Representantes de vários setores do movimento sindical brasileiro consideram que o principal desafio da classe trabalhadora na atual conjuntura é a manutenção da unidade. A junção de forças das centrais sindicais em torno de bandeiras comuns, independentemente de suas orientações políticas, e a soma de esforços que possam evitar a volta do neoliberalismo no país são objetivos quase consensuais, pelo menos entre as formulações tornadas públicas por lideranças representativas do movimento sindical brasileiro hoje.
“É importante ter claro que certos temas dependem da unidade para ser enfrentados. A política de rendas é um deles, assim como o embate sobre a precarização. Sabemos que o discurso neoliberal, por incrível que pareça, se fortaleceu na crise, e os neoliberais não dormem, nem de dia nem de noite, pensando como precarizar as relações do trabalho”, ironiza José Lopez Feijóo, assessor especial da Secretaria-Geral da Presidência da República. “Esse enfrentamento só pode ser feito enquanto classe.”
Na opinião de Feijóo, o fortalecimento do sindicalismo brasileiro nas últimas décadas foi consequência exatamente de um processo de unidade, o que proporcionou a viabilização de políticas públicas fundamentais, entre as quais a valorização do salário mínimo, atualmente de R$ 724. “Esta é uma política que tem impacto nos demais salários e foi uma conquista das centrais”, diz.
Tanto para Feijóo como para Armínio Fraga, presidente do Banco Central no governo de Fernando Henrique Cardoso entre 1999 e 2002, o salário mínimo tem impactos relevantes. Se para Feijóo ele ajuda a alavancar a economia, na opinião de Fraga é o oposto. “O salário mínimo cresceu muito ao longo dos anos. É uma questão de fazer conta. Mesmo as grandes lideranças sindicais reconhecem que, não apenas o salário mínimo, mas o salário em geral, precisa guardar alguma proporção com a produtividade, sob pena de, em algum momento, engessar o mercado de trabalho”, declarou Fraga, em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo na edição de 13 de abril.
Segundo o analista político Antônio Augusto de Queiroz, diretor do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), a unidade é também a palavra de ordem na atual conjuntura. “O primeiro desafio é manter a unidade de ação das centrais sindicais nesse momento de eleição presidencial em que algumas centrais vão apoiar uns candidatos e outras vão apoiar outros. Não podemos, em razão desse momento, deixar de ter unidade em pontos centrais”, preconiza.
Segundo ele, a recuperação do poder de compra do salário mínimo é uma das políticas basilares que precisam ser foco do movimento sindical, considerando inclusive o fato de que a atual fórmula de reajuste só vigora até 2015. Hoje, o sistema define o mínimo de acordo com um cálculo que leva em conta a inflação do ano anterior mais o crescimento do PIB de dois anos anteriores.
“Se não houver unidade de ação, não há a menor possibilidade de renovar essa lei”, prevê Queiroz. Apesar das desconfianças, a Comissão de Trabalho, Administração e Serviço Público da Câmara dos Deputados aprovou, em 25 de abril, o Projeto de Lei 7.185/14, que torna permanente a atual política de valorização do mínimo. A apreciação pelo plenário não tem previsão.
O secretário-geral da UGT, Francisco Canindé Pegado, diz que a unidade é um fato, em torno das bandeiras mais importantes para as centrais sindicais. “A pauta dos trabalhadores é unificada nas principais reivindicações e propostas há alguns anos. Fizemos oito marchas unificadas, o que significa que a pauta também foi unificada.” A redução da jornada de trabalho para 40 horas semanais sem redução de salário, o fim do fator previdenciário, a regulamentação da convenção 151 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e a luta contra a terceirização estão entre essas pautas.
Para o presidente da UGT, Ricardo Patah, – que promoveu, nos dias 28 e 29, o Seminário Internacional Sindicalismo Contemporâneo –, a redução da jornada de trabalho e o fator previdenciário são as bandeiras mais emblemáticas hoje.
Outro desafio é aumentar a representatividade dos sindicatos, que, de acordo com ele, é alta no Brasil. “No mundo, segundo a CSI (Confederação Sindical Internacional), 7% dos trabalhadores são sindicalizados. No Brasil beira os 20%, mostrando que há um comprometimento grande do trabalhador para com o sindicato”, diz. No país há, hoje, cerca de 15 mil sindicatos.
