A demanda pelo fim da produção de carvão e carros geralmente parece uma ameaça aos empregos. No entanto, a classe trabalhadora organizada na Alemanha percebeu que a transição verde precisa acontecer – e estão lutando para garantir que os patrões paguem pela justiça climática, não os trabalhadores.
Mark Bergfeld
Fonte: Jacobin Brasil
Tradução: Everton Lourenço
Data original da publicação: 20/08/2019
Mesmo com as férias de verão interrompendo as paralisações escolares, o movimento “Sextas Pelo Futuro”, liderado por adolescentes, não abandonou sua luta para salvar o planeta. Desde o início do movimento, líderes como a sueca Greta Thunberg e a alemã Luisa Neubauer têm trabalhado para construir laços sociais mais amplos do que os das gerações anteriores de ativistas ambientais, inclusive junto às organizações dos trabalhadores. Com esse espírito, o dia 20 de setembro deve marcar o início da “Greve da Terra”, uma greve geral planejada para interromper a produção por uma semana ao redor do mundo e atrair a atenção política para a emergência climática.
Historicamente, a necessidade de “salvar empregos” tem sido contraposta ao chamado pelo fechamento de indústrias nocivas. No entanto, a escala gigantesca da catástrofe que enfrentamos tem chamado atenção para a necessidade de superação da divisão entre ativismo verde e trabalhista. Em particular, a popularização da demanda pela “justiça climática” – argumentando que os pobres, vulneráveis e explorados não deveriam ser aqueles a pagar pela transição para uma economia verde e neutra em carbono – mostra que salvar o planeta e realizar justiça social realmente podem andar de mãos dadas, como simbolizado pelo apelo de Alexandria Ocasio-Cortez por um “Green New Deal”.
A Alemanha possui uma história profundamente arraigada de mobilização ecológica, com até mesmo campanhas radicais desfrutando de amplo apoio popular. Seu movimento ambientalista tem sido caracterizado historicamente por uma forte corrente antiautoritária – de fato, nas décadas de 1970 e 1980, o movimento para impedir o transporte de lixo nuclear usou formas de desobediência civil associadas à luta pelos direitos civis nos EUA.
Ao contrário de muitos outros países, esses movimentos não estão nas margens da política, são profundamente enraizados nos bairros e comunidades. Contudo, seja qual for a força do ativismo climático, os sindicatos trabalhistas tradicionalmente permaneceram alheios às lutas verdes. Agora, porém, surfando na onda impulsionada pelo movimento Sextas Pelo Futuro, o trabalho organizado está começando a adotar como seu o chamado pela transição verde.
Empregos em primeiro lugar?
Há muitos obstáculos para essa conversão. Nos últimos anos, os ativistas do clima adeptos da desobediência civil têm concentrado sua atenção no fechamento de duas minas de carvão de linhito a céu aberto, uma na Renânia e outra em Lausitz, na antiga Alemanha Oriental. O carvão de linhito é uma das fontes de energia menos eficientes e mais sujas, mas também representa um dos principais criadores de emprego em ambas as regiões. Isso provocou repetidos confrontos entre os membros do sindicato dos químicos e mineiros – o IG BCE – e os ativistas que vieram para a Renânia para ocupar a Floresta de Hambach e a mina a céu aberto. O secretário geral do IG BCE, Michael Vassiliades, insistiu na necessidade de pensar primeiramente nos empregos e depois nas questões ambientais – garantindo a continuidade do conflito entre os ativistas climáticos e os trabalhadores organizados.
Essa posição corresponde ao registro histórico do sindicato IG BCE como participante da comissão do governo alemão pela eliminação do linhito – um processo lento que na verdade coloca o país em contradição com o acordo climático de Paris. Por enquanto, todas as partes interessadas, incluindo os sindicatos, concordam que a produção de carvão deve parar até 2038, mas o foco do IG BCE nos empregos o mantém isolado de qualquer noção de “justiça climática”. Certamente, existem motivos para preocupação – o setor de energia renovável (tanto eólica quanto solar) é notoriamente anti-sindicatos, em contraste com o diálogo e a parceria sociais enraizados em formas mais antigas de produção. No entanto, o risco é que exatamente essa cegueira sobre as questões verdes acabe permitindo que os empregadores assumam o manto da direção da transição ecológica.
