Diversos anos depois da legalização da maconha medicinal, Illinois legalizou seu uso recreativo em 1 de janeiro de 2020. Os negócios têm explodido: somente em 2020, as vendas de maconha em Illinois chegaram a 1 bilhão de dólares.
Como tende a acontecer no capitalismo, muito pouco desse dinheiro retornou para os trabalhadores que realmente criaram o lucro. Trabalhadores da Windy City Cannabis alegaram que a inexistência de uma compensação adequada e proteção em meio à uma pandemia, sendo uma indústria tão lucrativa, os levou a se organizarem com a United Food and Commercial Workers (União Alimentícia e dos Trabalhadores Comerciais/UFCW) Local 881. A UFCW tem liderado a mudança organizada dos profissionais da cannabis, agora representando dezenas de milhares por todo o país.
O colaborador da Jacobin, Karl Leffme, entrevistou Jake Lytle, um especialista do produto na Windy City Cannabis, acerca de sua unidade, como é trabalhar e se unir na indústria da maconha e porque os sindicatos são necessários para a segurança e proteção de qualquer trabalhador.
Você pode dar um panorama da linha do tempo no processo de organização de seus colegas?
No começo do ano, nós tínhamos uma clara maioria de cartões sindicais assinados, então decidimos publicar a nossa campanha. Recentemente, a companhia tentou nos impedir de fazer um eleição por e-mail, o que pensamos ser o melhor, em decorrência da COVID-19. Depois de levar o ocorrido para o Conselho Nacional das Relações Laborais, nós ganhamos a sentença em nosso favor e procedemos com a eleição por e-mail. As cédulas serão enviadas a todos no dia 25 de fevereiro, e teremos até o fim de março para responder. Assim que tivermos feito isso, se a maioria votar sim para se juntar à UFCW, vamos começar nosso primeiro contrato sindical com a companhia.
O que catalisou os esforços de organização na sua loja?
Windy City Cannabis era originalmente de uma corporação chamada Grassroots, que operava três dispensários medicinais nos subúrbios sulista de Chicago. Por causa de suas raízes na maconha medicinal, eles eram obrigados a assegurar uma licença para abrir a loja na Weed Street em Chicago para um dispensário recreativo. Nós abrimos nossas portas em 1 de julho.
No começo, nós não operávamos na capacidade máxima, usávamos apenas uma parte pequena do prédio que costumava ser um restaurante. Em outubro, nós esperávamos ter uma operação funcional no dispensário, onde nós não teríamos que fazer coisas como atender pedidos não agendados fora da loja, no pátio, com um inverno rigoroso.
Em setembro, Grassroots foi comprada por uma marca nacional de canabis, a Curaleaf. Curaleaf é a maior companhia de maconha nos Estados Unidos, operando em 90 dispensários, medicinais e recreativos, em mais de 12 estados. Isso foi uma questão de preocupação, ser comprado por uma corporação tão poderosa sem saber o que esperar do trabalho em uma indústria nova. Tem espaço para aprimoramentos? O que são tabelas salariais? Tem benefícios?
Desde o começo, existia uma falta de comunicação dos superiores no que as aquisições significariam para nós trabalhadores, o dispensário, e planos potenciais para expansão.
Com a aproximação dos meses de inverno chegando, nós tínhamos perguntas sobre como operar de forma segura no dia a dia contra a COVID-19 e em condições climáticas severas. E não tinha nem uma informação chegando até nós. Então, alguns operários e eu começamos a falar sobre a necessidade de uma representação justa.
Por volta da mesma época, eu escutei um funcionário perguntar a alguém da gestão sobre sindicalização, porque eles ouviram sobre outros dispensários fazendo. Basta dizer, você não quer pedir permissão ou ajuda para seu chefe quando se organiza contra eles.
Sim, você certamente não quer deixar o chefe saber que você está sindicalizando. Mas quando veio a público de sua unidade, qual foi a resposta da administração?
A resposta foi cruel, como esperado. Imediatamente lançaram uma campanha antissindicalista agressiva, mantendo a audiência cativa em reuniões em que eles mostravam powerpoints sobre os perigos das greves, terrorismo sobre os feitos sindicais e espalhando outras informações falsas. Não faltavam infográficos e panfletos antisíndicais circulando. É extremamente estressante e intimidador. Parece predatório que as pessoas as quais assinam seu cheque terem passagem livre para tratar você como quiserem.
Você tem falado pouco sobre o impacto que a COVID-19 tem tido nas condições de trabalho. Que tipo de efeito a pandemia teve na luta sindical?
A COVID-19 expôs o fato de que a maioria das companhias não protegem seus trabalhadores. Uma das partes mais brutais tem sido ver pessoas indo trabalhar ainda estando doentes, porque eles usavam as horas faltantes do salário. É nojento e bárbaro. A resposta da companhia quando tivemos nosso primeiro caso positivo de COVID-19 foi como uma galinha correndo em círculos com sua cabeça cortada. Não teve uma comunicação clara de quem foi a pessoa, qual foi a última vez que ela trabalhou, ou o que nós empregados deveríamos fazer se formos potencialmente expostos para tentar parar a transmissão e manter uns aos outros seguros. E não apenas nós, mas os consumidores também.
