As manifestações unificadas neste 1º de maio aconteceram em 13 estados e no Distrito Federal. A luta dos trabalhadores deu o tom do desafio que Paulo Guedes vai enfrentar para seguir em frente com a Reforma da Previdência.
Mariana Serafini
Fonte: Carta Maior
Data original da publicação: 02/05/2019
Em quatro meses de gestão, o governo de Jair Bolsonaro já conseguiu desagradar a gregos e troianos. A maior prova, até agora, foi a união de todas as centrais sindicais neste 1º de Maio, Dia Mundial do Trabalhador. Pela primeira vez na história do país, todos os representantes sindicais subiram no mesmo palanque com o objetivo de impedir que avance a Reforma da Previdência do superministro da Economia, Paulo Guedes. Em ato unificado, lideranças convocaram greve geral para o dia 14 de junho.
Com o alto índice de desemprego, não é de espantar que as centrais tenham deixado de lado as diferenças políticas para depositar energia em uma luta conjunta. De acordo com uma pesquisa divulgada nesta terça-feira (30) pelo IBGE, o Brasil tem atualmente 13,4 milhões de desempregados, só em março deste ano a cifra de pessoas sem trabalho chegou a 12,7%. segundo o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), no último mês, 43 mil vagas de empregos formais foram fechadas. Com isso, o trabalho informal e, consequentemente, a não contribuição regular com o fundo previdenciário aumentam.
Na esteira do desmonte no mundo do trabalho, o governo leva adiante a Reforma da Previdência que, de acordo com especialistas, vai prejudicar principalmente a população mais pobre porque, historicamente, é quem começa a trabalhar mais cedo e normalmente na informalidade.
Paulo Guedes argumenta que a Previdência não cabe mais no orçamento, segundo ele, o principal “nó fiscal” da dívida pública é a “despesa previdenciária”. Não faltam economistas para apontar outras saídas que não seja esta de fazer com que os aposentados e as próximas gerações paguem pela dívida que não contraíram. Na ânsia de acumular o tal “R$1 trilhão” o superministro fecha os olhos para soluções mais honestas e menos injustas, como deixar a fiscalização sobre patrimônio bater à porta de grandes empresários, por exemplo.
A Reforma de Guedes é inspirada no modelo chileno, aplicado durante a ditadura de Augusto Pinochet (1973 – 1990), que hoje se mostra insustentável. Assim como Bolsonaro, o ditador era um militar estadista cético quando o assunto era a ultraliberalização. Mas após uma visita do guru neoliberal, Milton Friedman ao país, em 1975, o general colocou os chamados “Chicago Boys” nos principais postos do governo e transformou o Chile num laboratório da “política de choque” que rende frutos podres até hoje para os chilenos.
Os Chicago Boys eram os economistas latino-americanos que cursaram a pós-graduação na Universidade de Chicago, nos EUA, e voltaram com a cartilha neoliberal embaixo do braço para aplicá-la por aqui sob a mão de ferro das ditaduras militares. Um destes jovens era Paulo Guedes, Doutor em Economia, que depois de concluir os estudos passou um tempo no Chile a fim de ver como funcionava a teoria na prática.
Após o governo socialista de Salvador Allende, o Chile sofreu uma queda brusca no PIB, que atingiu o ápice, 12,9%, em 1975. Esta recessão foi o argumento perfeito para os discípulos de Milton Friedman convencerem Pinochet a aplicar o que chamaram de “programa de recuperação”. Logo de cara, o país privatizou 400 empresas, reduziu o sistema público e liberalizou quase totalmente a economia. Numa segunda etapa, Saúde, Educação e Previdência foram privatizadas. Passaram quatro décadas e, governo após governo, os chilenos ainda não conseguiram reverter o estrago causado pelos garotos de Chicago.
Mas a aplicação tão dura das políticas neoliberais só foi possível sob o sistema de repressão de um ditador que deixou como saldo uma das mais sangrentas ditaduras do continente. Sem trabalhadores organizados em sindicatos, com o parlamento fechado e nenhum espaço para a imprensa de oposição, os economistas de Chicago encontraram o caminho livre para avançar com sua cartilha neoliberal de uma forma nunca vista antes em nenhum outro país do mundo.
