O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) apresentou na última segunda-feira (4) uma proposta de regulamentação do trabalho de motorista de aplicativo. Negociada por sindicatos que representam os condutores e pelas empresas, a proposta causou muita polêmica, com parte da categoria mantendo posição contrária. O Sul 21 conversou com sindicalistas que participaram das negociações e com representantes de associações para entender os principais pontos de debate.
Entenda o que está proposto no projeto:
— Motoristas terão direito a receber R$ 32,90 por hora de trabalho;
— Criação da categoria “trabalhador autônomo por plataforma”;
— Os motoristas e as empresas vão contribuir para o INSS. Os trabalhadores pagarão 7,5% sobre a remuneração. O percentual a ser recolhido pelos empregadores será de 20%.
— Mulheres motoristas de aplicativo terão direito a auxílio-maternidade
— A jornada de trabalho será de 8 horas diárias, podendo chegar ao máximo de 12
— Não haverá acordo de exclusividade. O motorista poderá trabalhar para quantas plataformas desejar.
— Para cada hora trabalhada, o profissional vai receber R$ 24,07/hora para pagamento de custos com celular, combustível, manutenção do veículo, seguro, impostos e outras despesas. Esse valor não irá compor a remuneração, tem caráter indenizatório.
— Os motoristas serão representados por sindicato nas negociações coletivas, assinatura de acordos e convenção coletiva, em demandas judiciais e extrajudiciais.
Presidente do Sindicato dos Motoristas Privados de Transportes por Aplicativos do Rio Grande do Sul, Carina Trindade avalia que a criação da categoria de motoristas permitirá que haja um mapeamento de onde estão e quem são os trabalhadores, o que ela considera como essencial para que possam reivindicar e conquistar avanços. “Sem ter essa categoria criada, fica muito difícil de conseguir melhorias”, avalia.
Por outro lado, Carina diz que a posição contrária a qualquer regulamentação do trabalho de motoristas de aplicativo é majoritária entre os colegas. “A categoria é totalmente contra regulamentação, eles não querem ser regulamentados de nada. Eles querem continuar como está, as plataformas explorando e não ter nenhum tipo de regulamentação, não ter representatividade e também não ter a questão de criação de categoria. Mas eles querem melhorias, eles querem, sim, poder comprar um carro com 30% de desconto, eles querem poder contar com o INSS caso eles precisam, e o importante é que a regulamentação está trazendo isso”.
Carina diz que o ponto mais polêmico entre os motoristas é o estabelecimento, para fins de contribuição ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), de um valor mínimo a ser pago pelas plataformas aos motoristas por hora trabalhadora, na ordem de R$ 32,90. Ela pontua que os sindicatos que participaram das negociações desejavam que a remuneração fosse por hora logada no aplicativo, enquanto parte da categoria desejava que a remuneração fosse por quilômetro e tempo rodado, similar à remuneração dos táxis.
“A categoria está um pouco revoltada pelo que eu tenho visto, principalmente essa galera que não gosta de sindicato, mais de direita, que não consegue entender o trabalho do sindicato e a importância, porque não querem ganhar por hora trabalhada. Eles querem quilômetro mais tempo. Taxista hoje ganha por quilômetro mais tempo, mas o táxi é uma concessão municipal, aí o governo pode influenciar no valor que pode ser cobrado da tarifa. Nós não somos concessão municipal, nós trabalhamos com empresas privadas, internacionais ainda, então é bem complicado e a gente está tentando passar para a categoria o porquê disso tudo e como que a gente chegou nesse valor”, diz.
Carina pontua que os R$ 32,90 são um piso que deve ser coberto pelos aplicativos no casos em que o trabalhador não alcançar esse valor em uma hora trabalhada. Contudo, trata-se apenas de um valor inicial e não há limite para os ganhos que o trabalhador pode obter durante as horas trabalhadas.