Poderia ter sido bem pior no nosso dispensário com o espaço pequeno que trabalhamos, mas tivemos alguns casos, o que obviamente não é bom. Há importantes decisões sendo feitas sobre nosso espaço laboral: quando estávamos começando a expandir para produção total, quantos conseguem trabalhar em um único momento, e quantos clientes são permitidos por vez. Não tendo basicamente nem ideia sobre o que está acontecendo, se torna ainda mais urgente que os trabalhadores devem ter mais voz, mais controle democrático sobre o que realmente está acontecendo no trabalho.
Uma das primeiras coisas que fizemos quando começamos a sindicalização foi fazer exigências sobre as questões de segurança. Por exemplo, nós não tínhamos uma sala de intervalo adequada, grande o bastante para mantermos distância ou qualquer espaço para guardar nossos pertences, aumentando mais ainda o risco de contaminação.
A indústria da maconha não é tipicamente associada com sindicatos – certamente não no jeito que funcionários de fábrica ou caminhoneiros são. Quais era as conversas com seus colegas de trabalho?
A maioria das pessoas foram bem receptivas no início. Se eu tivesse que adivinhar o porquê, provavelmente o motivo é por sermos predominantemente uma força de trabalho mais jovem. A priori, foi difícil medir o entendimento das pessoas do papel que o sindicato deveria ter ou tem na sociedade, mas no final não foi complicado para as pessoas compreenderem que sindicatos protegem os trabalhadores.
Eu tinha um colega de trabalho que era totalmente cético em relação à sindicalizar, mas depois de contrair COVID-19 ele se tornou um defensor fervoroso. Eles foram negligenciados depois que o afastamento remunerado deixou de ser pago, mesmo que eles ainda estivessem com sintomas e sem nenhuma instrução de como proceder. Isso é assustador. Depois disso, eles falaram incessantemente com um dos organizadores do sindicato. Eles aprenderam a história dos benefícios que os sindicatos ganharam para os trabalhadores nesse país e entenderam que sindicatos são o caminho para os operários advogarem pela sua saúde e segurança, independente da indústria.
Eu também acredito que temos uma vantagem no fato de não sermos o primeiro dispensário de cannabis ou centro de cultivação a se sindicalizar. Ver outros dispensários se organizando não era só uma inspiração para fazer em nossa loja, mas também uma afirmação que poderia ser feito.
Há as questões econômicas que impactam diretamente as questões cotidianas, que os sindicatos lutam, como aumentos, planos de saúde, aposentadorias e coisas do tipo. Você vê outros propósitos para os sindicatos?
Salários e benefícios, coisas como essas, são obviamente extremamente importantes. Eu espero que o trabalho na indústria da maconha possam ser empregos que apoiam à família e permitam que você compre uma casa. Mas eu penso que sindicatos não tem somente o potencial de influenciar as condições laborais – eles podem ir além disso, sindicatos podem criar indivíduos politicamente ativos.
Eu adoraria chegar ao ponto em que os sindicatos podem mobilizar mais massa política para o bem comum. A UFCW fez lobby para o uso recreativo começar, o que é ótimo. Mas, como eu disse, nós estamos em um momento em que todas as nossas instituições estão falhando conosco, e nós não conseguimos sozinhos. Construir poder sindical é um dos únicos jeitos de recuperar essas instituições. Illinois é um estado muito corrupto, de Springfield até Chicago. A maioria desses políticos não se importa. Se nós não tivermos um jeito de usar nossa potência como trabalhadores e acertá-los onde dói – no bolso deles – nada vai mudar.
A indústria da cannabis é um mercado intensamente político, por questões óbvias. Pessoas ainda são presas por isso. Eu acho que podemos produzir alguma educação na história de como a maconha tem sido usada para encarcerar injustamente as pessoas, particularmente populações marginalizadas. E ainda, nesse sentido, é um clube pequeno só para pessoas que tem muito dinheiro e podem bancar isso.
Então eu penso que há uma oportunidade, se operários conseguirem exercer mais controle sobre seu local de trabalho, de pressionar para a indústria seja algo realmente uma força positiva e representativa para a nossa comunidade.
Sindicalizar um local de trabalho não é uma tarefa fácil. Uma pequena porcentagem dos trabalhos nos EUA é sindicalizado. O que significa para você se engajar numa luta coletiva que, como trabalhadores, como pessoas tipicamente sem poder, geralmente não temos como fazer?
É tudo para mim. Eu sempre acreditei no poder dos sindicatos. Na verdade, fazer isso quando o poder e companheirismo sindical tem estado no declínio há décadas, é empoderador, porque te dá um pedaço de esperança de que nós ainda teremos uma classe media nesse pais um dia, e que a qualidade de vida da minha geração não continuará a decair.
Tudo isso é sobre solidariedade. Eu posso atribuir significado nessa palavra que é falada por aí frequentemente mas algumas vezes parece vazia, quando não temos nenhuma experiência real para conectá-la. Nós geralmente estamos tão estressados e exaustos que é difícil de se conectar com qualquer pessoa, então estabelecer vínculo com meus colegas de trabalho, começando a entender que nós lidamos com os mesmos altos e baixos, é uma sensação diferente e especial. Eu não sou o único nisso, e ser capaz de me apoiar no suporte de outras pessoas fazendo o trabalho exigido e o momento que vem com isso, é um sentimento incrível.
Fonte: Jacobin Brasil, com ajustes
Texto: Karl Leffme
Tradução: Natalia Porpino
Data original da publicação: 23/03/2021