Nem todas as organizações trabalhistas seguem atoladas em uma posição tão puramente defensiva. Na esteira da demanda do Sextas Pelo Futuro pelo encerramento da produção de carvão até 2030, o secretário geral do sindicato de serviços ver.di, Frank Bsirske, declarou que a eliminação deveria ser acelerada tanto quanto possível. Este apelo provocou uma mobilização pelo partido de extrema-direita Alternativa Para a Alemanha (AfD) que atacou Bsirske de maneira oportunista, dizendo que ele pretende prejudicar os trabalhadores alemães e o taxando como anti-indústria. Os comentários de Bsirske também não agradaram a todos os sindicatos: Durante o acampamento de ativistas climáticos “Ende Gelände”, a ala jovem do IG BCE exigiu segurança no emprego e a continuação da mineração a céu aberto.
Saindo da rotina
Como vemos, a consciência verde na Alemanha – que representa a crescente fortuna do Partido Verde e a prevalência das lojas da Bioläden, vendendo alimentos ecologicamente corretos – não se traduz necessariamente na adoção, pelos sindicatos, de posições mais progressistas sobre as questões climáticas. Na verdade, o radicalismo entre os ativistas climáticos, assim como o corporativismo do sindicalismo do “empregos em primeiro lugar”, talvez tenham criado uma divisão mais profunda entre os grupos trabalhistas e ambientais do que em outros países.
No entanto, a greve climática de 20 de setembro promete começar a superar a desconfiança mútua entre sindicatos e grupos ambientalistas. Embora a legislação trabalhista alemã não permita greves políticas de qualquer tipo, as greves climáticas do Sextas Pelo Futuro já ressoaram com sindicatos tanto nas indústrias de manufatura quanto de serviços, e eles estão começando a se mobilizar.
Em junho, o maior sindicato da Alemanha, o IG Metall, organizou uma manifestação para exigir uma transição justa e ecológica. A crise mais ampla da indústria automobilística alemã, concentrada no escândalo sobre a falsificação dos dados sobre emissões pela Volkswagen, tem dado destaque aos males específicos do setor automotivo. Dadas as estreitas relações entre os sindicatos industriais, as empresas alemãs listadas na bolsa de valores DAX e o Estado alemão, essa manifestação poderia representar um passo à frente rumo a uma convergência entre sindicatos e grupos ambientalistas. Esta aliança trabalhista-ambientalista é particularmente necessária, uma vez que as mudanças climáticas, bem como os novos desenvolvimentos tecnológicos, vão forçar as fábricas alemãs de automóveis a mudar para a produção de carros elétricos ou de veículos completamente diferentes.
Participando da organização desse protesto, o IG Metall fretou dez trens e oitocentos ônibus para encher as ruas de Berlim com dezenas de milhares de metalúrgicos. Isso representa um passo significativo para o sindicato e seu envolvimento com a transição verde. Embora nenhum representante do Sextas Pelo Futuro tenha abordado essa manifestação, é impensável que ela pudesse ter acontecido sem as mobilizações contínuas do Sextas Pelo Futuro.
Tem sido mais promissores os desenvolvimentos no setor de transporte, onde o sindicato dos ferroviários, EVG, anunciou a presença de seus membros nas manifestações do Sextas Pelo Futuro, bem como seu apoio aos objetivos do movimento. Isso não deveria ser uma surpresa, dadas as demandas do movimento por um transporte público melhor e mais acessível. O próximo passo seria que essa solidariedade alto-centrada também se traduzisse nos condutores e outros funcionários paralizando os trens na Greve da Terra.
Mas os sindicatos mais rápidos e mais dispostos a vocalizar o seu alinhamento com o florescente movimento pela greve climática são os do setor de serviços. Nesse caso, a relação entre os empregadores, o Estado e os sindicatos não é tão marcado pelo corporativismo, e os trabalhadores não precisam temer na mesma medida pela perda de seus empregos.
Recentemente, Bsirske defendeu que os membros do Ver.di deveriam seguir a convocação de Greta Thunberg e participar da greve de 20 de setembro. A conta do Ver.di no Twitter mostra Bsirske dizendo que “quem puder fazer isso deve ir para as ruas. Eu definitivamente irei.” Luisa Neubauer, uma das mais proeminentes jovens grevistas pelo clima na Alemanha, chamou a convocação de Bsirske de “um passo infinitamente importante”, mostrando que os grevistas climáticos estão notando o poder do trabalho organizado.