Ela reconhece que o valor pode ser considerado baixo para estados como São Paulo, Rio de Janeiro e mesmo Rio Grande do Sul, onde a média de retorno por hora pode ser superior. No entanto, destaca que esse valor já é um ganho real para estados em que a média é inferior. “É um piso para nivelar em todo o Brasil. Nós temos regiões no Brasil que a galera ganha R$ 20”, diz.
Além disso, saúda o fato de que a proposta estabeleceu que os motoristas poderão assinar acordos coletivos e convenções coletivas, negociadas por sindicatos, o que permitirá, segundo ela, gradualmente garantir melhorias para a categoria. “Neste momento, o trabalhador pode não ter ganho real de renda, mas ele vai ter futuramente com os acordos coletivos junto com as empresas. E aí vai ter que ter muita mobilização da categoria para a gente conquistar esses ganhos”, diz.
Presidente da União Gaúcha dos Motoristas Autônomos (Ugama), Mauro Souza avalia como negativo o fato de que as negociações foram realizadas pelos sindicatos, sem levar em conta as associações independentes de motoristas. Para ele, o principal prejuízo da proposta apresentada pelo governo é justamente a forma de remuneração. “O que a gente está frisando como ponto negativo é o pagamento em horas. A nossa ferramenta de trabalho dos motoristas de aplicativos hoje cobra de nós em quilômetros rodados. Então, o importante era que se mantivesse esses valores em quilômetro e minuto”, diz. “O sindicato anteriormente era a favor do parâmetro quilômetro mais minuto. Eu não sei o que ocorreu nas negociações para deixar o valor em horas, sendo que o valor que eles estão ofertando, vamos usar uma palavra que não deveria ser usada, é ridículo”, complementa.
Algumas associações de motoristas defendem a aprovação de outro projeto de lei sobre o tema, de autoria do deputado Daniel Agrobom (PL-GO), que estabelece outra metodologia de remuneração mínima. Pelo texto, a remuneração deve ser estabelecida localmente, mas, enquanto isso não ocorrer, o motorista teria que receber R$ 1,80 por quilômetro rodado e R$ 0,40 por minuto.
A respeito do pagamento de impostos, Mauro avalia que a categoria não é necessariamente contra, uma vez que associações já teriam apresentado propostas alternativas aos próprios sindicatos. Contudo, ele acredita que há mais adesão à ideia de que o pagamento de impostos deveria ser por MEI (Microempreendedor Individual).
O presidente da Ugama avalia que a grande maioria dos associados e motoristas em geral estão descontentes com a regulamentação e diz que, inclusive, estão se organizando para realizar uma carreata em protesto nos próximos dias em Porto Alegre. “A Ugama é contra manifestações que tranquem a cidade, mas não podemos deixar de participar”, avalia.
Carina Trindade estima que apenas um terço dos motoristas pague o MEI atualmente. “O motorista de aplicativo só entende a real necessidade de pagar a Previdência quando ele precisa, quando ele sofre um acidente e fica impossibilidade de trabalhar, quando ele fica doente ou quando ele é assaltado e toma vários tiros, se machuca durante o assalto e não consegue vir a trabalhar. Eu conheço motorista que estava há sete meses parado e não pagava o MEI”, diz.
Ela pontua ainda que há uma desinformação sendo espalhada sobre a forma como a contribuição ao INSS será cobrada dos motoristas, o que faz com que parte da categoria acredite que ela será cobrada sobre o total de rendimentos que um motorista faz por mês, o que incluiria todos os seus custos e também a remuneração do aplicativo. “O salário do motorista é só o ganho do motorista, o rendimento do motorista, não tem nada a ver com o lucro da plataforma. Estão rolando umas fakes que tem que ser desmentidas”, diz.
O projeto prevê que a contribuição previdenciária será de 7,5% sobre os valores referentes à remuneração do motoristas, que será calculada em 25% da renda total, com os outros 75%, considerados como o custo do trabalho, não entrando na conta. Além disso, estabelece que as plataformas precisarão pagar contribuição patronal de 20% sobre a renda. Com isso, os motoristas terão direito à aposentadoria, auxílio-doença e pensão por morte.
