Resumo: |
A discussão da experiência de trabalho nas fábricas, tendo já nos exigido pesquisas em grau de iniciação científica e de mestrado, segue sendo nosso alvo neste doutorado. Realizamos no mestrado uma pesquisa em regime de observação participante numa fábrica metalúrgica de pequeno porte em Diadema/SP. O pesquisador, durante dois anos e meio, trabalhou um dia por semana como ajudante geral, procurando, ao lado dos operários, recolher os acontecimentos e as conversas que, ali, melhor exprimiam a experiência do trabalho. Quanto era empobrecedora ou enriquecedora a experiência psicossocial do trabalho? Quando as condições de trabalho, ao mesmo tempo materiais e psicológicas, mostravam-se geradoras de humilhações, como eram enfrentadas pelos trabalhadores? Registramos e discutimos: as habilidades exigidas na realização das atividades fabris; o modo como o trabalho operário abrigava ou prejudicava a atenção, a imaginação, a memória e o pensamento do trabalhador; o relacionamento dos trabalhadores entre si, com as máquinas, as ferramentas e as chamadas peças de trabalho (a matéria-prima e os produtos do trabalho). Os resultados apresentam o trabalho fabril ainda hoje relacionado ao fenômeno descrito por Simone Weil como desenraizamento. E apresentam trabalhadores resistentes, bem e mal sucedidos em sua resistência, buscando proteger seu corpo e espírito do aviltamento físico e moral. Observamos que as iniciativas em favor de uma outra organização das tarefas fabris eram simples e incipientes (manejos alternativos e menos lesivos das peças, máquinas e instrumentos; a troca de ajuda e o companheirismo nas operações; a conversa que alivia a monotonia e o vazio das atividades muito mecânicas). Sem mediações sindicais ou quaisquer outras capazes de formar um poder operário e alcançar mudanças estruturais, essas iniciativas eram suficientes para indicar a contínua necessidade de uma outra ordem de trabalho e de sentido do trabalho. Na pesquisa atual, elaboramos um roteiro de assuntos (temas e questões) com base na experiência de campo. Realizamos entrevistas de longa duração com o intuito de permitir que os próprios trabalhadores lembrem e que, lembrando, discutam os assuntos propostos. O que se pretende é alcançar a maneira pela qual vivem e significam a condição operária, com atenção para as experiências de trabalho no contexto das recentes transformações da organização produtiva. Entrevistamos nove depoentes, nove operários metalúrgicos que trabalham ou trabalharam recentemente em diferentes fábricas da região do ABC paulista. Dois deles são ligados à fábrica em que se inseriu e trabalhou o próprio pesquisador: uma fábrica de pequeno porte que atende encomendas de fábricas maiores. Os outros são trabalhadores de diferentes fábricas de médio e grande porte do ABC paulista e onde a presença da organização sindical é importante. Esta diversidade dos depoentes em relação aos locais de trabalho permitirá um julgamento especial: o tamanho da fábrica e a tecnologia incorporada à organização modificam os traços fundamentais da experiência de trabalho nas fábricas? Esta discussão permitirá uma contribuição no debate sobre as transformações da organização do trabalho fabril, a reestruturação produtiva, e seus efeitos sobre a vida dos trabalhadores. Simone Weil (1996), seus diários de fábrica e, mais largamente, o conjunto de sua obra escrita, seguem sendo uma referência-chave para esta investigação: a autora sustenta que o problema operário nuclear é o impedimento de participação na organização do trabalho, a separação entre planejamento e execução das atividades, a aceleração e automatização das operações, o isolamento dos trabalhadores, o rompimento de relação com o passado e o futuro, a humilhação de uma vida continuamente realizada sob comando e como instrumento da produção; sustenta também que a humilhação operária nunca fica sem resposta. A tese que defendemos é que a organização capitalista do trabalho representa um golpe contra a necessidade de enraizamento e está necessariamente ligada a uma situação de humilhação social. |