José Ricardo Ramalho
O debate sobre estratégias de desenvolvimento tem que necessariamente abordar a questão do trabalho e da participação das entidades de representação dos trabalhadores na definição das políticas de investimento nas regiões industrializadas. Em um contexto de globalização marcado pela crise financeira internacional é preciso considerar as novas relações de trabalho que as grandes empresas, multinacionais, introduzem e as respostas que elas estão dispostas a dar às demandas dos trabalhadores e agentes sociais que atuam nos territórios produtivos onde estão inseridas.
Não se pode ignorar o fato de que na atual fase do capitalismo mundial, a flexibilização do emprego é o padrão adotado pelas empresas. Entre as consequências mais visíveis dessa mudança estão a intensificação das atividades de trabalho, a precariedade dos laços de emprego e a redução do poder reivindicatório das entidades de representação dos trabalhadores. No Brasil, esta é a situação em diferentes regiões com o perfil de aglomerados industriais e presença de empresas de grande porte.
Um projeto de desenvolvimento para o país não pode desconhecer os impactos das estratégias empresariais sobre os territórios. Não há dúvida de que empresas integrantes de cadeias produtivas globais, ao se instalarem em novas localidades e regiões, criam dinâmicas que tendem a alterar as condições de desenvolvimento e os padrões de participação institucional e política. A questão é saber se a racionalização da produção e a precarização das relações de trabalho admitem condições para que ações sindicais contestem a lógica das políticas de investimento e criem mecanismos efetivos de defesa dos trabalhadores. Nesses casos importa saber se o poder das empresas se exerce sem contestação ou se encontra uma crítica social e uma organização política local capazes de confrontar esse poder.
Três exemplos de distritos industriais brasileiros, com focos na metalurgia e siderurgia, que tenho acompanhado através de pesquisa, servem para ilustrar as mudanças na organização da produção e nas relações de trabalho, e os fatores que podem interferir na execução das estratégias empresariais e a eventualmente constrangê-las a redefinir suas práticas. Há elementos comuns aos três casos: as grandes empresas multinacionais predominam, as relações de trabalho são flexíveis, e as administrações públicas auferem dividendos econômicos da situação. As diferenças decorrem da história do processo de industrialização regional, da densidade institucional e do nível de articulação dos sindicatos e movimentos sociais, com implicações sobre as relações de poder.
O primeiro exemplo é o ABC paulista, que reúne as principais montadoras de veículos do país, tem uma classe operária consolidada, um mercado de trabalho especializado e um sindicalismo bem estruturado. Mesmo assim foi vulnerável às crises econômicas mundiais e à reestruturação produtiva dos anos 1990 e 2000, quando as fábricas passaram por intenso processo de reformulação e enxugamento de mão de obra.
O segundo exemplo é o Sul fluminense que, em meados dos anos 1990, renovou sua vocação industrial, tradicionalmente siderúrgica, para abrigar um aglomerado de empresas multinacionais do setor automotivo. Este caso se enquadra em uma política de deslocalização geográfica das montadoras estimulada pelo “regime automotivo” estabelecido pelo governo federal para, em parceria com as localidades, construir novas fábricas. A convivência de dois tipos de indústria, metal-mecânica e siderúrgica, trouxe um impacto significativo em termos de relações de trabalho, organização sindical e condições urbanas.
Como exemplo de um terceiro tipo, o de aglomerados industriais siderúrgicos, construídos na Amazônia, em localidades ao longo da Estrada de Ferro Carajás, que de comum acordo com a empresa Vale se organizaram para produzir ferro gusa para exportação. O uso de carvão vegetal para os fornos teve consequências de grande impacto sobre o meio ambiente e o mercado de trabalho e afetaram em termos de crescimento as áreas urbanas nas suas imediações.
A reação dos agentes sociais enraizados nesses distritos face à crise econômica de 2008 mostrou que, embora com capacidades diferentes, em todos os casos foi possível a articulação e construção de alternativas como forma de evitar o desemprego e a redução das atividades econômicas.
Na região em que o sindicato dos metalúrgicos é mais organizado e com laços mais próximos com a administração pública, como é o caso do ABC, estabeleceram-se agendas pró-ativas com o envolvimento de vários setores da sociedade, inclusive empresários, em busca de estratégias de recuperação econômica e manutenção do emprego, como foi a criação da Câmara Regional do ABC e da Agência de Desenvolvimento do Grande ABC, hoje dirigida pelo presidente do sindicato dos metalúrgicos.
No Sul fluminense, a crise alertou as forças sociais locais para a perspectiva do desemprego e suas consequências: foi criado um fórum que agregou por alguns meses diversos agentes em busca de soluções para a situação que atingia não só os trabalhadores, mas também os empresários locais e a administração pública. Nesse caso, a pauta social formulada pela Igreja Católica, em aliança com o sindicato dos metalúrgicos, foi um fator decisivo de mobilização, especialmente contra a principal empresa da região, do setor siderúrgico, a Companhia Siderúrgica Nacional.
Na Amazônia, a produção de ferro gusa para exportação foi severamente atingida pela queda dos preços internacionais e as consequências sociais foram o fechamento de fábricas e o aumento do desemprego. Mas a precariedade dos sindicatos não impediu que se instaurasse um clima de confronto, inclusive com greve, e se firmasse uma aliança de trabalhadores com moradores do bairro atingido pela poluição das fábricas.
Em resumo, a existência e instalação de grandes empresas industriais em territórios produtivos nos três casos afetaram diretamente o mercado e as condições de trabalho e levaram os sindicatos a intervir de modo mais efetivo nos debates sobre a utilização dos recursos econômicos produzidos no local. O impacto econômico das atividades industriais referidas coloca desafios para os órgãos de representação dos trabalhadores. A pauta corporativa dos sindicatos não parece, pois, ser suficiente para promover a melhoria das condições gerais de vida dos trabalhadores, o que aponta para a necessidade de uma participação mais ativa na discussão sobre os rumos dos processos de desenvolvimento e seus efeitos na sociedade, de modo a trazer para o espaço público das cidades as decisões sobre as estratégias de investimento, crescimento econômico e distribuição de riquezas.
José Ricardo Ramalho é professor do Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e pesquisador do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e da Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ).