Surgem “novos” problemas de segurança e saúde à medida que o trabalho se transforma

Eduardo Camín

Fonte: CLAE
Tradução: DMT
Data original da publicação: 03/06/2019

Um relatório recente da Organização Internacional do Trabalho (OIT) destaca as mudanças demográficas, tecnológicas e ambientais que se perpetuam nas práticas de trabalho e que estão gerando novas preocupações sobre Saúde e Segurança Ocupacional: todos os anos, mais de 374 milhões de pessoas sofrem lesões ou doenças devido a acidentes de trabalho.

A prática científica nos convence de que as coisas e processos que ocorrem no mundo têm dois aspectos: o interior, escondido em nós, e o exterior, aquele que podemos perceber. Assim, sabemos o que está na superfície dos fenômenos, o que salta aos olhos. Talvez, como nunca antes, crises de todos os tipos surjam como um fenômeno inevitável: comercial, trabalhista, político, social e ambiental.

Para muitos intelectuais de auto-ajuda, crise significa ruptura, mutação, mudança do desenvolvimento de um processo, que pode ser físico, psíquico, espiritual ou histórico; marca o fim do velho e o começo de algo novo.

A OIT estima que os desafios crescentes incluem riscos psicossociais, estresse relacionado ao trabalho e doenças não transmissíveis, particularmente circulatórias, doenças respiratórias e câncer.

Também é estimado que a perda de dias de trabalho devido a causas relacionadas à Saúde e Segurança Ocupacional (SST) representa quase 4% do PIB mundial e, em alguns países, 6%. Manal Azzi, especialista técnico da OIT em SST, observou que: “Além do custo econômico, devemos destacar o incomensurável sofrimento humano causado por essas doenças e acidentes. Estes são ainda mais trágicos porque são, em grande parte, evitáveis ”.

Olhando para o futuro, em sua ambiguidade, o relatório destaca quatro grandes forças transformadoras que impulsionam a mudança e todas, indica, oferecem oportunidades de melhoria.

Primeiro, a tecnologia – como a digitalização, a robótica e a nanotecnologia – pode afetar a saúde psicossocial e introduzir novos materiais com riscos à saúde que não foram estimados. Se aplicada corretamente, também pode ajudar a reduzir exposições perigosas, facilitar o treinamento e a inspeção do trabalho.

As mudanças demográficas são relevantes porque os trabalhadores jovens têm taxas significativamente altas de lesões ocupacionais, enquanto os trabalhadores mais velhos precisam de práticas adaptativas e equipamentos para trabalhar com segurança. Enquanto isso, as mulheres – que se juntam à força de trabalho em número cada vez maior – estão mais propensas a trabalhar em formas atípicas de emprego e possuem maior risco de distúrbios musculoesqueléticos.

Em terceiro lugar, o desenvolvimento sustentável e as mudanças climáticas geram riscos como a poluição do ar, o estresse por calor excessivo, doenças emergentes, mudanças nos padrões climáticos e na temperatura, o que pode levar ao desemprego.

Finalmente, mudanças na organização do trabalho podem dar lugar a uma flexibilidade que permita que um número maior de pessoas se junte à força de trabalho, mas também pode causar problemas psicossociais (insegurança, comprometimento da privacidade e tempo de descanso, ou proteção inadequada em questões de SST e proteção social), além do excesso de horas de trabalho. Atualmente, 36% da força de trabalho mundial trabalha em jornadas excessivas (mais de 48 horas por semana).

À luz desses desafios, o estudo propõe seis áreas para as quais os formuladores de políticas e outras partes interessadas devem dar prioridade. Estes incluem maiores esforços para antecipar novos e emergentes riscos de segurança e saúde ocupacional, a adoção de uma abordagem mais multidisciplinar e o estabelecimento de vínculos mais fortes com a saúde pública.

Também é necessário melhorar o conhecimento público sobre questões de SST. Em resumo, fortalecer as normas internacionais do trabalho e a legislação nacional, o que exigirá uma colaboração mais estreita entre governos, trabalhadores e empregadores.