Reajustes salariais
Um dos principais ganhos dos trabalhadores no período de governo dos petistas Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff (2003-2014) foram os reajustes salariais. Enquanto de 1996 a 2003 predominaram os reajustes abaixo da inflação, a situação se inverteu a partir de 2004. Em 2013, 87% dos reajustes analisados pelo Dieese foram acima da inflação. Os dados foram elevados nos últimos cinco anos: 80% (2009), 89% (2010) 87% (2011) e 95% (2012), ficando nos quase 87% do ano passado, embora tenha sido um ano de crescimento moderado do Produto Interno Bruto (2,3%) e inflação com tendência de alta (fechou 2013 em 5,56%, pelos dados do INPC-IBGE).
Apesar desses dados, o movimento sindical vê motivos para preocupação. A precarização do trabalho e a terceirização são ameaças permanentes. “Na verdade, há duas agendas: uma positiva e outra negativa. A negativa é o risco de terceirização, as intenções da Confederação Nacional da Indústria (CNI) no sentido de flexibilizar e precarizar direitos, a prevalência do negociado sobre o legislado, a flexibilização das relações de trabalho”, analisa Queiroz, do Diap. “A agenda positiva consiste em aprovar a jornada de 40 horas, flexibilizar o fator previdenciário, reduzir seus impactos perversos e garantir a política de reajuste do salário mínimo.”
O ano de 2015 será decisivo para o movimento sindical. Embora a presidenta Dilma Rousseff seja criticada por dialogar pouco e não ter se esforçado para fazer andar no Legislativo as pautas trabalhistas, a ameaça do retorno da agenda neoliberal no país, possibilidade que se concretizaria com uma eventual eleição do senador tucano Aécio Neves (MG), é encarada como um retrocesso pela maioria das lideranças, já que é baseada em filosofia e fundamentos econômicos que rebaixam a luta pelo coletivo e privilegiam o individualismo e o capital.
Por isso, para Nivaldo Santana, vice-presidente nacional da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB), o movimento sindical precisa estar atento. “Ouço quem ridiculariza a atual política macroeconômica, dizerem que é preciso combater a inflação com o receituário do neoliberalismo”, discursou, no seminário da UGT. “É um erro político não reconhecer que houve avanços nos governos recentes, como aumento do salário mínimo, a transparência e a elevação do poder de compra. O movimento sindical está numa encruzilhada entre seguir o caminho neoliberal ou dos avanços que temos conseguido”, disse.
“Os neoliberais dizem que acabou a luta de classes. Pelo contrário, está mais sofisticada e para enfrentá-la o trabalhador precisa estar melhor preparado”, disse o ministro do Trabalho e Emprego, Manoel Dias, no mesmo evento.
Entre os problemas na atual conjuntura, há as que apontam certas deturpações no mercado. “Se existe um aumento do trabalho formal, por outro lado existem características de trabalho informal, como salários baixos e rotatividade, mesmo nesse trabalho formal”, diz Helena Hiarata, doutora em sociologia pela Universidade de Paris e diretora de pesquisa emérita do Centro Nacional de Pesquisa Científica de Paris.
Formação de quadros
As eleições deste ano para deputados e senadores é fundamental para as pretensões dos trabalhadores e do movimento sindical. Hoje, o Congresso Nacional reúne 91 parlamentares que defendem os interesses dos trabalhadores, entre senadores e deputados. Para Patah, um dos pontos centrais para o movimento sindical é a atuação no Legislativo. “O debate [no seminário promovido pela UGT no início da semana] analisa o Brasil diante das crises que estão ocorrendo, em especial os caminhos que vamos adotar fortalecendo nossa capacidade de influência no Congresso”, explicou.
Mudar esse quadro depende não apenas dos trabalhadores, mas principalmente de uma reforma política que mude o sistema eleitoral do país, que hoje permite o financiamento de candidatos e partidos por empresas e é a principal causa do desequilíbrio de representação no Legislativo brasileiro.
No que cabe ao movimento sindical, há um outro desafio a longo prazo que pode ajudar a mudar essa realidade paulatinamente: a formação de novos quadros políticos. “Não tem ocorrido formação de novos quadros. No período de resistência, se formaram muitos quadros em partidos, sindicatos, movimentos sociais, universidades. Hoje nós estamos com um déficit. De Fernando Henrique e da estabilização para cá, parece que as pessoas se acomodaram, em função da eleição do Lula”, avalia Queiroz. “Então vamos preparar quadros para fazer o enfrentamento do ponto de vista de disputar propostas com o neoliberalismo no futuro.”
Fonte: Rede Brasil Atual
Texto: Eduardo Maretti
Data original da publicação: 01/05/2014