Um dos pontos altos destas mudanças radicais à direita foi a privatização da Previdência Social. Até então o Chile tinha um sistema previdenciário parecido com o que temos hoje no Brasil. O modelo aplicado por Pinochet mudou a forma de contribuição. A população economicamente ativa passou a depositar cerca de 10% do salário em contas individuais administradas por fundos previdenciários privados, chamados de “AFP”, sem o auxílio do Estado ou dos empregadores. Na teoria, cada trabalhador receberia, ao final de toda uma vida de trabalho, uma aposentadoria correspondente à sua contribuição.
Passaram 30 anos até que esta geração começasse, de fato, a usufruir deste fundo e então apareceu um rombo sem precedentes. As AFPs, que administram um capital acumulado correspondente a 69,9% do PIB do país, não pagam as aposentadorias conforme foi combinado e não prestam contas do que fizeram com o dinheiro. Milhares de idosos recebem pouco mais da metade de um salário mínimo e não têm condições de manter uma velhice digna. Isso levou os chilenos às ruas nos últimos anos em grandes manifestações que pedem o fim das “AFPs” e a reestatização da Previdência.
Mas este quadro desesperador tem tido resultado mais drásticos, uma onda crescente de suicídios tomou conta do país nos últimos tempos. Um estudo do Ministério da Saúde em parceria com o Instituto Nacional de Estatísticas mostrou que entre 2010 e 2015, 936 adultos maiores de 70 anos se mataram. Entre os maiores de 80 anos a média é de 17,7 para cada 100 mil habitantes. Com estas cifras o Chile ocupa o topo do índice de suicídios na América Latina.
A reforma de Paulo Guedes
Está claro que o sistema chileno fracassou. Ainda assim o “Chicago Boy” nacional insiste numa reforma cujo objetivo é jogar a responsabilidade da dívida pública no bolso dos aposentados e das futuras gerações. A nova previdência, caso seja aprovada, vai aumentar a desigualdade entre ricos e pobres e pesar mais para quem teve de se submeter a trabalhos informais ao longo da vida.
Atualmente os brasileiros podem se aposentar de duas formas: por tempo mínimo de contribuição (30 anos para mulheres e 35 anos para homens), ou com a idade mínima de 60 anos para mulheres e 65 para homens depois de ter contribuído por pelo menos 15 anos. Com a reforma, inicialmente mulheres só poderão se aposentar após os 62 anos e homens após os 65 desde que tenham contribuído por, pelo menos, 25 anos. Entretanto, essa regra serve apenas para o período de transição, depois disso, a idade mínima vai aumentar a cada quatro anos de acordo com a expectativa de sobrevida do brasileiro.
Esta reforma atinge principalmente as pessoas mais pobres porque hoje são elas que se aposentam por idade, uma vez que atuaram a maior parte do tempo no mercado informal. Já a aposentadoria por tempo de contribuição é recorrente entre quem tem uma vida profissional estável e consegue atingir os 30/35 anos de contribuição por volta dos 54, 55 anos de idade.
O INSS divulgou um estudo onde afirma que atualmente apenas um quinto de quem se aposenta por idade conseguiu contribuir por 25 anos, tempo que será exigido após a reforma. Os números do Instituto mostram ainda que quem teve uma vida profissional estável recebe o dobro de quem se submeteu ao mundo informal do trabalho: aposentados por tempo de contribuição recebem, em média, R$2.412,70, já os aposentados por idade costumam receber em torno de R$1.136,05.
Os trabalhadores do campo serão ainda mais afetados porque na maioria dos casos começam a trabalhar mais cedo, porém, sem seguridade social, e os anos de trabalho não vão contar na hora de cobrar a aposentadoria. Atualmente existe o Benefício de Prestação Continuada (BPC), mecanismo responsável por garantir seguridade à maioria dos idosos – do campo e da cidade – que não puderam contribuir com a Previdência, seja pelos baixos salários, pela informalidade ou desemprego. De acordo com o Ipea, em 2014 8,8% das pessoas com mais de 65 anos viviam com renda inferior ou igual a meio salário mínimo. Se o BPC deixar de existir, o percentual de idosos pobres vai ser superior a 65% do total.
