O Ministério da Economia divulgou nesta quarta-feira (26/05) os dados de criação de vagas com carteira de trabalho assinada para o mês de abril. Segundo o Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados), foram abertas 120,9 mil vagas formais naquele mês.
O saldo mensal foi o menor do ano de 2021, após a abertura de 261 mil vagas em janeiro, 398 mil em fevereiro e 177 mil em março. Ainda assim, o resultado foi considerado positivo pelos analistas, em um mês que foi marcado por uma piora significativa da pandemia no país, com o endurecimento das medidas de distanciamento social em diversos Estados e municípios.
Também representa um resultado significativamente melhor do que aquele registrado em abril de 2020, quando quase 964 mil vagas foram fechadas num único mês, sob o impacto da primeira onda do coronavírus no Brasil.
O Caged tem sofrido uma série de críticas de analistas do mercado de trabalho, desde que sofreu uma mudança de metodologia no ano passado que tem dificultado a interpretação dos dados de emprego, o que é agravado pela situação sem precedentes da pandemia.
Em meio a esse momento delicado, o Ministério da Economia divulgou nesta quarta-feira um slide equivocado, que mostrava que o saldo de empregos entre janeiro e abril deste ano teria sido superior a todos os anos anteriores, incluindo 2010, quando o PIB (Produto Interno Bruto) brasileiro cresceu 7,5%.
Minutos depois, a pasta corrigiu a informação, explicando que, no slide errado, os dados anteriores a 2020 estavam considerando apenas o período de janeiro a março, sem incluir abril.
Ainda assim, o saldo acumulado em 2021 é de 957,9 mil vagas, superando todos os anos anteriores, à exceção de 2010, quando foram criados 1,05 milhão de empregos com carteira entre janeiro e abril, conforme o slide corrigido divulgado pelo Ministério da Economia.
Segundo economistas ouvidos pela BBC News Brasil, o erro contribui para o ambiente de desconfiança com relação aos dados de emprego, que foi agravado ainda por erros de comunicação do governo, que no início do ano divulgou os saldos mensais do Caged como “recordes históricos”, embora os dados gerados sob a nova metodologia não possam ser comparados com aqueles anteriores à mudança, já que são diferentes.
Os analistas não acreditam que há intenção do governo de manipular as estatísticas ou enganar a população, mas alguns deles avaliam que o governo poderia ter sido mais claro na comunicação, evitando uma confusão desnecessária.
Em coletiva de imprensa nesta quarta-feira, o secretário especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia, Bruno Bianco, voltou a defender a qualidade dos dados do Novo Caged.
“Não existe um ‘apagão’ [das estatísticas de emprego], muito pelo contrário. Acho que nunca tivemos dados tão consistentes sobre o mercado de trabalho e nunca tivemos dados tão bons, ainda que numa pandemia”, disse Bianco.
“Os dados bons levam os críticos a buscarem desqualificar o meio, e não os dados, porque não dá para desqualificar um dado bom”, concluiu o secretário.
Mudança de metodologia do Caged
No início de 2020, o Caged deixou de ser divulgado durante quatro meses, entre fevereiro e maio daquele ano.
Esse hiato, bem no início dos efeitos da pandemia no Brasil, aconteceu devido a uma mudança na metodologia de coleta dos dados.
Antes, a prestação de contas pelas empresas ao Ministério da Economia era feita por um sistema próprio do Caged. Com a mudança, ela passou a ser feita através do eSocial (Sistema de Escrituração Fiscal Digital das Obrigações Fiscais, Previdenciárias e Trabalhistas).
Após a alteração, o Ministério da Economia identificou um problema de subnotificação dos desligamentos, o que poderia inflar artificialmente o saldo de empregos — que é calculado pela diferença entre o número de admitidos e desligados a cada mês.
A pasta diz que o problema foi solucionado com uso de dados do sistema Empregador WEB, utilizado para solicitação de seguro-desemprego de trabalhadores demitidos.
A nova metodologia, no entanto, também mudou o universo de trabalhadores abrangido pelo Caged. No Novo Caged, os trabalhadores temporários agora são de preenchimento obrigatório pelas empresas e não mais opcional, como ocorria até dezembro de 2019.
