Está na hora dos trabalhadores e toda sociedade brasileira castigada acertarem as contas com as mineradoras.
Márcio Zonta
Fonte: Brasil de Fato
Data original da publicação: 01/05/2020
Os trabalhadores e trabalhadoras da mineração no Brasil são uma massa que sempre esteve no cerne da espoliação do capitalismo.
O capitalismo não vive sem a mineração: nasceu ajudado por essa atividade milenar. Esperamos, morrerá também ajudado por ela, embora sejam unha e carne nesse tempo histórico.
Por isso, a dramaticidade do ser operário da mineração desde o seu nascedouro. Sempre castigado! Os africanos que foram trazidos para o Brasil, exímios mineradores das regiões da África, como os sudaneses, angolenses e congos do grupo Banto foram os primeiros a implantar a engenharia de minas do Brasil.
O elemento europeu português, como menciona Caio Prado Junior em seus estudos da economia colonial brasileira, destruía toda forma de ferramenta de auxilio elaborada pelo próprio minerador africano.
Esse trabalhador africano minerava para que o ouro extraído por ele fosse enviado para a nascente indústria inglesa, que explorava o camponês transformado brutalmente em operário para trabalhar nas fábricas da Inglaterra.
Propiciou e garantiu o trabalho escravo, portanto, a chamada acumulação primitiva do capital, necessária para o rompimento das relações feudais na Europa para que triunfasse o capital.
As condições de trabalho nesse período, todos já sabem: a mais horrenda possível, desde o controle coercitivo e violento nas minas que açoitavam os africanos ao bel prazer dos colonizadores como modo disciplinador tanto corporal, quanto cultural. A violência é a regra. E o trabalho exaustivo nas minas levava a exaustão da vida desses trabalhadores em menos de seis anos.
Entre meados do século 19 e o início do 20, os ingleses, que em grande medida foram beneficiados pelo ouro exaurido no Brasil, passaram a ser, então, os mandantes da mineração no Brasil, iniciando um processo de trabalho com mais incremento engenhoso na operação das minas em Minas Gerais.
Entretanto, o soterramento das minas é uma constante. Nesse momento da história se registra os mais cruéis acidentes de trabalho da mineração. Em 1844 na Mina de Cata Blanca, em Itabirito (MG), um desabamento da galeria de uma mina de ouro matou dezenas de operários.
Dias depois do acidente, conforme as vozes que ainda escoavam dos escombros desabados, foi tomada a decisão de desviar um curso de água e matar todos os sobreviventes afogados.
Nascimento da Vale
Na sequência histórica, assegurado pelos acordos perniciosos de Washington, o Brasil pariu em junho de 1942 a Companhia Vale do Rio Doce, para que essa “desaparece”, como frisou o poeta antimineirador Carlos Drummond de Andrade, com as montanhas de Itabira- MG e prover matéria prima para a indústria bélica estadunidense e inglesa.
Que triste sina da Vale, nasceu para a morte e assim continua até hoje. Mas e os trabalhadores da Vale do Rio Doce? Esses operavam com pás, enxadas e picaretas, transportando inicialmente o minério em lombos de burros. A tecnologia era mínima, e a engenharia de minas, precária. Burro e homem aí, exerciam quase a mesma função.
Quase dez anos depois do nascimento da Vale, na década de 1950, mais uma vez a mineração brasileira, nesse crescimento desigual e combinado com os centros econômicos mundiais, foi determinante.
A Serra do Navio, hoje um município do Amapá, teve sua montanha, que deu origem ao seu nome enviada in natura com manganês para Detroit EUA, conhecida naquele momento como a capital mundial do carro, financiada pela empresa norte americana Bethlehem Steel.
Os carros transformados pela indústria estadunidense nunca foram utilizados pelos operários que rasgaram a selva para acessar o subsolo e depois romperam as entranhas da terra para tirar o material das formas mais rudes possíveis na inauguração da mineração empresarial na Amazônia brasileira.
Eles viviam em alojamentos precários e insalubres quando da implantação do projeto, e depois passaram a viver nas zonas urbanas construídas no meio da floresta, sob domínio exercido pela mineradora norte americana em suas relações sociais, método utilizado mais tarde pela Vale em Carajás (PA).
Tanto Detroit como a Serra do Navio, não gozam dos prestígios de outrora. Uma assiste a debanda da das montadoras de carros e a outra, com o fim do minério exaurido em 30 anos, é apenas uma cidadela fantasma.
Até aqui nenhuma movimentação dos bens minerais do subsolo brasileiro respondia a uma estratégia interna, por isso um elemento estranho e estrangeiro na vida social e econômica do país.
O modus neoliberal
Descobrimos na fase neoliberal da mineração, a partir dos anos 1990, que o castigo é estrutural no cotidiano dos trabalhadores e trabalhadoras da mineração e segue um padrão de violência, inalterado, somente mais sofisticado.
E o pensamento da direita segue intacto na ideologia mineral brasileira desse período. No mundo, só para fazer mais um paralelo com o Brasil, é o momento da tentativa de controle pleno sobre os bens minerais pelos EUA, ai já prevendo, talvez a disputa com a avalanche chinesa que se materializou nas décadas seguintes.
