O governo comemorou recentemente o crescimento do emprego formal e o melhor janeiro desde 2012. No primeiro mês do ano, tradicionalmente fraco para o mercado de trabalho, a economia brasileira registrou um saldo positivo de 77.822 vagas com carteira assinada. No entanto, parte das novas vagas é de qualidade duvidosa. Embora formais, foram 2.860 contratos intermitentes e 4.982 com jornada parcial, que é aquela que não atinge as 40 horas semanais. O saldo nestas modalidades foi de 2.461 e 1.497, respectivamente, 5% do resultado positivo de janeiro.
Fato que o número ainda é pequeno, mas indica uma tendência de “legalização da precarização”, como explica o diretor-técnico do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), Clemente Ganz Lúcio. Para ele, existe um cenário que se desenha de uma precarização formal, de um trabalho de uma qualidade pior mesmo que com carteira assinada. “O aprendizado [sobre novas formas de contratação] começa a acontecer e as empresa vão, gradativamente ampliando. Eu creio que é progressivo”, afirma.
No escopo do que o governo federal chama de “modernização trabalhista”, os dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), do Ministério do Trabalho, mostram também que em janeiro houve 9.356 desligamentos mediante acordos ente patrões e empregados, com a contratação de 7.842 trabalhadores nas novas modalidades previstas na reforma trabalhista.
O número não é relevante considerando o contingente de trabalhadores com carteira assinada, 33,3 milhões de pessoas, segundos os dados mais recentes do IBGE, mas indica tendência, como pondera Clemente. “Há dúvidas de se a Justiça vai questionar ou se os trabalhadores irão reagir. Não acho que as empresa vão sair mudando tudo agora, mas esse movimento começa a acontecer. Por enquanto um número pequeno (em relação a população ocupada), mas é a sinalização de que ele começa a aparecer.”
Como já era esperado, o comércio liderou na contratação, mesmo considerando que janeiro é um mês de vendas mais fracas. As vagas para assistente de vendas responderam por 17,6%. Outra característica da contratação intermitente é atingir os trabalhadores mais jovens e de qualificação média. Do total de admitidos de forma intermitente em janeiro, 47% foi de jovens de até 29 anos e 75% com o ensino médio completo.
No trabalho parcial se destaca, além do comércio, a educação. Do saldo de vagas de jornada parcial de janeiro, o comércio respondeu por 18% e a educação com 12%.
“Creio que trabalho intermitente é um recurso para ser usado mais intensivamente no comércio e nos serviços. Já o contrato por prazo determinado é mais propício para a indústria. Jornada parcial pode ser para escolas. Cada um pode usar de forma mais intensiva um tipo ou outro de contrato, segundo o tipo de relação que for colocada”, explica Clemente.
A precarização se reflete numa importante estatística do IBGE, a subutilização da mão de obra. De acordo com os dados mais recentes, 23,6% de trabalhadores brasileiros eram subutilizados ao fim de 2017. São considerados subocupados aqueles que trabalham menos de 40 horas por semana e gostariam – ou precisam – de trabalhar mais.
Por tratar-se de regras novas, ainda em teste pelos empregadores, no momento não é possível medir o impacto das contratações em jornadas parciais na subutilização da mão de obra brasileira. Caso seja confirmada a tendência, o provável é que a desocupação por insuficiência de horas atinja cada vez mais trabalhadores, elevando a força de trabalho desperdiçada pela economia brasileira.
Fonte: Carta Capital
Texto: Dimalice Nunes
Data original da publicação: 12/03/2018