No Dia Mundial contra o Trabalho Infantil (12) o mundo tem ao menos 160 milhões de crianças e adolescentes em situação de trabalho infantil. Segundo relatório da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) lançado esta semana, o número reflete aumento de 8,4 milhões de meninas e meninos no período de 2016 a 2020. Outros 8,9 milhões correm o risco de ser vítima dessa exploração até o ano que vem. Assim, os dados dos últimos cinco anos sobre o trabalho infantil revertem a tendência de queda verificada de 2000 a 2016, quando havia diminuído em 94 milhões.
No mundo, a pandemia é uma das principais causas desse agravamento, mas não se pode aferir isso ao Brasil, que não fornece dados desde 2018. Entretanto, o país já apresentava, então, em razão do abandono de políticas sociais e do desemprego geral, quase 2 milhões de crianças e adolescentes em situação de trabalho indevido.
Há um aumento significativo no número de crianças de 5 a 11 anos em situação de trabalho infantil, que corresponde a mais da metade do total global. Outro alerta do relatório é o número de crianças e adolescentes de 5 a 17 anos em trabalhos perigosos, que põem em risco sua saúde e segurança: chegou a 79 milhões. Eram 6,5 milhões de 2016 a 2020. Para o diretor-geral da OIT, Guy Ryder, os dados são um alerta: “Não podemos ficar parados enquanto uma nova geração de crianças é colocada em risco”, diz. “A proteção social inclusiva permite que as famílias mantenham suas crianças e seus adolescentes na escola, mesmo em casos de dificuldades econômicas.”
Cerca de 28% das crianças de 5 a 11 anos e 35% dos meninos e meninas de 12 a 14 anos em situação de trabalho infantil estão fora da escola.
Nos países da África ao sul do Saara, são mais 16,6 milhões de crianças e adolescentes no trabalho nos últimos quatro anos. As principais causas são o crescimento populacional, crises recorrentes, pobreza extrema e medidas de proteção social inadequadas. Mas em regiões em situações levemente melhor, como Ásia, Pacífico, América Latina e Caribe, a causa é a pandemia de covid-19.
A situação deve piorar no próximo ano. A pandemia de covid-19 pode empurrar mais 8,9 milhões de crianças e adolescentes para o trabalho infantil. Para a OIT e Unicef, choques econômicos adicionais e fechamentos de escolas indicam que crianças e adolescentes já estejam em situação de trabalho. E devido à perda de emprego e renda de suas famílias, podem estar trabalhando mais horas ou em condições ainda piores.
Na agricultura estão 70% das crianças e dos adolescentes em situação de trabalho infantil (112 milhões), seguido de 20% pelo setor de serviços (31,4 milhões) e 10% na indústria (16,5 milhões). A prevalência de trabalho infantil nas áreas rurais (14%) é quase três vezes maior do que nas áreas urbanas (5%).
O trabalho infantil prevalece entre meninos em todas as idades. Exceto quando se leva em consideração tarefas domésticas por pelo menos 21 horas por semana.
O relatório da OIT/Unicef não incluem dados do Brasil, já que o governo não os divulga desde 2018. Mas dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domícilios Contínua (Pnad/IBGE) referentes a 2019 apontam 1,758 milhão de crianças e adolescentes de 5 a 17 anos em situação de trabalho infantil. Desse total, 66,1% eram pretos ou pardos. O dado exclui adolescentes que trabalhavam de forma legal, por meio de contrato de aprendizagem.
Dados coletados pelo Unicef em São Paulo apontam para o agravamento da situação durante a pandemia. Um levantamento de dados sobre a situação de renda e trabalho com 52.744 famílias vulneráveis de diferentes regiões de São Paulo, que receberam doações da organização e seus parceiros. Entre os dados levantados de abril a julho de 2020, o órgão identificou a intensificação do trabalho infantil, com aumento de 26% entre as famílias entrevistadas em maio, comparadas às entrevistadas em julho.
Crianças e adolescentes em situação de trabalho infantil correm risco de danos físicos, mentais e sociais. Têm educação comprometida e direitos restringidos, limitando oportunidades futuras.
“Temos de desmistificar que é melhor que a criança esteja trabalhando do que roubando. Para muitas crianças, o trabalho é a porta de entrada para a criminalidade, uso de drogas, tráfico e exploração sexual. Há o aliciamento para as drogas, o tráfico, a exploração. Por isso o trabalho infantil e a situação de rua são extremamente perniciosos”, disse Ariel de Castro Alves, advogado, especialista em direitos humanos pela PUC- SP.
”Temos também que lembrar que o trabalhador infantil de hoje será o subempregado, desempregado de amanhã. Precisamos de gente altamente qualificada para um mercado de trabalho exigente. Se a classe média pode ir para o mercado depois de uma pós graduação, porque a criança pobre não pode estudar? Precisamos sensibilizar a sociedade para esse tema.”
Integrante do Instituto Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, o ex-conselheiro do Conanda (Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente), participou nesta terça-feira (9) de live de lançamento do livro Meninos Malabares (Panda Books).
Vítimas da exploração do trabalho
De autoria dos jornalistas Bruna Ribeiro e Tiago Queiroz Luciano, a obra conta a história de dez meninos e meninas vitimas da exploração do trabalho infantil. Nos semáforos, cemitérios, lanchonetes ou no campo, tentam sobreviver ganhando seu próprio dinheiro para se alimentar ou ajudar suas famílias.
Lembrando que o trabalho infantil, a exclusão escolar e a falta de programas sociais já existiam antes da pandemia, Bruna defendeu políticas intersetoriais, em diversas frentes, para erradicá-lo.
“Para o enfrentamento dessa mazela, precisamos de moradia digna para as pessoas, educação, emprego para os pais. Uma das consequências do trabalho infantil é a reprodução do ciclo da pobreza, tem raízes profundas no Brasil, na escravização negra. Tanto que todos os personagens do livro são crianças negras”, disse.
E foi além: “Quando a gente reproduz os mitos do trabalho infantil tem de pensar bem. Pra quem a gente está defendendo trabalho infantil? Pros filhos da classe média e alta? A gente faz uma distinção entre crianças e menores. Quem são as nossas crianças? E nossos menores?”, questionou, referindo-se a uma manchete de jornal emblemática: “Adolescente é assaltado por menor”
Fonte: RBA
Texto: Cida de Oliveira
Data original da publicação: 12/06/2021