A tentativa de fazer prevalecer determinado ponto de vista no debate da terceirização tem ferido o direito da sociedade à informação verdadeira.
Thiago Gurjão Alves Ribeiro
Fonte: Carta Maior
Data original da publicação: 01/07/2015
O projeto de lei sobre a terceirização tem sido revelador a respeito da qualidade do debate público no país sobre temas de grande relevância. Nota-se com clareza a tentativa de determinados setores de conduzir o assunto para criar uma Grande Verdade, um suposto consenso dos “especialistas” de sempre: o projeto de lei é a modernidade, o resto é o atraso.
É preciso lembrar, porém, que são princípios fundamentais em nossa sociedade a liberdade de expressão e o direito à informação, que exigem que a livre expressão seja assegurada em toda a sua pluralidade, dando-se voz aos diferentes segmentos da sociedade, e, também, que seja respeitado o direito fundamental da sociedade à informação verdadeira.
A tentativa de fazer prevalecer determinado ponto de vista no debate da terceirização, com todo o aporte econômico-financeiro a ele assegurado, tem em alguns casos tangenciado os limites do direito da sociedade à informação verdadeira, bem como a ampla e plural liberdade de expressão.
Determinadas notícias, opiniões e editoriais publicados em alguns veículos de comunicação apresentam inconsistências que recomendam algum reparo ou complementação e, no conjunto, revelam que é preciso ampliar os limites da discussão e melhorar a qualidade do debate sobre o tema. Afinal, como já dizia um conhecido anúncio publicitário de um grande jornal (que aliás defende o projeto de lei em seus editoriais), dá para contar um monte de mentiras dizendo somente a verdade.
Notícia publicada pelo Jornal o Globo, em 08 de abril deste ano, é um exemplo disso. Segundo os repórteres, “o projeto de lei que libera a terceirização para qualquer atividade […] traz um consenso difícil na área trabalhista. Tanto os que defendem mais regulação quanto os que defendem menos veem o projeto como um avanço[…]. A lista inclui empresários e especialistas”.
Na verdade, diversos professores universitários e pesquisadores se manifestaram publicamente contra o projeto. Muitos membros da magistratura trabalhista e do Ministério Público do Trabalho, assim como as respectivas associações nacionais, expuseram os perigos da sua aprovação e o retrocesso social que representaria. Alguns sindicatos de trabalhadores realizaram protestos. Ou seja, a realidade não poderia ser mais distinta de um “consenso” na área trabalhista quanto ao projeto representar um suposto “avanço”.
Já Hélio Zylberstajn, em artigo publicado na Revista Época, sustenta: “Se assim é, por que tanta resistência à regulamentação? […] O argumento principal é a tese de que a terceirização transformaria o mercado de trabalho em uma selva. […] O argumento é exagerado. Voltemos ao primeiro exemplo: dificilmente uma escola séria terceirizaria suas salas de aula”.
Na última frase, o articulista usa o adjetivo séria, então, de certo modo, concordamos. O problema é que, “séria” ou não, não seria assim tão “difícil” uma instituição de ensino deixar de contratar seus professores como empregados: já há as que o façam, sendo as respectivas fraudes combatidas pelo Ministério Público do Trabalho, com condenações judiciais e inúmeras outras decisões no mesmo sentido em processos individuais.
Assim, não seria difícil, mas bastante provável até, que a autorização legislativa levasse sim diversas instituições de ensino a não contratarem professores como seus empregados. E não há porque pensar que o mesmo não ocorreria com outros profissionais que exercem atividades diretamente relacionadas à atividade principal de empresas de outros ramos.
Editorial da Folha de São Paulo, veiculado em 10 de abril, afirma: “Fica difícil enxergar […] onde está a precarização. Mais que isso: ao modernizar e dinamizar o mercado de trabalho, o projeto votado pelos deputados contribuirá para aumentar a produtividade e, assim, expandir a criação de empregos.”
Na realidade, fica bem fácil enxergar a precarização no cotidiano da Justiça do Trabalho quanto aos casos relacionados às “terceirizadas”: salários atrasados, verbas rescisórias não pagas, condições de trabalho piores, acidentes… Um cenário compatível com o objetivo de externalização de custos e responsabilidades. Para quem não o vivencia, alguns dados do Dieese, amplamente divulgados, mostram que terceirizados trabalham mais horas, recebem menos e sofrem mais acidentes.
E o tal “aumento da produtividade”? Para José Fucs, em opinião publicada em blog no site da Revista Época, a terceirização, “além de reconhecer uma prática que se espalhou pelo setor produtivo, vai permitir a redução significativa dos custos trabalhistas, que minam o empreendedorismo, e o aumento da competitividade do Brasil na arena global”.
O autor ajuda a compreender como se chegaria ao suposto resultado: com a redução significativa dos custos trabalhistas! E, se os custos em si (salário mínimo, encargos legais) permanecem os mesmos, é claro que essa redução se dará, na prática, com a diminuição de postos de trabalho ou de salários – muito provavelmente, de ambos – e, ainda, com a piora das condições de trabalho.
Do outro lado, os que criticam o projeto de lei, especialmente sindicalistas, frequentemente têm sido acusados de estarem apenas defendendo “privilégios”. É evidente o esforço em tentar desqualificar o interlocutor e não as ideias. Seria como se eu me limitasse a dizer que os veículos de comunicação que defendem a liberação da terceirização o fazem apenas para defender seus privilégios, já que alguns foram flagrados pelo MPT e condenados pela Justiça pela prática de “pejotização”, uma fraude aos contratos de trabalho.
Prefiro reconhecer o direito de todos de manifestar as respectivas opiniões e a legitimidade destas. Prefiro o debate de ideias, mas ele precisa ser justo, transparente e feito em igualdade de condições, com respeito, enfim, à liberdade de expressão e informação. A divergência de opiniões é salutar e inerente à vida em uma sociedade democrática, mas o debate público e a exposição dessas ideias pelos veículos de comunicação não podem ignorar outros pontos de vista – e, principalmente, os fatos.
Thiago Gurjão Alves Ribeiro é Procurador do Trabalho em Mato Grosso.