Process Debate), afirmamos a pertinência da influência sindical sobre o processo de trabalho e, simultaneamente, demonstramos a persistente fragilidade dos sindicatos no tratamento dos assuntos da produção.

Harry Braverman nasceu no ano de 1920, em Nova York, em uma família típica da classe trabalhadora norte-americana. Trabalhou como operário em várias indústrias do ramo naval e siderúrgico e, ainda jovem, iniciou sua militância política no movimento trotskista, ingressando, em 1937, no Partido Socialista dos Trabalhadores (Socialist Workers Party – SWP). No interior do Partido, associa-se a uma corrente política ligada ao nome de Bert Cochran, intitulada “tendência cochranista”. Seus escritos políticos, sobretudo aqueles direcionados à IV Internacional Socialista, enquanto esteve ligado a ela, eram assinados com o pseudônimo de Harry Frankel. No início dos anos 1950, em um contexto de assenso do macarthismo e muitas disputas internas no SWP, ele foi expulso do Partido, juntamente com outros nomes. No início da década de 1960, trabalhou como editor na Grove Press, uma importante editora que ajudou a publicar, nos EUA, autores significativos da literatura mundial e, sobretudo, escritores ligados à contracultura norte-americana e à avant-garde francesa. Como editor, teve influência direta na publicação de obras políticas de personalidades como Malcolm X, Régis Debray e Frantz Omar Fanon. Em 1967, assumiu a direção da Monthly Review Press, onde trabalhou até sua morte, em 1976. O livro Trabalho e capital monopolista, publicado dois anos antes do seu falecimento, foi fundamental para reanimar as discussões em torno do processo de trabalho, seguindo uma vertente analítica inaugurada por Karl Marx. A proposta de uma análise crítica das relações de trabalho, em contraponto à abordagem dominante funcionalista, desencadeou o chamado “Debate sobre processo de trabalho” (Labour Process Debate). Do ponto de vista dos fundamentos teóricos das relações de trabalho, a obra de Harry Braverman se inscreve na denominada “alternativa neomarxista”. Esse campo, analiticamente plural, abrigou nomes como Richard Hyman, Stephen Marglin, Andrew Friedman, Richard Edwards e Michel Burawoy, dentre outros.

A publicação de Trabalho e capital monopolista, 40 anos atrás, coincide com o início de um processo vertiginoso de mudanças qualitativas na produção e no trabalho. As inovações tecnológicas e organizacionais, a acirrada mundialização do capital e as políticas neoclássicas, em curso desde meados dos anos 1970, seguem alterando qualitativamente inúmeras dimensões do mundo do trabalho.

A obra de Braverman, ainda que seja a expressão de um contexto específico do capitalismo contemporâneo e que apresente lacunas interpretativas, segue nos apresentando um importantíssimo contributo: um enquadramento analítico que problematiza o trabalho em suas dimensões técnica e política de forma indissociável. Essa indissociabilidade entre técnica e política nas relações de trabalho e com o trabalho é a razão pela qual afirmamos, neste artigo, a pertinência do envolvimento pró-ativo dos sindicatos com a temática do processo de trabalho.

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Fernando Coutinho Cotanda. Doutorado e Mestrado em Sociologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (2001 e 1992, respectivamente). É Professor Permanente do Programa de Pós-Graduação em Sociologia; professor no Departamento de Sociologia e Coordenador Adjunto do Curso de Especialização em Relações de Trabalho, todas estas funções na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Tem experiência na área de Teoria Sociológica e Sociologia do Trabalho, atuando principalmente nos seguintes temas: sociologia do trabalho, processos de socialização e intersubjetividade.

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