Leandro da Cruz Medeiros, presidente do Sindicato de Motoristas de Aplicativo do Estado de São Paulo (Stattesp) e presidente da Federação Nacional dos Sindicatos dos Motoristas de Aplicativos (Fenasmapp), avalia que a contrariedade à regulamentação e aos sindicatos é uma meia verdade.
“Todo mundo é contra uma regulamentação até o momento que ele é bloqueado pelas plataformas. Aí ele procura o sindicato para entrar com um processo na lei trabalhista querendo todos os seus direitos. Falo isso com muita tranquilidade, pois o nosso sindicato tem quase 10 mil processos contra as plataformas, então todo trabalhador fala que é contra, mas quando ele é bloqueado, ele vem e procura o sindicato. A gente aqui faz mais ou menos 300 processos por mês”, diz. “Com o projeto de lei, a empresa não vai poder mais bloquear o trabalhador do jeito que ela faz hoje. Para ela bloquear o trabalhador, ela vai ter que ter uma mesa de negociação junto ao sindicato, nós vamos ter que entender a situação do trabalhador, nós vamos fazer a defesa do trabalhador”, complementa.
Para Medeiros, a regulamentação proposta não tem pontos negativos. “Contra não tem nada, porque hoje nós não temos nada. A partir dessa regulamentação, ele vai ter garantido por lei os seus ganhos mínimos. Caso ele não alcance o valor mensal, a empresa é obrigada a repor o salário dele. O trabalhador terá seguridade social garantida, o trabalhador ficará isento de imposto de renda, o trabalhador terá acordo coletivo, convenções coletivas todo ano. Então, o que esse projeto de lei faz, de fato, é trazer o trabalhador para dentro da discussão”, diz.
Ele também pontua que a formalização da categoria — e não a manutenção do trabalhador como autônomo, pagando o MEI — permitirá a obtenção de ganhos que hoje não estão disponíveis pela informalidade. “A partir do momento que a gente vira categoria, pode ir para o governo e conseguir isenções na compra do veículo, alguns descontos. Hoje nós não temos direito, porque somos taxados como microempreendedor e microempreendedor não tem desconto na compra do veículo”, diz.
Carina ainda frisa que os motoristas que estão contrários à regulamentação ou a pontos da proposta ainda podem e devem se mobilizar para promover mudanças, uma vez que o projeto será analisado pelo Congresso Nacional. “O trabalhador tem que se informar, tem que conversar, não adianta chegar tocando o terror, como a gente diz. Ele tem que entender o quanto é importante, se tiver que fazer alguma alteração, ele pode pedir para fazer via seu deputado federal. Entra em contato com seu deputado federal, mas é importante que saia uma regulamentação e que essa regulamentação seja boa para todos”, afirma.
O que dizem as empresas
Em nota oficial divulgada após a apresentação do projeto de lei, a Associação Brasileira de Mobilidade e Tecnologia (Amobitec) pontuou que o projeto foi construído em negociações que envolveram governo, trabalahdores e empresas e que a proposta é “um passo importante em direção à regulamentação da atividade de motoristas de transporte intermediado por aplicativos em veículos de quatro rodas no Brasil”.
“A proposta confere segurança jurídica para as empresas investirem no Brasil e agrega benefícios para os trabalhadores, como inclusão no sistema previdenciário, cuja contribuição será feita por empresas e trabalhadores, definição de ganhos mínimos e regras de transparência, entre outros avanços. A inclusão dos trabalhadores na Previdência Social, que foi proposta pelas empresas associadas à Amobitec em abril de 2022 por intermédio da nossa Carta de Princípios, representa um avanço social que vai impactar 1,2 milhão de motoristas que hoje usam as plataformas digitais como intermediadoras para a prestação de serviços para seus clientes”.
Fonte: Sul 21
Texto: Luís Gomes
Data original da publicação: 07/03/2024