A prática deflagrada pelas empresas nos anos 70 de começar a terceirizar o trabalho, reduzindo o contingente de trabalhadores, alastrou-se pelo país afora.
José Carlos Peliano
Fonte: Carta Maior
Data original da publicação: 07/07/2014
A prática deflagrada pelas empresas por volta dos anos 70 de começar a terceirizar o trabalho, reduzindo o contingente de trabalhadores de suas dependências em troca de continuar a receber os mesmos serviços prestados por outras empresas subcontratadas, se alastrou de forma aberta, abrangente e progressiva Brasil afora.
De início a medida foi usada para minimizar os efeitos das quedas cíclicas mais acentuadas das vendas, que afetavam pesadamente as receitas, em especial diante das crises periódicas de produção no mundo capitalista. Posteriormente as empresas verificaram que a medida poderia ser usada com frequência para reduzir os custos do trabalho diretamente por elas contratado, transferindo a carga trabalhista e social para outras empresas.
Essas empresas subcontratadas ou se dedicavam a realizar todas as atividades das parcelas ou setores da produção original da empresa contratante, ou se especializavam em contratar somente mão de obra para trabalharem na contratante.
Assim, o formato original da produção da empresa contratante, dividido em células, setores ou parcelas de sua linha ou circuito de produção ou montagem, era transferido para uma ou algumas empresas subcontratadas que repetiam o formato anterior com o mesmo padrão produtivo de eficiência e qualidade. Caso contrário, não atenderiam os requisitos da solução contratual.
Do ponto de vista do capital, seja pela garantia da performance e escala produtiva, seja pela maximização dos lucros, ou pela redução das relações e custos trabalhistas dentro das empresas contratantes, a solução é altamente vantajosa e positiva.
Além do que ela permite que seja motivada a presença e continuidade de uma rede de produção externa à empresa contratante, integrada por poucas ou muitas empresas subcontratadas, que retém uma dinâmica produtiva organizada e eficaz.
Há ainda a possibilidade de que o contingente de trabalhadores venha a aumentar com a adequação de ambas as empresas ao novo regime produtivo.
Do ponto de vista do trabalho, porém, a eficiência e eficácia produtiva acaba afetando a gradação profissional levando-a muitas vezes à degradação. Da gradação à degradação, uma estória encoberta pela terceirização do trabalho, escondida nos meandros dos contratos e condições objetivas de trabalho, mas palpável e visível em muitos casos, especialmente nos protocolos e processos da Justiça do Trabalho.
A tese da mobilidade ascendente do trabalho predominante na sociedade, defendida por estudiosos e pesquisadores por conta de comparações entre gerações em grupos restritos (pais e filhos), tropeça diante da terceirização. A tese é verificada por indicadores compostos por renda, educação e ocupação, que não levam em conta o que a terceirização em muitas situações provoca e desmorona.
Em geral, a terceirização leva as empresas ou autônomos subcontratados a pagarem aos trabalhadores com salários mais baixos que os vigentes no mercado, em não honrarem os direitos e benefícios respeitados pelas empresas contratantes e a aumentarem a intensidade do trabalho – pesquisas e tribunais do trabalho têm revelado essas consequências degradantes.
O pior é o efeito bumerangue da gestão do trabalho terceirizado sobre o mercado. Como o nível de salário cai nas subcontratadas, as contratantes originais, quando chamadas a recompor seu contingente de trabalhadores devido à nova forma de organização da produção ou incremento da demanda, usam desse artifício perverso para começarem também a pagar menos aos seus novos contratados.
Nesses casos não há gradação do trabalho propiciada pela mobilidade ascendente, mas degradação, mascaramento da mobilidade descendente. A terceirização tende a provocar a extinção de cargos nas estruturas funcionais das empresas além de nivelar por baixo os requisitos de qualificação de mão de obra.
Essa tendência à deterioração da qualidade dos empregos e do trabalho provocada pela terceirização é irreversível. A subcontratação gera mais subcontratação numa cadeia recorrente e expansiva de empresas com as consequentes quedas de salários, redução ou inexistência de direitos e benefícios trabalhistas e sociais e o aparecimento de uma informalização formal.
A ideia de informalização formal se explica pela existência de empresas subcontratadas, legalmente constituídas, mas com gestão degradante de mão de obra, escondidas debaixo de relações espúrias de trabalho beirando ao trabalho escravo em muitos casos ao final da linha nas últimas empresas da cadeia produtiva terceirizada.
Na maioria desses casos, trabalhadores que recorrem posteriormente à Justiça do Trabalho se veem de frente com a pressão das subcontratadas, oferecendo muito menos dinheiro para retirada das ações, ou de falência de muitas delas, sem quaisquer pagamentos aos seus empregados, ou de demora na tramitação do processo judicial, quando os processos se empilham nas estantes dos juízes ou nos labirintos dos tribunais.
A Polícia Federal atuou em vários casos cujas operações revelaram problemas de degradação do trabalho os mais diversos e onde as empresas subcontratadas foram indiciadas por corrupção ativa e falsificação de documentos, entre outras ilegalidades.
Para se ter uma ideia da grave dimensão do problema, basta recorrer aos números do Tribunal Superior do Trabalho. Perto de 30.000 ações trabalhistas estão paradas nessa Corte à espera de decisão. As sentenças respectivas aguardam pela solução que será dada a um caso acolhido no Supremo Tribunal Federal desde 2009, atualmente a cargo da ministra Rosa Weber. Cinco anos, portanto, fazem esperar por decisão judicial vários trabalhadores prejudicados pelo mesmo tipo de atuação ilegal de empresas terceirizadas.
O volume de queixas, no entanto, é incalculável uma vez que muitas outras ações existem e estão espalhadas pelas varas de trabalho por todo o território nacional. A maioria esmagadora das ações se refere ao desaparecimento das empresas, sem acerto de contas com seus trabalhadores, que fecham as portas do dia para a noite, enquanto seus responsáveis somem pelo mundo afora.
A intensidade do trabalho, os baixos salários e a desqualificação, provocada pelo nivelamento de ocupações antes graduadas e diferenciadas, fatores esses oriundos da banalização da terceirização, reforçam as evidências da deterioração das relações e condições de trabalho. Marcas amargas do peso da desigualdade na sociedade brasileira.
Entre aqueles que sobem na escala social as estatísticas são fartas e benevolentes, o que não acontece com outros que se encontram terceirizados e fazendo o movimento inverso, isto é, descendo por onde se sobe. Aqueles menos numerosos o capital gosta de mostrar, esses outros abundantes ele trata de esconder tornando-os invisíveis e mal cuidados.
José Carlos Peliano é economista.