No passado, os Estados Unidos e os 28 Estados membros da União Europeia (UE) defenderam com vigor um dos princípios básicos da democracia multipartidária: a maioria manda. Contudo, na Organização das Nações Unidas (ONU), frequentemente esses 29 Estados membros deixam de lado esse princípio quando insistem na tomada de decisões por “consenso”, quando elas estão relacionadas com o orçamento da ONU ou quando estão claramente em minoria na Assembleia Geral, de 193 integrantes, ou, ainda, em suas diversas comissões.
Foi o que aconteceu no dia 26 de junho no Conselho de Direitos Humanos, com sede em Genebra, que adotou, por maioria de votos, uma proposta para negociar um tratado juridicamente vinculante que sancione as violações de direitos humanos por parte das empresas transnacionais.
Depois da votação, Estados Unidos e União Europeia advertiram que não vão cooperar com um grupo de trabalho que será criado para fixar as condições que vão reger a negociação do tratado. “Os Estados Unidos não participarão desse grupo e exortamos os demais a fazerem o mesmo”, afirmou Stephen Townley, representante de Washington no Conselho de Direitos Humanos.
Existem numerosas dúvidas práticas sobre como seria aplicado um instrumento internacional vinculante às corporações, que não são sujeitos de direito internacional, e de como os Estados poderiam aplicar esse tratado, afirmou Townley, assistente especial do assessor jurídico do Departamento de Estado norte-americano.
No Conselho, de 47 membros, a votação foi de 20 votos a favor, 14 contra e 13 abstenções. Votaram contra a resolução Estados Unidos, e vários membros da UE, entre eles França, Alemanha, Grã-Bretanha, Itália, Irlanda, Áustria, Estônia, República Checa, Coreia do Sul e Japão.
Liderada por Equador e África do Sul, a resolução recebeu os votos positivos de Argélia, China, Filipinas, Índia, Indonésia, Quênia e Paquistão, entre outros. Os países árabes, como Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos e Kwait, junto com México, Peru e Maldivas, se abstiveram.
Anne van Schaik, ativista da organização ecologista Amigos da Terra Europa, disse à IPS que a integração da votação “deixa claro que nos opomos a forças poderosas. Quais deixaram de usar velhas técnicas de intimidação?”, perguntou. A UE declarou que tampouco cooperará na implantação da proposta, acrescentou.
Após a votação, os Estados Unidos disseram que o tratado não será vinculante para os que votarem contra. “Por isso podemos esperar uma oposição feroz”, alertou Schaik. O grupo de trabalho intergovernamental prevê realizar sua primeira sessão em 2015. “Mas estamos contentes porque não é coisa de todos os dias o interesse público ganhar dos interesses corporativos que contam com o apoio da UE e dos Estados Unidos”, apontou.
Os Estados Unidos e a União Europeia argumentam que os Princípios Reitores da ONU sobre Empresas e Direitos Humanos, adotados em 2011, bastam para controlar as práticas de negócios das corporações. “Não demos aos Estados o tempo e o espaço suficientes para colocarem em prática os Princípios Reitores”, afirmou Townley aos delegados em Genebra.
“Apesar de compartilharmos e avaliarmos as preocupações expressas por algumas delegações e colegas da sociedade civil de que temos de fazer mais para melhorar o acesso aos recursos (jurídicos) das vítimas de abusos dos direitos humanos vinculados aos negócios, preocupa que essa iniciativa terá exatamente o efeito contrário”, acrescentou o representante de Washington.
Para que um tratado sobre empresas e direitos humanos seja eficaz é fundamental que se negocie com o aporte de todas as partes interessadas relevantes e que inclua todas as organizações empresariais, não só as corporações transnacionais, destacou Philip Lynch, diretor da organização independente Serviço Internacional para os Direitos Humanos.
Lynch disse à IPS que “é muito importante a UE participar desse processo de negociação”, pois muitas empresas têm suas sedes em território europeu e o bloco é líder na aplicação dos Princípios Reitores da ONU sobre Empresas e Direitos Humanos. “Também esperamos que a negociação do tratado possa complementar e aproveitar o consenso que sustenta esses princípios, que gozam de forte apoio da UE”, acrescentou.
Schaik assegurou à IPS que o tratado proposto é uma meta da Amigos da Terra de anos, quando não de décadas. “Sempre quisemos que a ONU assumisse a responsabilidade pelo desenvolvimento de um mecanismo desse tipo, já que é o único órgão internacional de tomada democrática de decisões capaz de trabalhar em uma proposta assim”, afirmou.
Portanto, seria melhor que, por exemplo, alguns países ou organismos regionais aprovassem legislações próprias, disse a ativista. Em segundo lugar, a resolução estabelece um mapa do caminho com os primeiros passos desse grupo de trabalho, o que é muito positivo, destacou.
A ativista recordou que os Estados Unidos advertiram, mesmo antes da votação, que os países que votassem contra a proposta não estariam obrigados a respeitar a resolução. “Isso, naturalmente, é uma bobagem absoluta, mas significa que a sociedade civil e os países que votaram a favor terão que fazer todo o possível para que esse grupo de trabalho prospere. Em um tempo curto construímos uma coalizão de mais de 600 organizações e 400 indivíduos” que apoiam a proposta, ressaltou.
Esta coalizão já está pensando na forma de dar acompanhamento a esta vitória “e creio que, sobretudo para as organizações da Europa, dos Estados Unidos e da Noruega, é importante manter a pressão para que seus países respeitem a resolução”, pontuou Schaik. A ativista garantiu que “faremos campanhas, poremos em marcha ações por e-mail, apresentaremos pesquisas, organizaremos viagens de conferencistas e iremos às ruas, se for preciso, para garantir que o grupo de trabalho se concretize e vá em frente”.
Fonte: Envolverde, com IPS
Texto: Thalif Deen
Data original da publicação: 01/07/2014