Sindicatos no século 21?

Antonio David Cattani

Forma institucional da ação coletiva dos trabalhadores, os sindicatos cresceram num permanente embate com as forças do mercado capitalista (empresas, associações patronais e governos conservadores). Durante todo o século 19 e início do século 20, foram, física e ideologicamente, combatidos pelos setores dominantes que viam na concertação operária um perigo à “liberdade do capital”, mais precisamente, à liberdade de exploração do trabalho assalariado. A repressão ao sindicalismo libertário e anarquista foi implacável. O associativismo dos subalternos só foi tolerado quando eles aceitaram os princípios da propriedade privada e da subordinação completa nos processos de trabalho.

Ao longo do século 20, mesmo enquadrado pelas normas capitalistas, o sindicalismo reivindicatório conseguiu melhores condições de trabalho, aumentos salariais e direitos sociais que beneficiaram o conjunto da sociedade. Pela ação direta (greves e manifestações) e pela via parlamentar (com a criação de partidos trabalhistas ou social-democratas), os sindicatos se constituíram em agentes imprescindíveis na democracia representativa.

No Brasil, esta evolução foi muito mais descompassada no tempo, com fortes períodos repressivos seguidos de épocas de tutela pelo aparelho de Estado. Em meados dos anos 1980, parecia que, finalmente, a verdadeira liberdade e autonomia sindical seriam conquistadas. Mas esta possibilidade foi frustrada por dois importantes processos: a hiperinflação que tornava inócua a luta por melhores salários e, sobretudo, pela reestruturação produtiva e pela globalização impulsionadas pelos princípios do neoliberalismo. O resultado foi parecido em quase todo o mundo, os sindicatos sendo jogados numa vala comum de desprestígio.

Precarização dos contratos de trabalho, subcontratações, concorrência ampliada entre os trabalhadores vulneráveis etc., foram acompanhadas por uma ofensiva ideológica contundente: a ação coletiva passou a ser vista como incompatível com os novos tempos, o empreendedorismo ganhou plena legitimidade, os sindicatos foram tachados de corporativos, de nefastos ao desenvolvimento, de instituições arcaicas que deveriam dar lugar às redes sociais, estas sim, dinâmicas e sintonizadas com a liberdade de escolha e de manifestação dos indivíduos “reflexivos” e conectados pelos meios eletrônicos e virtuais.

No início do século 21, ser apresentado como “sindicalista” não era muito diferente de ser anunciado como “feudal”, “templário” ou “cátaro”, figuras de um tempo revoluto e representando instituições anacrônicas. O anátema neoliberal lançado contra as organizações e as lutas coletivas teve um efeito desmobilizador e, ao mesmo tempo, ampliou o isolamento dos sindicatos e seu corporativismo. O resultado foi imediato. O capitalismo se expandiu, superou crises financeiras, mas à custa dos interesses da grande maioria. Nunca nos últimos 100 anos a concentração de renda foi tão grande, as listas dos milionários e bilionários foram acrescidas de centenas de nomes enquanto as de desempregados e terceirizados tiveram o acréscimo de milhões de trabalhadores. Na América Latina e no Brasil, mui especialmente, a significativa redução da pobreza se deve apenas em parte aos esforços sindicais, o restante sendo obra do governo federal que vem desenvolvendo políticas públicas eficazes.

Os custos sociais da concorrência fratricida entre os trabalhadores na busca da realização individual a qualquer preço, e o perigo associado aos avanços sociais dependentes das políticas governamentais, levam a recolocar o movimento sindical no centro das lutas sociais. O movimento associativo dos trabalhadores é um empreendimento dinâmico que se opõe ao isolamento, à eventual imobilidade e à fraqueza dos trabalhadores atomizados pelo processo de trabalho e pela dominação ideológica. Sindicalismo não se resume à luta por melhores salários e por melhores condições de trabalho de categorias isoladas. Ele é um movimento permanente de resistência à opressão, um movimento em prol da liberdade, da autonomia e da dignidade do ser humano enquanto produtor de bens materiais e culturais.

Seja nos últimos dois séculos, seja em pleno século 21, enquanto durar o capitalismo os sindicatos são instituições insubstituíveis para lutar contra a exploração, reforçando as práticas que levam à construção da verdadeira democracia e de uma sociedade mais justa e solidária a partir dos mundos do trabalho.

Antonio David Cattani é professor titular de Sociologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Porto Alegre, Brasil) e do Programa de Pós-Graduação em Sociologia (PPGS/UFRGS). Pesquisador 1A do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico. Atualmente, é Pesquisador Visitante na Universidade de Oxford (Inglaterra). Doutor pela Université de Paris I – Panthéon-Sorbonne (1980). Pós-doutorado na École de Hautes Études en Sciences Sociales (Paris, 1993-1994). Professor visitante na Université Laval (Québec – Canadá). Coordenador de convênios de cooperação internacional (Université de Montréal, Canadá) e Centre National des Arts et Métiers (França).

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