As contas públicas do Brasil estão em situação mais que delicada, com uma projeção bastante negativa em relação às alternativas para garantir a execução orçamentária de 2021. Esse cenário de crise é reflexo de uma série de fatores que envolve desde má gestão por parte do governo federal no que compreende os gastos durante a crise da Covid-19, a demora inédita no Congresso Nacional para votar a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) para o próximo ano e as restrições impostas pelo teto de gastos.
A análise fez parte de um webinar realizado pela Casa JOTA na quinta-feira (19/11) que tratou do tema arcabouço fiscal para uma crise sem precedentes. A conversa, que marcou o início do novo ciclo de debates “A Constituição e o Direito Financeiro”, contou com a participação de Vinicius Amaral, consultor legislativo do Senado, Élida Graziane, procuradora de contas do Ministério Público junto ao TCE-SP e José Roberto Afonso, economista e um dos criadores da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).
De acordo com os três especialistas, existe um alto risco de que, a partir de 1º de janeiro de 2021, a máquina pública seja interrompida por falta da aprovação da LDO e traga impactos inimagináveis para a população que continuará enfrentando a 2ª onda da pandemia do coronavírus.
“Há hoje um cenário de feudalismo fiscal. Esse atropelo das regras empurrando para os últimos 10-15 dias do ano o debate sobre a LDO. Esse é meu temor, que logo ali na virada do ano, se busque uma solução tampão entre o Centrão e próprio Executivo que vai realmente colocar no chão qualquer processo impessoal e isonômico de planejamento”, disse Élida Graziane.
Se não tivermos clareza do que vai ser decidido, opinou ela, o país estará abrindo mão de todos os freios e contrapesos que levou anos para conseguir. “Me parece que o Centrão está tomando a captura da agenda orçamentária, vejo como algo completamente anti-republicano. O cenário que se avizinha, do ponto de vista do devido processo legislativo, é de uma tendência de captura patrimonialista que me lembra o debate do jurista Victor Nunes Leal sobre ‘coronelismo enxada e voto’”.
Nesse contexto, os especialistas entendem que haverá uma limitação para que o governo solicite mais créditos extraordinários, uma modalidade de crédito adicional destinado ao atendimento de despesas urgentes e imprevisíveis, como em caso de guerra, comoção interna ou calamidade pública.
“Não dá para dizer que o que vai acontecer no próximo ano em relação à pandemia é imprevisível. Essa segunda onda é prevista, sobretudo para o Brasil. Apostar tudo na vacina, na verdade, é o suprassumo do paradoxo. Você não acredita na ciência e depois acha que a vacina vai resolver”, afirmou José Roberto Afonso.
Para a procuradora de contas do Ministério Público junto ao TCE-SP, “não parece que em 2021 seja imprevisível a necessidade de cobertura vacinal, de continuar a garantia de renda básica emergencial, de algum tipo de suporte de sustentação mínima da atividade econômica”.
“Alegar uma imprevisibilidade é uma fraude do ponto de vista inclusive conceitual. Aquilo que no Direito Administrativo a gente chama de desvio de finalidade. Se for para atender a uma finalidade estritamente privada de fazer um direcionamento de recursos inclusive com vistas às eleições de 2022 já configura até abuso de poder”, prosseguiu Graziane.
Para José Roberto Afonso, um dos criadores da LRF, a crise que o Brasil vive hoje vai durar, por baixo, mais um ou dois anos — mas pode durar mais se a saúde não for prioridade dos agentes públicos. “Não há contradição entre economia e saúde. Enquanto não se resolver a crise da saúde, vai ter crise fiscal. Então todos os esforços deveriam estar na saúde e eu não acho que, no Brasil, ela está recebendo a prioridade devida”.
O teto de gastos, na avaliação de Vinicius Amaral, é o mecanismo que inviabiliza completamente a elaboração de um orçamento para 2021 que seja minimamente adequado às necessidades econômicas, sociais e de saúde do país.
“O teto de gastos Inviabiliza a concessão de um eventual auxílio que substitua o emergencial. As despesas com saúde da União, na previsão do PLO de 2021, é um corte de 25% em relação ao orçamento de 2020. A pandemia não vai acabar em 31 de dezembro. Só que nesse cenário todo o que acontece: qual a aposta do governo? É dobrar a aposta no teto, o que parece um tanto surreal. O teto de gastos se mostra claramente uma limitação à possibilidade de um orçamento condizente com as necessidades do país”, disse.
Amaral aponta que, para o futuro, o que a administração pública federal vem demonstrando é que serão pensadas estratégias para equilibrar três elementos: preservar o teto de gastos, ainda que seja num plano meramente formal; buscar meios de sustentar o seu projeto de reeleição e buscar alguma abertura do orçamento dentro dessa restrição de manter a aparência do teto de gastos; e dar alguma vazão às demandas por direitos sociais.
