Uma onda de desistências: o desgosto generalizado nas universidades

As demandas acadêmicas aumentaram o descontentamento entre pesquisadores, que precisam trabalhar mais para competir por um número menor de cargos permanentes nas universidades.

Marcelo Vinicius Miranda Barros

Fonte: Le Monde Diplomatique Brasil
Data original da publicação: 30/06/2021

A revista Nature publicou recentemente um artigo com o título “Has the ‘great resignation’ hit academia?”. Em tradução livre, “por que tantos acadêmicos decidem deixar a carreira acadêmica?”. Esse tema também foi postagem em uma rede social de Yasmin Haddad, doutoranda em Filosofia pela McGill University. Assim como Yasmin Haddad, vários pesquisadores acadêmicos devem se identificar com essa questão que, pelo visto, não é só uma realidade brasileira.

O artigo denuncia uma onda de desistências, muitas delas de pesquisadores em meio de carreira, chamando a atenção para o descontentamento generalizado nas universidades. Por exemplo, Christopher Jackson twittou que estava deixando a Universidade de Manchester, no Reino Unido, para trabalhar na Jacobs, uma empresa de consultoria científica. Jackson, um geocientista proeminente, faz parte de uma onda crescente de pesquisadores que usam a hashtag #leavingacademia ao anunciar suas demissões do ensino superior. Como muitos, seu descontentamento se agravou em parte devido às crescentes demandas do ensino enquanto professor e pressão para ganhar subsídios em meio a pandemia da Covid-19.

Segundo a Nature, as demandas acadêmicas aumentaram o descontentamento entre os pesquisadores que precisam trabalhar mais e mais para competir por um número cada vez menor de cargos permanentes nas universidades.

O nível de infelicidade entre os acadêmicos foi refletido na pesquisa anual de carreiras de 2021 da Nature. Pesquisadores em meio de carreira estavam mais insatisfeitos do que acadêmicos em início ou fim de carreira. “Para indivíduos em meio de carreira que estão saindo, evidencia algo muito mais significativo se eles têm uma hipoteca, carro e filhos”, diz Jackson.

Karen Kelsky viu também as condições acadêmicas se deteriorarem nos 12 anos desde que a antropóloga deixou seu cargo na Universidade de Illinois para se tornar uma coach de carreira. As queixas incluem falta de apoio, aumento da carga de trabalho, aumento da hostilidade da direita em relação aos acadêmicos e salários que não acompanharam o custo de vida.

No início de 2021, Kelsky, vendo uma mudança dramática no descontentamento, criou o The Professor is Out, um grupo privado no Facebook para profissionais de ensino superior compartilharem conselhos e apoio para aqueles que estão deixando a academia. Esse grupo cresceu para mais de 20 mil membros no ano passado. “O que é incrível é quantos deles são titulares”, diz ela. “A narrativa esmagadora é que as pessoas são mais felizes quando saem da academia”.

O ensino superior não escapou da “grande demissão” – a onda internacional de demissões de trabalhadores que começou em 2021, incluindo um recorde de 47 milhões de residentes nos EUA e 2 milhões no Reino Unido, em grande parte por causa das consequências da pandemia de Covid-19 e salários estagnados. A Nature conversou com mais de uma dúzia de pesquisadores que deixaram a academia, que descrevem ambientes de trabalho tóxicos, bullying e falta de consideração por sua segurança e bem-estar como fatores em suas decisões. A Nature também afirma que pesquisadores estabelecidos podem ter o privilégio de sair voluntariamente, mas muitos não têm certeza de como suas habilidades se traduzirão em outros setores. Outros que enfrentam o racismo sistêmico e o sexismo estão sendo forçados a sair, em parte devido ao preconceito estrutural. Suas saídas ameaçam o progresso na diversidade, equidade e inclusão na força de trabalho acadêmica.

A Austrália passa por algo semelhante. “Agora, estamos vendo muitas pessoas procurarem trabalho em outros lugares ou se aposentarem, quando podem”, diz Lara McKenzie, antropóloga da Universidade da Austrália Ocidental em Perth.

Brasil

Em relação ao Brasil, o problema só piora: verbas para pesquisas de 2012 para 2021 sofreram uma redução assustadora de 84%, ou seja, de R$ 11,5 bilhões para R$ 1,8 bilhão, em valores atualizados pela inflação, segundo Jornal da USP. “A pós-graduação é a base na qual se sustenta a produção intelectual brasileira, inclusive a produção científica”, afirmou Chaimovich, professor da USP e coautor de um relatório especial da Unesco sobre investimentos em pesquisa e desenvolvimento no mundo.

