Mesmo que se admita um cenário de ampla e eficaz vacinação e, associado a ele, uma recuperação da economia, há uma grande incógnita pela frente.
Flavio Fligenspan
Fonte: Sul21
Data original da publicação: 08/02/2021
Ainda que a contragosto, à medida que iam ficando claras as consequências negativas da pandemia ao longo de 2020, o Governo Federal instituiu vários programas de apoio a empresas e a famílias que tiveram resultados positivos. O mais importante deles foi o Auxílio Emergencial, que, por pressão do Legislativo, acabou bem maior do que o Ministério da Economia queria. Houve também o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda, o financiamento de capital de giro (Pronampe) e a postergação do recolhimento de impostos. Além do apoio do setor financeiro, que aceitou o adiamento do pagamento de parcelas de financiamentos contratados antes da pandemia, para proporcionar alguma folga aos seus clientes e não aumentar ainda mais a inadimplência. Afinal, não havia como matar a galinha dos ovos de ouro.
Tudo foi construído às pressas, na urgência, e os ajustes necessários foram feitos no meio do caminho, bem de acordo com a situação de excepcionalidade que se vivia. Algumas obrigações pré contratadas não foram cumpridas, como no caso dos empréstimos do sistema financeiro, e novos compromissos ficaram para se resolver depois, como os do programa de manutenção do emprego, que previa a não dispensa de pessoal logo após o final da pandemia.
O problema é que as medidas, sejam públicas ou privadas, foram pensadas para durar até o final do ano calendário de 2020, na esperança de que se estava projetando um tempo suficiente para o controle da pandemia e a volta à normalidade econômica ou, pelo menos, algo muito próximo disto. Mas não deu certo. Neste momento vivemos a segunda onda da pandemia, um lento início da vacinação e um nível de atividade que frustrou os otimistas do segundo semestre do ano passado, inclusive já levando a revisões baixistas de projeções do crescimento do PIB para 2021. Hoje, as expectativas de volta a uma atividade pelo menos no padrão frágil de 2017-2019 já estão sendo postergadas para o segundo semestre do ano, na melhor das hipóteses.
O Ministério da Economia já teve que admitir o retorno do Auxílio, ainda que com correções e em menor escala. O único número positivo, comemorado pelo titular da Pasta – a geração líquida de postos de trabalho formais –, está nitidamente inchado por informações de desligamentos represadas e por empresas que “sumiram” no caos da pandemia sem os devidos registros. É uma questão de tempo para que os números corretos apareçam, e, claro, quando isto acontecer, virá a explicação oficial e sem nenhum constrangimento de que estes números se referem a algo que já passou, o tal de “olhar pelo retrovisor”.
A inadimplência cresceu muito em 2020, como era de se esperar, levando os bancos a construírem provisões para cobrir as dívidas não pagas, o que gerou uma significativa redução dos lucros. Neste início de 2021 os maiores bancos declaram que esperam a volta à normalidade e que a inadimplência será menor e causará menos problemas. Diante disso, reservam um volume menor de recursos para cobrir eventuais perdas, logo os lucros retornarão ao padrão anterior. Mensagem otimista, sem nenhuma segurança e que já vem com um aviso de postergação: se antes se esperava este sinal positivo para o primeiro trimestre do ano, agora ele vai acontecer somente a partir do meio de 2021, junto com a retomada do emprego e da renda, especialmente no enorme setor de serviços.
Mesmo que se admita um cenário de ampla e eficaz vacinação e, associado a ele, uma recuperação da economia, há uma grande incógnita pela frente. Como equacionar os compromissos que deixaram de ser cumpridos em 2020, somados aos novos, contratados durante a pandemia. Dentre os que foram postergados, observam-se os pagamentos de impostos e as prestações de financiamento junto ao sistema financeiro privado. Exemplos dos novos são as parcelas do Pronampe e as obrigações duplicadas com folha de pagamento, em função da disposição legal de não demitir os trabalhadores afastados e/ou com redução de jornada e vencimentos em 2020.
Tudo já seria bem difícil numa economia andando de lado, como a que tínhamos no triênio 2017-2019, pré pandemia. Afinal, agora as empresas teriam que obter receita suficiente para pagar duas folhas, o dobro de tributos e duas parcelas de dívidas financeiras. E tudo fica pior, se pensarmos numa retomada econômica que não virá tão cedo. Está armada uma bomba relógio para o Governo, cuja equação é impossível de resolver. Por um lado, empresas sem caixa e famílias sem renda, por outro, o Congresso (agora com o Centrão dentro do Governo) pressionando por mais gastos. Na terceira ponta da equação, o Ministério da Economia fazendo de conta que tudo será resolvido em breve e que, portanto, não é necessário conceder novos apoios, já que isto implica piora dos resultados fiscais. Para coordenar estas tensões, o Presidente Bolsonaro. Alguma chance disso dar certo?
Flavio Fligenspan é Professor do Departamento de Economia e Relações Internacionais, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).