“O quadro econômico e social é gravíssimo, pois estamos tendo a pior recuperação econômica das últimas décadas”, afirma o economista Luiz Fernando de Paula, ex-presidente da Associação Keynesiana Brasileira, na entrevista a seguir, concedida por e-mail para a IHU On-Line. Segundo ele, a lenta recuperação da economia brasileira não tem paralelo com experiências anteriores, e o alto índice de desemprego, que “acaba expulsando parte dos trabalhadores de forma definitiva do mercado formal de trabalho”, e a ociosidade da economia sinalizam que “vamos ficar patinando por um bom tempo”.
Embora não exista “mágica a ser feita” para sair da recessão e garantir a retomada do crescimento, o economista argumenta que o governo poderia “adotar medidas que estimulem o consumo das famílias e buscar formas para ampliar os investimentos em infraestrutura, através da constituição de um fundo público para este propósito”. Defensor da implementação de políticas keynesianas para enfrentar esse período, Luiz Fernando de Paula acentua que essas medidas, “para serem bem-sucedidas, têm que ser bem coordenadas”. O governo Lula, em 2009, lembra, “articulou bem um conjunto de políticas anticíclicas; já Dilma, no primeiro governo, não, pois privilegiou isenções fiscais ao invés de gastos públicos, e fez uma política altamente vacilante. Depois inverteu tudo com uma política ortodoxa em meio a forte contração econômica que já vinha ocorrendo desde meados de 2014”.
Na atual conjuntura, em que o governo Bolsonaro aposta todas as fichas na reforma da Previdência, o economista adverte que “a reforma não vai ser uma panaceia para a retomada do crescimento, conforme sustenta Paulo Guedes”. Ela pode ter um impacto ao diminuir o risco-país, a taxa de juros externa, e pode atrair mais capital externo, “mas não resolve o problema fundamental da melhoria das expectativas empresariais”, assegura. Para Luiz Fernando de Paula, “o grande desafio é encontrar o equilíbrio de sustentabilidade fiscal de longo prazo com alguma flexibilidade fiscal no curto prazo. (…) A questão fundamental é, como Keynes dizia, encontrar um bom equilíbrio entre Estado e mercado. Aqui não há uma receita de bolo. A ação do Estado deve ser bem coordenada e com objetivos claros e bem explicitados, do contrário podemos ter, sim, uma intervenção negativa”.
Luiz Fernando de Paula é graduado em Economia pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ, doutor em Economia pela Universidade de Campinas – Unicamp. Atualmente leciona no Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro – IE/UFRJ, é coordenador do Grupo de Estudos de Economia e Política do IESP GEEP/UERJ e ex-presidente da Associação Keynesiana Brasileira – AKB. É autor do livro Financial Liberalization and Economic Performance: Brazil at the Crossroads (Routledge, 2010) e Sistema Financeiro, Bancos e Financiamento da Economia: uma abordagem keynesiana (Campus, 2014).
O economista esteve no Instituto Humanitas Unisinos – IHU, na noite de 13-05-2019, ministrando a palestra “A crise financeira internacional e o retorno da política econômica de Keynes”, que integra o V Ciclo de Estudos Repensando os Clássicos da Economia. Assista à íntegra da conferência no final da entrevista.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Segundo as projeções para este ano, o crescimento econômico será baixo e há cerca de 13,4 milhões de desempregados no país atualmente. Considerando esses dados, qual é a gravidade da crise que o país enfrenta, na sua avaliação?
Luiz Fernando de Paula – O quadro econômico e social é gravíssimo, pois estamos tendo a pior recuperação econômica (após uma recessão) das últimas décadas. Não há paralelo com outras experiências. A recuperação é muito lenta, e vem quase na forma de um “stop and go”. Pior ainda, o desemprego elevado e persistente acaba expulsando parte dos trabalhadores de forma definitiva do mercado formal de trabalho, e a produção manufatureira vem despencando continuamente. Infelizmente tudo indica que vamos ficar patinando por um bom tempo.
IHU On-Line – Ainda estamos vivendo os desdobramentos da crise financeira de 2008, ou a crise econômica brasileira tem outras causas? Quais são as causas da crise econômica que o Brasil enfrenta hoje?
Luiz Fernando de Paula – A crise econômica é fruto tanto de fatores exógenos (um cenário internacional nebuloso por conta da briga entre EUA e China) quanto endógenos (políticas econômicas inadequadas para enfrentar a crise). A política econômica do governo atual está apoiada em duas ideias: (i) contração fiscal expansionista (ajuste fiscal leva os agentes a gastarem mais pois acreditam que vão pagar menos imposto no futuro), (ii) choque de credibilidade gerado por uma possível reforma da Previdência, o que deslancharia os investimentos produtivos. As duas hipóteses são altamente duvidosas, sem evidência empírica favorável. A economia brasileira está com alta ociosidade e alguma coisa tem que ser feita para ativar a demanda na economia. E ainda tem a crise política que impacta a crise econômica.
IHU On-Line – Uma parte dos economistas que assessoraram os governos petistas tinha uma orientação keynesiana ou desenvolvimentista. Como o senhor avalia as medidas adotadas por eles em retrospectiva?
Luiz Fernando de Paula – Eu diria que eram economistas desenvolvimentistas, não necessariamente keynesianos. Mas veja, políticas keynesianas, para serem bem-sucedidas, têm que ser bem coordenadas. Lula em 2009 articulou bem um conjunto de políticas anticíclicas; já Dilma, no primeiro governo, não, pois privilegiou isenções fiscais ao invés de gastos públicos, e fez uma política altamente vacilante. Depois inverteu tudo com uma política ortodoxa em meio a forte contração econômica que já vinha ocorrendo desde meados de 2014.