Ao sancionar o orçamento de 2021, o governo federal manteve o bloqueio de parte expressiva dos valores do FNDCT, ignorando a lei aprovada pelo Congresso em 2020 que proibia novos contingenciamentos, segundo revista Pesquisa Fapesp, que é editada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo. Assim, milhares de pesquisadores brasileiros inscritos no edital do CNPq de doutorado e pós-doutorado de 2020 não receberam bolsas para conduzir as pesquisas. “Sem a bolsa não tem como sobreviver, visto que a dedicação é exclusiva”, explica o doutor em Química Glauco Meireles, para BBC News Brasil.

Já Gabriela Lopes, de 29 anos, tem feito trabalhos como ilustradora e corrigido textos para garantir renda após não conseguir bolsa. Ela que tem doutorado em Literatura e Cultura, faz trabalhos informais de ilustração digital e corrige trabalhos acadêmicos. Gabriela avalia que consegue, no máximo, R$ 1 mil por mês com essas ocupações. “Mas não é (um valor) certo”, diz ela.

Em 2020, Meireles, de 31 anos, havia ficado desempregado. Por alguns meses, ele usou as economias que guardara ao longo dos últimos anos. “A gente que faz mestrado e doutorado na área de pesquisa científica tem vontade de continuar. Como são pouquíssimas empresas que reconhecem a importância dessa área e investem nela, a gente fica dependente das agências de fomento estadual e federal, que estão com orçamento cada vez menor”, diz o pesquisador.

“A minha última bolsa acabou em dezembro de 2020. Consegui dar apenas um curso online em março. Portanto, dependo dos recursos economizados ao longo dos anos, além do apoio familiar e do companheiro. Porém, aos 50 anos, convenhamos que isso é humilhante”, desabafa Luiza Alvim, com pós-doutorado. Mesmo com parecer positivo no edital de 2020 do CNPq, ela não conseguiu bolsa.

Segundo BBC News Brasil, o cientista político Luis Fernandes, ex-presidente da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), afirma que “é a crise mais grave no setor desde as décadas de 1950 e 60, quando começou o fomento à ciência e tecnologia. Ao longo da trajetória, houve um período de altos e baixos, mas nunca houve uma crise como a atual. É um colapso do sistema”.

Jess Leveto, socióloga da Kent State University, ouve queixas semelhantes nos Estados Unidos. “Durante muito tempo, as pessoas investiram na mentalidade do trabalhador ideal de ‘vou produzir o máximo que puder e mostrar a eles que sou uma boa funcionária’, mas o cuidado não foi correspondido”, diz ela.

Uma pesquisadora de psicologia de uma universidade da Costa Oeste dos Estados Unidos, que pediu anonimato, chora ao explicar como sabia que não se tornaria professora: “atuando durante os estágios iniciais da pandemia e quarentena, sem apoios estruturais significativos para compensar os desafios”.

Em janeiro de 2022, ela começou a enviar currículos para cargos no setor que pagam o dobro de seu salário. Em algumas áreas graduandos e pós-graduandos muitas vezes não recebem bolsas. “Minha pesquisa acontece por causa do trabalho gratuito”, diz.

Assim como Yasmin Haddad, consideramos importante dar destaque a essa matéria da Nature, como ainda, em nosso caso, a da revista Pesquisa Fapesp, BBC News Brasil e Jornal da USP, pois muitas pessoas também compartilham dessas inseguranças no mundo acadêmico que, em resumo, refere-se a falta de estabilidade em contratos cada vez mais curtos e com a escassez de contratos de longo prazo; a diminuição de cargos permanentes para professores levando a uma precarização cada vez maior; os salários defasados quando comparados com os salários da indústria (que, como afirma Haddad ironicamente, depende de pesquisas acadêmicas); a acumulação de tarefas de natureza administrativa deixando pouco tempo e dinheiro para pesquisa acadêmica; as condições incertas sobretudo para mulheres que gostariam de conciliar maternidade e carreira; o sexismo, a discriminação e a exclusão.

Marcelo Vinicius Miranda Barros é doutorando em Filosofia pela UFBA e autor do livro ‘Do reconhecimento ao corpo: diálogos entre Sartre, Hegel e Honneth’ (UFPel, 2021).

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