Muitos especialistas defendem que a meta do governo Bolsonaro de juntar R$1 trilhão em dez anos nas costas dos aposentados é uma saída injusta para resolver a dívida pública e apontam outros caminhos. O professor do Instituto de Economia da Unicamp, Eduardo Fagnani, afirma, em artigo na revista Le Monde Diplomatique, que o “nó fiscal” na verdade são os juros. “O país gastou, em média, 6% do PIB ao ano entre 2016 e 2018, o que equivale a aproximadamente R$ 400 bilhões/ano, montante mais de duas vezes superior ao alegado déficit da Previdência, que, nos cálculos questionáveis do governo, teria chegado a R$ 195 bilhões em 2018. Com um agravante: juros beneficiam fundos especulativos, bancos, corporações não financeiras e pessoas com elevado nível de renda, enquanto a previdência alcança cerca de 28 milhões de pessoas e, desse total, 23,3 milhões ganham apenas um salário mínimo”, justifica.
As manifestações unificadas neste 1º de maio aconteceram em 13 estados e no Distrito Federal. A luta dos trabalhadores deu o tom do desafio que Paulo Guedes vai enfrentar para seguir em frente com a Reforma da Previdência. Diferente do Chile de Pinochet, aqui a organização social ainda não foi criminalizada, há uma parcela do Congresso disposta a barrar a medida e uma imprensa de oposição empenhada em mostrar o outro lado desta proposta. Apesar da postura repressora do capitão da reserva, o caminho não está livre para o Chicago Boy avançar com suas medidas impopulares.
Os sindicatos não conseguiram nem se adaptar as mudanças ocorridas nos anos 80/90 quando as vagas de emprego migraram da indústria para o setor de comércio e serviços, agora nós estamos passando por outra mudança com a invasão dos “autônomos”, o avanço da cultura individualista e meritocrática é só uma consequência dessas novas relações de trabalho, assim como o avanço das igrejas evangélicas, o primeiro sendo fruto da competição entre os trabalhadores e o segundo dando uma base religiosa a essa cultura, substituindo as relações de solidariedade no trabalho e nos bairros com as suas próprias redes de solidariedade e satisfazendo a necessidade por contato social em uma mundo cada vez mais atomizado, de modo que é extremamente improvável que esses sindicatos consigam organizar esses trabalhadores não só pela dificuldades já expostas no texto, não só por esse novo Zeitgeist, mas também pelas consequências que essas novas relações de trabalho tem na formação da consciência de classe, ou melhor na impossibilidade da formação dessa consciência.
A luta de classes acontece em dois “campos” distintos, o econômico e sociológico, a nossa tragédia está no fato de que com as novas relações de trabalho, mais atomizadas, onde a competição entre trabalhadores é muito mais brutal, onde a cooperação é nula e onde a figura do chefe/patrão é muito mais abstrata, impedem que a formação da consciência de classe, ao mesmo tempo a luta de classe continua no âmbito econômico, o que causa revoltas, como a greve dos caminhoneiros e o a dos coletes amarelos na França, ao mesmo tempo em que a impossibilidade da existência dessa consciência e o conflito de interesses entre a classe dominante e os trabalhadores são um prato cheio para a dominação e radicalização da ideologia dominante, isso explica o apoio de parte dos trabalhadores a candidatos conservadores, como o Bolsonaro e o Trump.
Dito isso, o futuro dos sindicatos é igual ao presente, continuar existindo e representando setores que já estão tradicionalmente ligados a eles, como os bancários, os professores e os metalúrgicos, (algo que os exemplos nacionais mencionados no texto também parecem mostrar) já que os setores mencionados tem uma forte sindicalização de modo que os sindicatos não iriam acabar por falta de contribuição, e já que não seria viável para um governo que quer manter a aparência democrática acabar com eles.