Além disso, segundo nota técnica publicada pelo Ministério da Economia, categorias que antes não eram consideradas como emprego formal passaram a entrar na conta, como os bolsistas.
O Caged de abril e os problemas de comunicação do governo
Os analistas são unânimes na avaliação de que o saldo de mais de 120 mil vagas formais criadas em abril é um dado positivo, diante da grave situação da pandemia aquele mês.
“Foi um bom resultado. Março e abril foram meses em que houve mais restrições na economia brasileira, por conta do recrudescimento da pandemia, então em algum momento chegou-se a achar que a situação seria pior”, observa Bruno Ottoni, pesquisador da consultoria iDados.
Ottoni é um dos analistas que vêm reiteradamente apontando o equívoco do governo em comparar os dados do Novo Caged com aqueles anteriores a 2020, antes da mudança de metodologia.
Segundo o analista, o erro cometido nesta quarta pelo Ministério da Economia, embora rapidamente corrigido e explicado pela pasta, contribui para o clima de desconfiança com relação aos indicadores de emprego, que já havia sido alimentado pelo equívoco de comunicação do governo, ao comparar dados que não podem ser comparados.
“Certamente esse tipo de erro não ajuda em nada”, diz Ottoni. “Houve uma mudança grande no indicador, ainda estamos aprendendo a analisar esse novo dado, o que está prejudicando muito para uma boa parte dos analistas projetar e interpretar o que está acontecendo.”
Diversos economistas têm chamado atenção para um descolamento dos dados do Novo Caged com relação a indicadores de atividade como o PIB e o IBC-Br (Índice de Atividade Econômica do Banco Central), espécie de “prévia do PIB” divulgada mensalmente pela autoridade monetária.
Ottoni avalia que a mudança de metodologia afetou a correlação dos dados do Novo Caged com os indicadores de atividade. Mas também acredita que a explicação do governo para a diferença — de que seria um efeito do BEm (Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda, que possibilitou o corte de jornadas e salários do trabalhadores em meio à pandemia) — parece ser insuficiente para explicar o grande descolamento dos dados.
“A diferença é tão grande que é difícil achar que aquilo tudo tem a ver apenas com o BEm, parece que de fato houve alguma mudança na relação entre as demais variáveis do mercado de trabalho e o saldo do Caged”, observa. “Isso não é necessariamente bom ou ruim, mas certamente prejudica a interpretação.”
Segundo economistas, a dificuldade em avaliar quão aquecido de fato está o mercado de trabalho prejudica a elaboração de políticas públicas de resposta ao desemprego.
Além disso, sem dados precisos sobre o nível de ociosidade da economia, os analistas têm dificuldade para projetar a inflação e os juros futuros no país e o Banco Central tem problemas para calibrar a política monetária — uma taxa básica de juros mal calibrada pode afetar negativamente o desempenho da atividade econômica.
Problemas na Pnad do IBGE e novo indicador de emprego do Itaú
A dificuldade de avaliar o que está acontecendo de fato no mercado de trabalho nesse momento é agravada porque a Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) Contínua do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) — pesquisa domiciliar que revela a taxa de desemprego oficial do país — também enfrenta problemas.
Com a mudança da coleta da pesquisa no ano passado, de presencial para por telefone devido à pandemia, a taxa de não resposta ao IBGE aumentou. E esse efeito provocou uma subestimação do emprego formal nos dados da Pnad, porque, por algum motivo que ainda não está claro, as pessoas que continuaram a responder têm uma maior tendência a terem emprego informal.
Diante dos problemas nos dois principais indicadores do mercado de trabalho brasileiro, o Itaú lançou no início de maio um indicador próprio de emprego (IDAT-Emprego), com base nas folhas de pagamento de salários das empresas que têm conta no banco — que são muitas, já que o Itaú é o maior banco privado do país.
“Nosso indicador também está mostrando uma recuperação importante do mercado de trabalho”, relata Luka Barbosa, economista do Itaú. “Não tão forte quanto o Caged indica, mas não tão fraca quanto a Pnad, que mostra uma estagnação do emprego formal.”