No entanto, esse futuro próximo ainda nebuloso, pode causar uma convulsão social na visão de Graziane. Ela sustenta que se deve defender não uma responsabilidade fiscal nos moldes tradicionais da LRF, mas sim uma segurança fiscal porque, se o Estado se negar a cumprir seu papel de garantir a subsistência da população, de fazer o enfrentamento da pandemia e, até mesmo buscar sustentar a economia, ele vai negar a sua razão de ser e abrir margem para uma situação de anomia.
“Imagina não ter dinheiro para coleta de lixo, não assegurar despesas do sistema prisional. Essa dimensão de negar a razão de ser do Estado gera convulsão análoga ao debate recente no Chile. Não adianta negar o papel do Estado”, afirmou.
Segundo Roberto Afonso, para quem “crise se combate com gestão”, uma saída para o governo é continuar aumentando a sua dívida pública, que em setembro chegou a R$ 6,5 trilhões e superou 90% do PIB brasileiro.
“Eu, pessoalmente, não vejo nenhum grande problema em aumentar a dívida pública nesse momento, porque o Brasil tem uma baixa dívida empresarial. O que a gente tem que fazer agora é transformar esse aumento de dívida pública em maior dívida privada, por meio de crédito para investimento em infraestrutura, setor produtivo, etc… essa conversão é que importa”, afirmou.
Importância dos órgãos de controle
Para a procuradora de contas Graziane, há uma preocupação acerca da celeridade dos gastos do governo federal durante a crise da Covid-19 que merece atenção dos órgãos de controle.
“Algo essencial para a regularidade das despesas principalmente em momentos de crise é a máxima transparência, a gente não teve aí uma clara compreensão do caminho do dinheiro”, avaliou.
Ela citou acórdão recente do Tribunal de Contas da União sobre a aplicação de recursos federais na área da saúde. “Uma das sínteses de diagnóstico é a falta de critérios impessoais para a liberação de valores. Hoje mesmo saiu uma notícia, de que a forma que se deu a compensação arrecadatória dos estados foi inadequada. Qual a lógica de estados terem recebido volume tão alto? É essa falta de impessoalidade, de planejamento, de transparência quanto aos critérios que prejudica a essência do controle”.
Sem essas balizas claras sobre os pressupostos dos repasses, o que a procuradora aponta é um risco de apropriação privada da coisa pública. “O risco de a gente ter usado o dinheiro da Covid-19 para influenciar o processo eleitoral precisa ser pautado e debatido com a sociedade”.
Crise fiscal no Brasil em 2021: Reformas como saída?
Na avaliação de José Roberto Afonso e Vinícius Amaral, apesar de importantes para o futuro a longo prazo do Brasil, grandes reformas teriam um impacto ínfimo no orçamento em comparação com a urgência do atual momento.
“A gente tem que falar português bem claro: crise se combate com gestão. Pode fazer reformas? É bom. As reformas são urgentes? Se as regras fiscais atuais te impedissem de gerir a crise. De todos os países do mundo, o governo brasileiro deve ser o que menos tinha restrição, porque não tem limite para dívida pública no Brasil”, disse Roberto Afonso.
“A reforma administrativa não deve trazer nenhuma grande economia para a União. A que foi proposta pelo governo pode, inclusive, aumentar gastos, porque ela flexibiliza de tal maneira a forma de indicação política para cargos no governo que existem vários estudos que mostram que esse aumento da ocupação política pode aumentar corrupção, o que gera aumento do gasto público”, afirmou. Para o consultor do Senado, os debates hoje em dia parecem que falam de economias ilusórias.
Fonte: Jota
Texto: Clara Cerioni
Data original da publicação: 19/11/2020
Pois é, Governos e Governos, décadas e décadas de mau planejamento, corporativismo de classes dentro do Governo, corrupção, etc…. Deu no que deu. Agora nos resta acreditar nas Instituições e nos empenharmos mais. Estamos novamente numa encruzilhada formada pela falta de senso prático do brasileiro e visão caótica desses Governos todos. Agora a população vai se perguntar, o que fazer ? Só há um caminho, educação de qualidade no fundamental e curso médio. A TV Futura vem a público tentar ensinar as pessoas a escovar os dentes e o pessoal do primeiro mundo já está colocando sondas espaciais fora no nosso sistema solar. A América do Norte tem a mesma idade do Brasil. Salve Portugal, salve o Rio de Janeiro, salve a anarquia, salve Brasilia, salve o oba oba……………….
Boa sorte a todos, grande abraço.