União de servidores por aumento deve ser obstáculo para Bolsonaro

Fotografia: Fórum dos Servidores Estaduais de Santa Catarina

Servidores que compõem a máquina federal preparam para o próximo dia 18 uma paralisação nacional para pressionar o governo por reajuste salarial. Sem aumento desde 2017, o segmento tomou maior fôlego para protestar. Especialmente após a gestão abrir espaço no Orçamento de 2022 para reajustes a trabalhadores da segurança pública.

“Não tem por que haver esse tratamento diferenciado só pra policiais”, afirma o presidente do Fórum Nacional Permanente de Carreiras Típicas de Estado (Fonacate), Rudinei Marques.

A instituição reúne 37 entidades de trabalhadores, definiu o intervalo de duas semanas até a paralisação para intensificar a mobilização nas bases. E também cumprir as formalidades exigidas pela legislação naquilo que se refere às greves e paralisações.  

O Fonacate representa um contingente de 200 mil servidores federais, cerca de um terço dos mais de 580 mil que hoje estão na ativa.

O movimento deve perturbar o sossego do governo, principalmente se houver adesão à ideia de paralisação no âmbito do Fórum das Entidades Nacionais dos Servidores Públicos Federais (Fonasefe), que atualmente realiza escutas às categorias para definir os próprios rumos.  

Sempre avesso à pauta do funcionalismo, o ministro da Economia, Paulo Guedes, vem tentando arregimentar ministros e outros gestores do Executivo em sintonia contrária à articulação dos servidores.  

Reportagem da Folha de S.Paulo revelou, no último dia 28, que o mandatário chegou a enviar mensagens ao grupo traçando um paralelo entre a eventual concessão de reajuste e a tragédia de Brumadinho, que terminou com 270 mortos em 2019.

“Brumadinho: pequenos vazamentos sucessivos até explodir barragem e morrerem todos na lama”, disse Guedes, em uma das comunicações. Isso depois de sinalizar, em outra mensagem, que a gestão tende a quebrar se houver reajuste e “a doença voltar”, em uma referência a uma nova agudização da pandemia.

“Os salários estão congelados desde 2017. Se a quebradeira fosse porque estava dando reajuste, a realidade seria outra”, afirma Sérgio Ronaldo, do Fonasefe.

Segundo o dirigente, o que acontece hoje é justamente o contrário. “O país está quebrando porque não tem negociação, não tem moeda circulando, não tem reajuste, não tem aumento real do salário mínimo pra que a economia gire. É isso que está fazendo com que a economia continue descendo a ladeira de forma desenfreada”.

A entidade aglutina 22 entidades nacionais do funcionalismo, congregando mais de 1 milhão de servidores federais,  segmento que amplifica as insatisfações com o governo Bolsonaro a cada ano da gestão.

Costumeiramente arredio com os trabalhadores da máquina, o presidente bancou, nos últimos anos, uma série de arrochos que prejudicaram a estrutura de trabalho e de serviços públicos oferecidos pela União.

“Nós queremos discutir a administração pública como um todo”, aponta Sérgio Ronaldo.

Desafio

Além de recomposição salarial por conta da perda do poder de comprar do funcionalismo, ele ressalta a necessidade de  discutir uma reestruturação, “mas não como a reforma administrativa, que é a destruição do serviço público”.

“A gente quer que faça concurso público, pra recompor a força de trabalho, quer que melhorem os recursos pra ciência, pra educação, pras políticas de saúde, entre outras coisas”.

A concessão do governo para reestruturação de carreiras do funcionalismo fez com que fosse reservado R$ 1,7 bilhão do Orçamento de 2022 para reajustes, com um indicativo de que o dinheiro será utilizado para beneficiar carreiras da Polícia Federal (PF), da Polícia Rodoviária Federal (PRF) e do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), setores onde o presidente encontra amplo apoio ideológico.

Com o levante das demais categorias, o governo pode enfrentar uma greve já em fevereiro, conforme sinalizado pelo Fonacate após assembleia com representantes do segmento ocorrida na semana passada.

A consternação do funcionalismo já dá sinais de maior sobressalto. Na última segunda (3), por exemplo, o Sindicato dos Servidores do Banco Central (BC) fez um apelo pela entrega de cargos comissionados em forma de protesto pela falta de reajuste.

A entidade incentiva ainda os demais a não aceitarem substituir os que vierem a se demitir do governo. A instituição tem uma média de 500 funções comissionadas e uma eventual adesão pode ajudar a travar trabalhos do BC.  

A insatisfação vem provocando solavancos também na Receita Federal, onde desde o final do ano, mais de 1.200 auditores fiscais já entregaram seus cargos.

Dirigentes do Sindifisco Nacional estão reunidos em Brasília (DF) até esta quinta-feira (6) para debater estratégias de articulação e pressão sobre o governo.

A categoria se queixa dos cortes orçamentários que a equipe de Guedes promoveu no órgão para este ano e levanta ainda outras demandas de valorização da carreira.

“O governo vai ter muita dificuldade”, acredita o analista Marcos Verlaine, do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), para quem a dor de cabeça pode ser maior naquilo que se refere à atuação do Fisco, área que lida com arrecadação e fiscalização tributária.

“A impressão que se tem é de que, olhando como foi o término do ano para os servidores no engajamento contra a reforma administrativa, esse movimento tem um grande potencial pra afetar o governo”, aponta.

O analista político Leonel Cupertino observa que a previsão do orçamento não fixa em detalhes a canalização dos recursos para os trabalhadores da área de segurança.

Para ele, os próximos movimentos do jogo político devem se dividir em três tendências: pessoas defendendo reajuste para todo mundo; a bancada da bala no Congresso pleiteando o reajuste das carreiras na segurança; e a ala que não vai querer reajuste para nenhuma carreira, o que já é a tendência de técnicos do Ministério da Economia.

No caso de um eventual incremento salarial para todos – possibilidade distante diante da tendência da gestão Bolsonaro –, o aumento terminaria sendo bem mais abaixo da reclamada recomposição de 27,2%, já que as verbas teriam que ser rateadas, o que traria maior insatisfação entre os policiais. “Pra onde você olha é uma sinuca de bico porque o presidente mexeu num vespeiro”, diz Cupertino.  

“Inabilidade”

Para o cientista político Leonardo Barreto, a crise com o funcionalismo em torno da pauta do ajuste foi gerada “por inabilidade” de Bolsonaro, que aproveitou uma janela entre o fim do decreto do estado de calamidade no país e o período eleitoral para fazer um aceno aos policiais.

“E o presidente decidiu priorizar a PF sabe-se lá por quais motivos. Não há uma política de Estado, uma política de negociação de salários dos servidores. O que há são interesses que nem sempre estão claros. O presidente acabou, com tudo isso, provocando uma rebelião nas outras categorias, e muitas delas não fazem greve desde o governo FHC”, resgata.

Para o cientista político, quaisquer que sejam os rumos do processo de negociação, o engodo pode prejudicar a imagem da gestão por conta da falta de planejamento financeiro do governo.  

“E isso, pros agentes econômicos, é fatal, porque eles até trabalham com cenários ruins, mas não trabalham com imprevisibilidade, incerteza. Isso é uma coisa muito ruim, e acho que vai contaminar o jogo. É uma coisa pela qual o governo será cobrado”.

Fonte: Rede Brasil Atual, com Brasil de Fato
Texto: Cristiane Sampaio
Data original da publicação: 05/01/2022

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *