No contexto do Estados Unidos, há não só uma polarização entre o topo e a base do espectro econômico, mas uma bifurcação na própria base, com algumas pessoas trabalhando por mais horas do que nunca e outras cada vez mais desconectadas da força de trabalho por completo.
Meagan Day
Fonte: Jacobin
Tradução: DMT
Data original da publicação: 05/03/2018
Um novo relatório mostra que os americanos estão trabalhando durante mais horas – ainda que milhões não consigam encontrar emprego de forma alguma.
Nos últimos 45 anos, a produtividade econômica americana aumentou, enquanto a hora de trabalho esteve estagnada. Produtividade mais alta significa, obviamente, mais riqueza, mas os trabalhadores não vêem uma fatia proporcional dessa riqueza – executivos e acionistas a mantém para si mesmos.
A força de trabalho estadunidense é quase 75% mais produtiva do que em 1973, mas paga praticamente o mesmo por hora. Esse fato é central para entender a acentuada desigualdade econômica.
Porém, há outra dimensão da história: a remuneração por hora de trabalho paralisou, mas os ganhos anuais subiram. Como apresentado em um novo relatório do Economic Policy Institute, há apenas uma explicação para isso: muitas pessoas estão trabalhando horas demais. Em particular, aqueles que ganham menos e que possuem as condições de trabalho mais precárias são os que viram um aumento maior em suas horas de trabalho. O relatório indica que 20% dos assalariados com os menores salários-mínimos aumentaram suas horas de trabalho anuais em aproximadamente 24,3% desde 1979. No mais alto quintil, o número aumentou apenas 3,6%.
Há algumas diferentes formas de olhar para isso. Cada uma delas é provavelmente precisa para certos grupos e imprecisas para outros. Por um lado, a estatística apresenta um cenário com trabalhadores sofrendo ao lidar com débitos e despesas, o que leva a trabalhar mais e mais apenas para manter tudo estável, especialmente quando os benefícios e serviços governamentais se deterioram, e os subsídios sociais declinam. Por outro, vemos evidências de que alguns grupos que anteriormente eram eliminados da força de trabalho, estão fazendo grandes incursões laborais. A hora de trabalho feminina, por exemplo, aumentou muito mais do que a masculina, e muito dessa diferença é contabilizada por semanas trabalhadas por ano em vez de horas semanais, o que indica um trabalho mais estável. Alguns trabalhadores podem estar compensando o fato de que estão tendo dificuldades para equilibrar o orçamento, enquanto outros podem finalmente estar conseguindo oportunidades de trabalho em um mercado que antes era negado a eles.
Podemos também imaginar uma combinação dos dois: por exemplo, mulheres negras viram um aumento significativo nas horas trabalhadas durante o final dos anos 1990, uma época marcada por uma demanda laboral incomum – mas também pelo impacto da reforma de bem-estar social realizada pelo governo Clinton, o que as prejudicou de forma desproporcional.
Um estreito mercado de trabalho e umas poucas práticas de contratação mais justas significaram grandes oportunidades para essas mulheres – mas, ao mesmo tempo, a deterioração da segurança social criou uma necessidade maior de ir atrás dessas oportunidades.
Ainda que as circunstâncias individuais de trabalho variem, o resultado é que os trabalhadores assalariados americanos estão trabalhando muito mais do que em qualquer momento recente da história, particularmente na base da escala de rendimentos. Infelizmente, essa é apenas parte da história. A pesquisa também demonstra que enquanto pessoas que trabalham o fazem com maior intensidade, mais e mais pessoas estão sendo eliminadas do mercado. O autor do relatório explica:
Ao passo que a desigualdade salarial cresceu ao longo das últimas quatro décadas, nós observamos duas reações muito diferentes quando se trata de horas de trabalho. Por um lado, trabalhadores estão trabalhando muito mais horas por ano, talvez em parte para compensar um crescimento fraco – e, em alguns casos, em declínio – da remuneração por hora. Por outro lado, um crescente número de trabalhadores têm se desconectado da força de trabalho, os quais nós mensuramos como indivíduos sem qualquer trabalho durante o curso de um ano inteiro.
O desfecho é que algumas pessoas estão sendo atraídas para a força de trabalho e trabalhando mais horas, enquanto outras estão sendo empurradas para fora. As mulheres abrangem uma grande porcentagem dos primeiros e os homens uma grande parcela dos últimos. Mas uma importante tendência complica qualquer explicação que se baseia somente no gênero: a participação da força de trabalho feminina estabilizou-se no fim dos anos 90, e a parcela de mulheres desempregadas na faixa etária de 25-54 anos vem crescendo quase na mesma velocidade do que os homens desde a crise de 29. Ou seja, as mulheres também estão cada vez mais vulneráveis ao binarismo do trabalho-extenuante/trabalho-insuficiente.
Sejam quais forem as razões específicas para a distribuição demográfica, o relatório deixa um ponto muito claro: não estamos apenas experienciando uma polarização entre o topo e a base do espectro econômico. Também estamos vendo uma bifurcação na própria base, com algumas pessoas trabalhando por mais horas do que nunca e outras cada vez mais desconectadas da força de trabalho por completo. Em vez de se ter acesso a trabalhos estáveis, viáveis e bem pagos, a classe trabalhadora se confronta com duas opções pouco atraentes: nesta economia ou você esgota-se ou é eliminado.
Meagan Day faz parte da equipe de redação do Jacobin.