A maior proporção, de longe, das atuais mortes relacionadas ao trabalho (86%) são causadas por doenças. No mundo, cerca de 6.500 pessoas morrem todos os dias de doenças ocupacionais, em comparação com 1.000 de acidentes fatais no trabalho. As principais causas são doenças circulatórias (31%), câncer relacionado ao trabalho (26%) e doenças respiratórias (17%).

O outro lado do relatório

“Adeus”, disse a raposa. Aqui está o meu segredo, que não pode ser mais simples: só com o coração se pode ver bem. O essencial é invisível aos olhos.

“O essencial é invisível aos olhos”, repetiu o principezinho a recordar.

“O que torna a sua rosa mais importante é o tempo que você perdeu com ela.”

( Antoine de Saint-Exupéry. O pequeno príncipe. FrançaÉditions Gallimard, 1943)

Mais uma vez, os relatórios seguem e se repetem. Todos eles aludem à persistência de vários déficits no ambiente de trabalho. Mais uma vez, a grande ausência do debate continua sendo o sistema capitalista, cuja essência está impregnada dessas injustiças.

Já em 1919, quando a Constituição da OIT foi negociada, a segurança e saúde ocupacional foram especificamente referidas como um princípio fundamental dos direitos humanos. Em seu preâmbulo, a OIT destacou: “É urgente melhorar essas condições (de trabalho) como, por exemplo,[…] a proteção dos trabalhadores contra doenças, profissionais ou não, e contra acidentes no trabalho”.

E suas primeiras “recomendações” foram sobre a Prevenção do Carbunco, 1919 (número. 3) Saturnismo (mulheres e crianças) (número 4) e a Recomendação sobre o Fósforo Branco, 1919 (número.6.

Talvez haja uma ordem utópica na mente do homem, após cuja realização, os estágios políticos enunciativos assumam uma perfeição significativa, no objetivo eterno de uma convivência mais feliz para os homens. Na realidade, nessa manipulação das vigências, todos tendemos a criar expectativas e, quando essas não são atendidas devido a eventos “imprevistos”, é difícil aceitar e renunciar ao planejado.

Mas, ocultas as contradições da mudança social, a economia se manifesta pela assimilação da doutrina do neoliberalismo, submetendo-se às regras do crescimento econômico. Essa visão econômico-tecnocrática do mundo no social e projetos que dele derivam, constitui a referência sobre a qual se elaboram as atuais políticas e regulamentações sobre direitos trabalhistas.

Um exercício essencial e vital sobre o qual os intelectuais institucionais do sistema das Nações Unidas e os acadêmicos “sistêmicos” fazem malabarismos para demonstrar a existência de uma relação complementar entre democracia e economia de mercado, igualdade e competitividade, progresso e desenvolvimento sustentável, “Capitalismo progressivo” (Joseph Stiglitz, 2019).

Nesse turbilhão de palavras econômicas, as propostas sobre direitos trabalhistas são feitas. Travadas em uma defesa extrema do neoliberalismo e imersos em sua (ir) racionalidade, acabam sendo fiéis administradores de sua dinâmica. Em outras palavras, todas essas iniciativas não constituem uma razão alternativa para a economia de mercado, mas fazem parte de sua realidade.

Ética e moralmente o capitalismo não tem limites e não tem objetivos específicos em relação aos direitos trabalhistas, além da exploração e geração de sua mais-valia. O esforço para explorar mais intensamente não é simplesmente o produto da ganância, nem mesmo de uma obsessão ideológica neoliberal, mas a dinâmica inerente ao próprio sistema.

Neste sistema, em sua fase atual, o fator humano não tem peso para questionar ou impor limites ao seu progresso. Os regulamentos existem, a “comunidade internacional” definiu através dos seus instrumentos e organizações internacionais a sua aplicação, mas apesar dos discursos sem palavras na Conferência Internacional do Trabalho e das maravilhosas virtudes do diálogo social tripartido, as questões essenciais para os direitos dos trabalhadores continuam a brilhar pela sua ausência.

Eduardo Camín é jornalista uruguaio, correspondente de imprensa da ONU em Genebra. Associado ao Centro Latino-Americano de Análise Estratégica (CLAE).

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