O Ver.di não está convocando diretamente seus membros para a greve, mas tem incentivado os membros a tirar um dia de folga coletivamente para apoiar o movimento ou a organizar um “intervalo de almoço ativo” – uma reunião na hora do almoço fora de seus locais de trabalho. Esta poderia ser uma maneira útil de envolver os membros dos sindicatos e outros trabalhadores na luta pelo planeta e, ao mesmo tempo, elevar o perfil da Greve da Terra. Dado que uma petição recente sobre a mudança climática liderada por militantes sindicais reuniu mais de 46.000 assinaturas, parece que os trabalhadores de serviços, tanto no setor público quanto no privado, podem começar a agir.
Ao contrário dos Estados Unidos, onde os professores têm estado na vanguarda das greves e da construção de um sindicalismo como movimento social em estados que proíbem a vinculação automática a um sindicato no momento do emprego, os professores alemães são funcionários públicos e, por isso, não têm o direito à greve. Embora eles não possam deixar as salas de aula, o sindicato da educação GEW tem, no entanto, incentivado que os estudantes o façam. Ilka Hoffmann, membro executivo do sindicato para as escolas, apoiou publicamente a greve, mas também a criticou por não fazer o suficiente para enfatizar as questões da exploração do trabalho e da justiça social que concerne aos trabalhadores. A seção do GEW para a Renânia do Norte-Vestefália também tem defendido de maneira decisiva o fim das represálias contra estudantes que participam em medidas de greve, embora não esteja claro quais formas de ação os educadores estarão adotando na semana da Greve na Terra.
A greve também deve afetar o setor de construção. O maior sindicato de serviços de propriedade e construção da Alemanha, o IG BAU – que coincidentemente tem a palavra “umwelt” (ambiente) em seu nome – tem convocado seus membros em locais de construção para que se juntem à greve climática. Ele exige que a Alemanha reduza suas emissões de CO2 em 40% até 2020.
A lei trabalhista alemã proíbe que os trabalhadores realizem greves políticas. Assim, o IG BAU está pressionando os empregadores para que deem aos seus empregados a oportunidade de participar das manifestações do Sextas Pelo Futuro. Esta jogada inteligente coloca em cheque os empregadores, os forçando a mostrar até onde realmente vai a sua orgulhosa identificação com as iniciativas de “responsabilidade social corporativa” e de “ambiente de trabalho verde”. Tal movimento para pressionar os empregadores a fecharem as portas nesse dia poderia dar à Greve da Terra uma dimensão completamente diferente.
Tornando a transição uma realidade
Se os sindicatos vão abraçar a transição verde em defesa dos interesses dos trabalhadores, eles precisam pensar muito sobre como podem usar seu poder institucional e organizacional no nível dos locais de trabalho e no nível setorial. Afinal, 53% dos trabalhadores e empregados ainda são cobertos por acordos coletivos, o que dá a muitos sindicatos um grande peso e influência na formação do mercado de trabalho.
Aqueles sindicatos que desfrutam de tal posição estratégica poderiam usá-la para exigir a qualificação dos trabalhadores em setores-chave que não têm futuro em uma economia neutra em carbono; para sacralizar novos regulamentos de saúde e segurança que poderiam contribuir para a redução das emissões de carbono; e para forçar os empregadores a mudar a maneira com que os bens são produzidos e que os serviços são fornecidos. Entre outras coisas, os sindicatos poderiam usar seus acordos coletivos para avançar rumo a uma semana de trabalho de quatro dias, o que também reduziria as emissões de CO2.
Apesar de todos esses desenvolvimentos positivos dentro do movimento sindical, a grande mídia alemã continua a enquadrar o diálogo emergente entre o Sextas Pelo Futuro e o movimento sindical em termos binários, como se a defesa dos empregos inevitavelmente agisse contra os interesses planetários mais amplos. É exatamente essa a narrativa que os sindicatos precisam dinamitar.
Até agora, o apoio dos sindicatos alemães ao movimento Sextas Pelo Futuro pode permanecer apenas simbólico – certamente, eles poderiam fazer muito mais para desafiar a economia baseada em carbono na Alemanha. No entanto, sua participação neste 20 de setembro poderia começar a diminuir a distância entre a força de trabalho organizada e os já fortes movimentos ambientais alemães. Isso é mais necessário do que nunca, se quisermos que os trabalhadores não paguem o preço pela transição para uma economia verde.