Trabalhadores apoiam suspensão da reforma do ensino médio, mas reivindicam a revogação

Fotografia: Fernando Frazão/Agência Brasil

A Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE) apoia a suspensão da reforma do ensino médio anunciada pelo governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Mas reivindica a revogação. Segundo a entidade sindical, apesar do apoio à medida, o debate sobre as alterações na Lei 13.415/2017, que instituiu a reforma no governo de Michel Temer, será mantido.

Para a CNTE, o anúncio de suspensão temporária do cronograma da implementação do Novo Ensino Médio (NEM), bem como de mudanças no Enem, foi motivo também para fortalecer a mobilização e o debate pela revogação total da reforma.

O presidente da CNTE, Heleno Araújo, que participou da reunião com o presidente Lula e o ministro da Educação, Camilo Santana, afirmou em nota que a entidade lutará para que o grupo de coordenação que discute o tema intensifique o trabalho nos próximos 90 dias. Isso para que seja possível desenhar um novo projeto de lei que resulte na extinção da reforma pelo Congresso.

“Para revogar a Lei 13.415 será necessário um novo projeto enviado pelo governo federal. Nossa expectativa agora é de que tenhamos a recomposição do Fórum Nacional da Educação, com as entidades de 2016, antes do golpe, conforme compromisso do governo Lula. Nesse espaço onde está o governo, o setor público e o privado, podemos abrir debate e fazer um grupo de trabalho temporário para elaborar uma proposta que o MEC possa assumir e enviar ao parlamento”, disse o dirigente.

Suspensão é do Novo Ensino Médio é insuficiente, diz CNTE

Heleno destacou que a expectativa de apresentação da portaria, pelo ministro Camilo Santana, não foi atendida durante reunião na última segunda-feira (3) com o grupo de coordenação da consulta sobre as mudanças necessárias para melhorar o ensino médio. O dirigente, que participou do encontro como representante do Fórum Nacional Popular da Educação (FNDE), disse que a secretária-executiva do MEC, Izolda Cela, se mostrou surpresa com a notícia sobre a mudança.

Outra dirigente da CNTE, a secretária de finanças Rosilene Corrêa Lima, completou que, “mesmo que ocorra a suspensão, ainda não é suficiente para atender as reivindicações dos trabalhadores e trabalhadoras da educação.”

“O modelo que está aí não permite remendos e por isso a revogação é necessária. O que for definido tem de ser algo para melhorar e não este retrocesso que assistimos. Não dá para dizer se irá nos contemplar porque o MEC não anunciou ainda o que pretende para além desta consulta”, explica.

Para a secretária de assuntos educacionais da confederação, Guelda de Oliveira Andrade, não há espaço de negociação. Isso porque o novo modelo do ensino médio é incapaz de atender a qualquer necessidade dos estudantes, trabalhadores da educação ou do país.

“Novo Ensino Médio não atende expectativas da juventude”

“A educação básica tem o papel de oferecer as condições para que os estudantes comecem a construir o conhecimento. O papel da escola é dar condições e o novo ensino médio não corresponde a nada das expectativas da nossa juventude, muito menos da soberania de um povo. Temos de trabalhar em cima do velho modelo para aprimorar, não colocar no lugar dele outro que não atende em nada as necessidades”, críticou a dirigente.

Na avaliação da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes), “frear a implementação do Novo Ensino Médio é um passo importante para os estudantes e professores que estão sofrendo os impactos de uma medida aprovada sem o amplo debate. E para o aperfeiçoamento de quem vive a escola diariamente, além de possibilitar a construção de uma nova proposta para o Ensino Médio brasileiro.”

A entidade estudantil defende ainda o congelamento do calendário de implementação até a revogação da reforma. E não por um prazo de 90 dias, como quer o governo. “Assim seria possível evitar ainda mais danos à essa geração e construir uma nova proposta de reforma para esta etapa de ensino”, diz a Ubes em nota, que apresentará uma nota técnica ao MEC com recomendações para o ensino médio.

Os estudantes universitários também querem um novo ensino médio. Mas por meio de reforma após amplo debate com todo o setor educacional, acompanhada de investimentos em tecnologia e estrutura.

Reforma já causa prejuízos em São Paulo

A partir do próximo dia 23, no âmbito da 24ª Semana Nacional em Defesa e Promoção da Educação Pública, a CNTE vai coletar assinaturas de parlamentares ao Manifesto da CNTE pela Revogação do Novo Ensino Médio e a criação de comitês de luta pela revogação.

Segundo levantamento da Rede Escola Pública e Universidade (Repu), o Novo Ensino Médio já traz prejuízos aos estudantes em São Paulo, primeiro estado a iniciar a implementação. Segundo o professor da Universidade Federal do ABC (UFABC) integrante da rede, Fernando Cássio, um “apartheid educacional”.

Feito a partir de dados da secretaria de educação paulista após solicitação via Lei de Acesso à Informação, o levantamente aponta três problemas da reforma, que a propaganda não mostra: A limitadíssima “liberdade de escolha”; a falta de professores nas escolas devido ao mau planejamento da atribuição docente: e a expansão da carga horária escolar via ensino a distância, precarizando a oferta educacional. O resultado, segundo os autores do levantamento, é o aumento de desigualdades escolares, em prejuízo do ensino noturno, frequentado pelos mais pobres e vulneráveis.