Em 1992, o Banco Mundial lança uma cartilha para o continente africano chamada Estratégia para a Mineração Africana.
Nela, três pontos chamam a atenção: 1. Automatização das minas (com compra de maquinário estrangeiro); 2. Baixa taxação dos bens minerais, bem como de isenção fiscal para o ente minerador estrangeiro; 3. Aumento do ritmo de extração mineral, visando o aumento das exportações para geração de dividendos.
Em nenhum momento, o documento cita a geração de empregos nesses países como premissa da mineração.
O que isso tem de similar no Brasil? É que esse método implantado inicialmente na África foi investido nos demais centros minerados. Tivemos a privatização da Vale, a implantação da Lei Kandir, como isenção para mineradoras, que sequestrou a renda pública mineral para o capital privado.
Temos a Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (CFEM) uma taxa a ser paga ao estado pelas mineradoras, que está entre as mais baixas do mundo.
No que concerne ao trabalhista, o mundo do trabalho sofreu uma colossal restruturação produtiva, com automatização nas minas. Hoje, de uma cabine, um trabalhador pode operar por controle remoto até seis caminhões dentro das minas.
Robôs já fazem o trabalho de prospecção minerais em florestas e cavernas. E conforme se orgulha o Instituto Brasileiro de Mineração (IBRA), até 2022 estima-se trocar 50% dos trabalhadores da mineração por maquinas.
As grandiosas minas do Brasil, como o projeto S11D no Pará, o maior de minério de ferro do mundo, opera com somente dois mil e quinhentos trabalhadores. Na sua fase de implantação teve 11 mil pessoas, que depois de um ano ficaram desempregados alimentando ainda mais os índices de miseráveis nas franjas dos projetos amazônicos.
A terceirização explodiu na mineração. De um milhão de trabalhadores formais na mineração no Brasil, 80% é terceirizado atualmente, segundo dados do Plano Nacional de Mineração do Ministério de Minas e Energia.
E agora José?
A partir da segunda década dos anos 2000, o volume de mineração atinge picos colossais. Só a Vale, que organiza o ideário da mineração brasileira, extrai em seus dois principais polos, Minas Gerais e Pará, mais de 400 milhões de toneladas métricas de minério de ferro anualmente, sem falar dos outros minerais.
A financeirização extrema, premissa neoliberal, a disputa geopolítica internacional pela revolução tecnológica em curso, o crescimento chinês, dentre outras questões, alavancou o ritmo de extração mineral alinhado ao ataque ao sistema trabalhista no setor, elevando seus trabalhadores aos piores índices de mortes e acidentes.
Os crimes da Vale em Mariana e Brumadinho são exemplares, são mais de 300 trabalhadores (as) aniquiladas pela mineradora, a empresa que mais distribui dividendos a acionistas no mundo.
Segundo dados do Anuário Estatístico de Acidente de Trabalho (AET) de 2016, da Secretaria da Previdência, o setor mineral brasileiro mata 3 vezes mais do que qualquer outro setor em atividade no país.
A taxa de óbito para todas as atividades naquele ano foi de 5,57 para cada grupo de cem mil empregados formais no Brasil. Já na mineração, essa taxa foi de 14,81 mortes.
Um estudo da Organização Internacional do Trabalho (OIT) – diga-se de passagem, dados subnotificados – aponta que a mineração brasileira provocou de 2012 a 2018, o numero de 37.478 mil acidentes de trabalho, o que equivale a uma média semanal de 100 trabalhadores.
Parte desses trabalhadores (as) teve que se aposentar por invalidez e outra parcela considerável foi a óbito.
Isso sem contabilizar os garimpeiros nos garimpos que explodiram na Amazônia: mais de mil pontos irregulares surgiram nos últimos anos. Sem contar as dezenas de trabalhos análogos à escravidão nas carvoarias no Pará e no Maranhão na cadeia do ferro de Carajás, que entrou em declínio, mas segue operando.
Covid-19, a sequência do castigo
Por fim, é necessário entender que a mineração, engendrada pela ideologia neoliberal de direita no país, se desloca cada vez mais para o pensamento da extrema direita e com ela se associa em suas formas de poder político, e consequentemente, territorial.
Na última terça-feira (28), às vésperas do dia do trabalhador (a), o presidente Jair Bolsonaro, sancionou através de um decreto a exploração mineral no país como essencial e, portanto, ininterrupta em plena pandemia da covid-19.
No mesmo dia, um levantamento realizado pela Fiocruz, mostrava que nos 20 municípios com maior exploração mineral no Brasil já havia 253 casos confirmados da doença e 16 mortes. Na mesma hora, a mineradora Vale, comemorando, divulgava lucro de 239 milhões de dólares alcançado no primeiro trimestre de 2020.
Está na hora dos trabalhadores e trabalhadoras da mineração e toda sociedade brasileira castigada, acertarem as contas com as mineradoras nesse país.