Teletrabalho em emergência não é modelo para futuro

Em entrevista à agência Lusa, o sociólogo e ex-líder da CGTP considera que “estamos, neste ano que se completa, a viver um tempo de exceção e emergência, onde se enquadra o teletrabalho, e o retorno à normalidade não existe, pois não há regresso ao passado”.

Apesar da dimensão significativa que o teletrabalho assumiu no último ano, este regime é regulado pela legislação que já existia, “o que é insuficiente”.

“Não tomemos esta situação de exceção como base para o futuro, pois não podemos ter um futuro dominado por um clima de exceção”, afirmou.

Para Carvalho da Silva, desde o início da pandemia, em março de 2020, que o teletrabalho “tem tido uma regulação unilateral, com a entidade patronal a mandar, tanto no setor privado como no público, e os trabalhadores sujeitam-se a isto devido à situação de exceção e emergência e à ameaça de desemprego”.

Por isso, é necessário discutir o problema e “arrumar as ideias para que os trabalhadores não sejam prejudicados no futuro. Vamos viver tempos de reorganização do trabalho e da forma da sua prestação”, disse.

Para o sociólogo, a forma como o teletrabalho está a ser aplicado vai resultar em mais desemprego e mais fragilidade para os trabalhadores. “A economia sofreu abalos e as remunerações e os direitos dos trabalhadores também. Num contexto de desemprego, a tendência poderá ser de reduzir a remuneração do teletrabalho, o que é inaceitável”, considerou. 

Segundo um estudo da OIT, o conjunto dos trabalhadores em plataformas digitais recebe em média 3,2 dólares por hora. Com base nestes números, o investigador social alertou para o facto de muito do teletrabalho estar a ser feito sob pressão existirem já casos de grandes grupos empresariais e de serviços públicos que eliminaram os espaços físicos onde funcionavam os trabalhadores que agora trabalham em casa.

Para Carvalho da Silva, não é possível discutir o teletrabalho sem pensar nas pessoas que o fazem, porque “é essencial diferenciar o tempo de trabalho do tempo das famílias e compensar os custos acrescidos para o trabalhador que cumpre as suas funções em casa”.

Segundo dados recolhidos pelo Laboratório Colaborativo para o Trabalho, Emprego e Proteção Social (CoLABOR), de que Carvalho da Silva faz parte, apenas 34% dos trabalhadores portugueses têm condições para desempenhar as suas funções em teletrabalho. Os restantes 66% não têm possibilidade efetiva de o fazer no curto prazo.

Segundo o ex-sindicalista, são os trabalhadores mais qualificados que estão em teletrabalho, mas se o regime não for devidamente regulamentado e não forem salvaguardados os seus direitos, eles podem perder condições de vida e de trabalho.

“Por tudo isto, tem aumentado a preocupação com os trabalhadores em teletrabalho, até porque tem vindo a aumentar o número de trabalhadores que não podem continuar em teletrabalho, tal como está, porque não têm condições para socialização e têm dificuldade crescente em organizar o trabalho com a sua vida familiar, para ter um ambiente minimamente estável”, disse.

O investigador considerou ainda que o teletrabalho que está em vigor há cerca de um ano “estilhaçou a cultura organizacional de muitas empresas e serviços, pois leva a um aumento de reuniões considerável e a ocupar mais tempo nessas reuniões, o que é muito desgastante”.

“O tempo é das pessoas, o seu controlo é saúde, não podem perder isto. É fulcral esta discussão e defendo que os estudos que estão a ser feitos sobre as vantagens e inconvenientes do teletrabalho, para trabalhadores e empresas, devem deixar pistas para melhorar as condições de prestação do trabalho remoto, porque no futuro tem de ser diferente”, afirmou Carvalho da Silva.

Fonte: Esquerda.net
Data original da publicação: 01/03/2021

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