Esse aumento da desigualde educacional e social devido às diferenças de oportunidades esteve no centro da mensagem do professor e jornalista Ricardo Pereira em seu post no Twitter. Ele lembrou a personagem Jéssica, vivida pela atriz Camila Márdiga, filha da doméstica Val, interpreta por Regina Casé no filme “Que horas ela volta?”. Na obra de Anna Muylaert, Jéssica é aprovada no concorrido vestibular da FAU/USP. Já Fabinho, o filho da patroa, é reprovado para a ira da mãe Bárbara (Karine Teles), um exemplar da Casa Grande que surta com o pobre na universidade.

645 entidades apontam 10 razões para revogação

Em carta aberta pela revogação do Novo Ensino Médio, assinada por 645 entidades, a Rede Escola Pública e Universidade elenca 10 razões que apontam para a necessidade de revogação da reforma.1) Fragiliza o conceito de Ensino Médio como parte da educação básica, assegurado na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB). Isso porque com a reforma essa etapa deixa de ser uma formação geral para todos os estudantes. E o ensino médio como parte da educação básica é uma conquista recente, do processo de democratização, ainda não consolidada;

2) Amplia a adoção do modelo de Ensino Médio em Tempo Integral sem assegurar investimentos suficientes para garantir condições de acesso e permanência dos estudantes. Assim exclui das escolas de jornada ampliada estudantes trabalhadores e aqueles de nível socioeconômico mais baixo, que precisam trabalhar. Isso estimula o fechamento de classes do período noturno e da EJA;

3) Induz jovens de escolas públicas a cursarem itinerários de qualificação profissional de baixa complexidade, ofertados precariamente em escolas sem infraestrutura. Evidência disso é o Projeto de Lei 6.494/2019 que tramita na Câmara dos Deputados e visa alterar a LDB, propondo o aproveitamento “das horas de trabalho em aprendizagem para efeitos de integralização da carga horária do Ensino Médio até o limite de 200 horas por ano”. Mais uma vez, o que se propõe é a interdição do acesso qualificado ao conhecimento científico, à arte, ao pensamento crítico e reflexivo para a imensa maioria dos jovens que estudam nas escolas públicas. Esses correspondem a mais de 80% das matrículas do Ensino Médio no país;

4) Coloca em risco o modelo de Ensino Médio público mais bem-sucedido e democrático do país: o Ensino Médio Integrado praticado pelos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia. Trata-se de um modelo que adota cotas sociais e raciais desde 2012 e que apresenta resultados excelentes em avaliações de larga escala como o PISA. Esse ensino em risco é organizado pela integração entre uma Formação Geral Básica fundada nos princípios do trabalho, ciência, cultura e tecnologia e a Educação Profissional de Nível Técnico. Já a reforma rebaixa a educação profissional à condição de “itinerário formativo”, dissociando a formação geral básica da educação profissional;

5) Aumenta consideravelmente o número de componentes curriculares e acentua a fragmentação. Uma das justificativas para a Reforma do Ensino Médio era justamente a necessidade de diminuir o número de disciplinas escolares obrigatórias. Contudo, sua implementação nos estados vem realizando exatamente o contrário;

6) Desregulamenta a profissão docente. Isso porque cria itinerários formativos que objetivam a aquisição de competências instrumentais, desmontando a construção dos conhecimentos e métodos científicos que caracterizam as disciplinas escolares em que foram formados os docentes, desenraizando a formação da atuação profissional. E também porque a oferta das disciplinas da educação profissional por pessoas sem formação docente e contratadas precariamente para lidar com jovens em ambiente escolar;

7) Amplia e acentua o processo de desescolarização no país, terceirizando partes da formação escolar para agentes externos ao sistema educacional. É o caso de empresas, institutos empresariais, organizações sociais, associações e indivíduos sem qualificação profissional para atividades docentes. Isso permite a oferta tanto da formação geral quanto a formação profissionalizante do Ensino Médio a distância, o que transfere a responsabilidade do Estado de garantir a oferta de educação pública para agentes do mercado. Os efeitos são potencialmente catastróficos em um país com desigualdades sociais já tão acentuadas;

8) Compromete a qualidade do ensino público por meio da oferta massiva de Educação a Distância (EaD). A experiência com o ensino remoto emergencial durante a pandemia da covid-19 demonstrou a imensa exclusão digital da maioria da população brasileira. isso impediu milhões de estudantes das escolas públicas de acessarem plataformas digitais e ambientes virtuais de aprendizagem. As mesmas ferramentas utilizadas durante a pandemia estão agora sendo empregadas pelos estados na oferta regular do Ensino Médio, precarizando ainda mais as condições de escolarização dos estudantes mais pobres;

9) Segmenta e aprofunda as desigualdades educacionais. E, por extensão, as desigualdades sociais ao instituir uma diversificação curricular por meio de itinerários formativos que privam estudantes do acesso a conhecimentos básicos necessários à sua formação, conforme atestam pesquisas comparadas que analisaram sistemas de ensino de vários países;

10) Delega aos sistemas de ensino as formas e até a opção pelo cumprimento dos objetivos, tornando ainda mais distante a consolidação de um Sistema Nacional de Educação, como preconiza o Plano Nacionalde Educação 2014-2024.

Fonte: RBA
Texto: Cida de Oliveira
Data original da publicação: 05/04/2023

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