IHU On-Line – Como as teorias econômicas de Keynes poderiam iluminar a atual conjuntura econômica brasileira? Que aspectos da teoria econômica keynesiana poderiam ser colocados em prática neste momento e quais seriam seus efeitos na economia brasileira?
Luiz Fernando de Paula – A atual conjuntura é bastante complicada — não há mágica a ser feita. Mas o governo tem que tomar medidas para reativar a economia em função de elevada capacidade ociosa existente. Deve-se procurar adotar medidas que estimulem o consumo das famílias e buscar formas para ampliar os investimentos em infraestrutura, através da constituição de um fundo público para este propósito. Mas, com o atual teto de gasto, nada disso é possível. Ademais, há espaço para o Banco Central reduzir a taxa de juros.
IHU On-Line – No caso brasileiro, diante da atual crise econômica do país e da situação fiscal das contas públicas, como o Estado poderia estimular a economia?
Luiz Fernando de Paula – O grande desafio é encontrar o equilíbrio de sustentabilidade fiscalde longo prazo com alguma flexibilidade fiscal no curto prazo. No atual contexto, o governo teria que conter os gastos correntes e abrir algum espaço para os investimentos públicos. Mas, na atual conjuntura, temos uma política fiscal fortemente contracionista que irá contribuir para aprofundar a crise.
IHU On-Line – Até que ponto e em que sentido a intervenção estatal, conforme defendida por Keynes, é positiva para o desenvolvimento econômico? Em algum sentido a intervenção estatal pode ser negativa?
Luiz Fernando de Paula – Não há país do mundo desde o século XX que tenha feito seu catching-up sem uma intervenção estatal na economia. A questão fundamental é, como Keynes dizia, encontrar um bom equilíbrio entre Estado e mercado. Aqui não há uma receita de bolo. A ação do Estado deve ser bem coordenada e com objetivos claros e bem explicitados, do contrário podemos ter, sim, uma intervenção negativa.
IHU On-Line – No caso brasileiro, que avaliação é possível fazer acerca da intervenção estatal na economia nos últimos governos?
Luiz Fernando de Paula – A ação anticíclica do governo brasileiro em 2008-2009 foi bem-sucedida, enquanto em 2012-2014, não. O mix de políticas é fundamental para determinar o sucesso do ativismo estatal. No caso do primeiro governo Dilma, o expansionismo fiscal foi feito pelo lado da isenção fiscal, com efeito baixíssimo sobre crescimento econômico, e não pelo lado do investimento público, que tem maiores efeitos multiplicadores de renda na economia. Depois em 2015 inverteu tudo e adotou, em meio à recessão, uma política fortemente contracionista. Um caso clássico de má coordenação de políticas!
IHU On-Line – O modelo econômico de Paulo Guedes é sustentado em três pilares: a reforma da Previdência, a privatização acelerada e a simplificação, redução ou unificação dos impostos. Quais são as dificuldades e as potencialidades desse modelo?
Luiz Fernando de Paula – A reforma da Previdência é, em alguma medida, necessária, mas a proposta pelo governo é altamente regressiva. Mas a reforma não vai ser uma panaceia para a retomada do crescimento, conforme sustenta Paulo Guedes. Ajuda a diminuir o risco-país, diminui um pouco a taxa de juros externa, poderá atrair mais capital externo, mas não resolve o problema fundamental da melhoria das expectativas empresariais. Isto porque empresário só investe se tiver perspectiva otimista do crescimento futuro da economia, e a “fada de confiança” não irá despertar o espírito animal dos empresários. Quanto à privatização, não há participação excessiva de estatais na economia, e Petrobras, Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal dão lucro ao governo. A questão do Guedes é uma questão puramente ideológica pró-mercado, não tem racionalidade econômica.
IHU On-Line – Pode nos explicar quais problemas econômicos, na sua avaliação, a teoria econômica keynesiana pode resolver de modo mais eficaz do que o liberalismo econômico?
Luiz Fernando de Paula – Fundamentalmente o problema do crescimento, emprego e redução das desigualdades sociais. A teoria keynesiana mostra que um dos principais problemas das economias capitalistas é a falta de demanda agregada que dê sustentação ao crescimento com pleno emprego. Aí abre espaço para ação anticíclica do governo. Mas o papel do governo na economia deve ser permanente, inclusive durante o crescimento econômico, sustentando investimentos públicos em infraestrutura econômica e social.
IHU On-Line – Dez anos depois da última grande crise financeira internacional, há possibilidade de uma nova grande crise à vista? Sim, não e por quê?
Luiz Fernando de Paula – É difícil prever. Mas acredito que teríamos que ter um ciclo mais longo de crescimento. Agora, sem dúvida, há preocupação com o aumento das dívidas privadas das grandes empresas; aí tem uma tendência de fragilização financeira.
IHU On-Line – Como a adoção das teorias econômicas keynesianas poderia evitar uma nova crise financeira internacional? Que medidas seriam eficazes nesse sentido?
Luiz Fernando de Paula – Em primeiro lugar tem que ter um sistema financeiro bem regulado. A crise de 2008 foi resultado de um sistema financeiro que foi se desregulamentando de forma profunda, permitindo o surgimento de instrumentos financeiros tóxicos. Em segundo lugar, o governo tem que estar atento para evitar contrações cíclicas, fazendo bom uso das políticas anticíclicas.
Fonte: IHU On-Line
Texto: Patricia Fachin
Data original da publicação: 14/05/2019