Conforme Barbosa, esse resultado é condizente com a recuperação da atividade que vem acontecendo neste início de ano, apesar da piora da pandemia.
Conforme o IBC-Br, a atividade econômica avançou 2,3% no primeiro trimestre, em relação ao trimestre anterior, um resultado bem melhor do que o esperado pela maioria dos analistas, o que levou muitos deles a revisar para cima suas projeções para o PIB do Brasil em 2021.
No último Boletim Focus do Banco Central, divulgado na segunda-feira (24/05), a expectativa mediana dos analistas para o crescimento do PIB esse ano estava em 3,52%, comparado a 3,02% em meados de abril, quando as estimativas atingiram o ponto mais pessimista do ano.
Segundo o analista do Itaú, o bom desempenho da economia brasileira neste início de ano está relacionado à recuperação da atividade mundial e ao aumento de preços das commodities, principais itens da pauta de exportação brasileira.
“O mundo está crescendo forte — os Estados Unidos, principalmente, mas também a Ásia. Isso está puxando os preços das commodities para cima. Essa alta de preços sempre beneficiou o Brasil e, desta vez, não foi diferente”, diz Barbosa.
Outros fatores que contribuem para o bom desempenho da economia, segundo o analista, foi a elevada geração de poupança no país ao longo de 2020, que ajudou a compensar a redução da massa de rendimentos gerada pela diminuição do auxílio emergencial.
Além disso, a indústria nacional fechou o ano passado com estoques muito baixos. “A produção industrial se manteve em patamares bem sustentados neste início de ano, apesar da desaceleração da demanda, por causa do ciclo de reposição de estoques”, destaca Barbosa.
‘Uma questão conjuntural, que deve ser resolvida’
Unânimes na percepção de que os dados de emprego formal de abril foram positivos, os economistas também concordam na avaliação de que o governo não está tentando manipular os dados do Caged para mostrar um quadro melhor do que a realidade.
Eles têm avaliações distintas, porém, quanto à qualidade da comunicação desses dados pelo Ministério da Economia.
“Eu não diria que há uma manipulação. O IBGE e o Ministério da Economia contam com equipes técnicas de alta qualidade e, se esses dados de fato não estão exibindo fidedignamente a realidade é muito por conta das dificuldades que a pandemia impôs às pesquisas e à mudança de metodologia recente”, afirma Lucas Assis, analista de mercado de trabalho da Tendências Consultoria.
“É mais uma questão conjuntural, que deve ser resolvida em breve.”
Bruno Ottoni, da iDados, vê como descabidas comparações entre os problemas atuais das estatísticas brasileiras de emprego e a grave situação de manipulação de dados na Argentina da Era Kirchner — um paralelo que tem sido feito nas redes sociais.
“Isso é um exagero, não me parece haver nada nesse sentido”, diz Ottoni.
Ele avalia, porém, que o governo poderia ter sido mais transparente ao comunicar a mudança metodológica e deveria ter evitado a comparação entre os dados gerados pelas diferentes metodologias, como fez no início do ano.
Além disso, Ottoni acredita que o Ministério da Economia poderia ter feito um processo de transição mais suave entre as duas séries do Caged, com um período de coexistência entre o antigo e o novo indicador, que permitiria aos analistas, imprensa e população em geral avaliar melhor a diferença entre os dois dados.
Luka Barbosa, do Itaú, discorda da avaliação de Ottoni de que o governo falhou na comunicação do Novo Caged. “Eles estão fazendo um bom trabalho de mostrar e discutir as alterações metodológicas”, acredita o analista do Itaú.
O banco avalia que a economia e o emprego devem manter nos próximos meses a trajetória de recuperação, projetando uma alta de 4% do PIB em 2021 e uma taxa de desemprego caindo a 12,7% no fim do ano, após chegar a 14,4% em fevereiro, mês em que o país somava 14,4 milhões de desocupados.
Fonte: BBC News Brasil
Texto: Thais Carrança
Data original da publicação: 27/05/2021