Sindicalismo globalizado

A globalização dos movimentos trabalhistas ajuda a mostrar que a tese do declínio histórico do sindicalismo não se sustenta.

Scott Courtney

Fonte: Carta Capital
Data original da publicação: 21/05/2015

As décadas de 1980 e 1990 conviveram com um período de refluxo do movimento sindical em todo o mundo. Estados Unidos, Europa e, em alguma medida, a América Latina – ainda que no Brasil pese o fato de ter-se eleito um presidente sindicalista que formou suas bases neste período – viveram, senão o esvaziamento, a indubitável dispersão de forças de um dos lados que tentam, historicamente, buscar certo equilíbrio entre o Capital e o Trabalho. Os sinais de reversão dessa tendência começam a se tornar visíveis nesta segunda década do século XXI. E essa é a boa notícia.

Se por um lado o capital, representado por grandes corporações, vive há algumas décadas a sua globalização, as organizações do trabalho, não alheias ao que aconteceu no mundo, seguem agora, ainda que num despertar mais tardio, a mesma trajetória. Entidades sindicais acordaram para a necessidade de cooperação mútua para além de suas fronteiras geográficas. É a globalização dos movimentos trabalhistas que tem contribuído para enterrar a tese do declínio histórico do sindicalismo, tese essa defensora da irreversibilidade desse processo. A flexibilização das relações de trabalho, a necessidade dos jovens de ingressar no mercado, a presença cada vez maior das mulheres e, em vários países, de imigrantes, exigem essa mudança.

Acordos de cooperação entre entidades internacionais dos mais diversos setores – o movimento dos trabalhadores na área automobilística, que se uniram em torno de causas comuns, é um exemplo –, bem como troca de experiências, mas notadamente apoio e união de ideais mostram que é possível, e absolutamente necessário, fazer ecoar em diversos continentes vozes em defesa de um mesmo objetivo.

Manifestações organizadas em várias partes do mundo e que tiveram lugar este ano, no dia 15 de abril, são prova disso. Em pelo menos 35 países, incluindo o Brasil, milhões de trabalhadores americanos, canadenses, japoneses, franceses, ingleses, argentinos e brasileiros saíram às ruas em favor do trabalho digno e pedindo que o McDonald’s respeite as leis dos países onde atua.

Sim, uma campanha global está em curso. Ela denuncia em diferentes países com diferentes legislações problemas similares que se resumem ao desrespeito sistemático às regulamentações trabalhistas, como acúmulo indevido de funções, atividades insalubres, remuneração abaixo das regras e falta de segurança.

Nos Estados Unidos há uma forte demanda por aumento de salários com a campanha Fight for $15, além do direito a organizar a categoria por meio de um sindicato. Irregularidades que convivem com denúncias de evasão fiscal na Europa e com negligência à saúde do próprio consumidor, como no caso recente do Japão em relação ao frango estragado que resultou na morte de uma pessoa. As manifestações que têm acontecido no “Dia de Ação Global” são apenas o lado mais visível de uma profunda transformação em curso na esfera de um novo sindicalismo. E que é legitima. Tanto quanto é legitimo devolver ao trabalhador o direito a ter direitos.

Companhias multinacionais desse porte têm um papel a desempenhar que extrapola o benefício próprio e a busca por resultados. A importância do setor de serviços nas economias é amplamente conhecida e não merece maiores digressões. É sempre bom lembrar, porém, que a vida do trabalhador integra essa conta e acaba por fazer parte, de maneira degradante, de um modelo de negócio.

Entramos numa nova fase que permite uma luta global em favor dos direitos dos trabalhadores. E essa luta conta com o apoio inconteste de organizações internacionais, entre elas a Service Employees International Union (SEIU), sindicato internacional que representa dois milhões de trabalhadores dos setores de serviços nos Estados Unidos, Canadá e Porto Rico.

A campanha #SemDireitosNãoéLegal é liderada no Brasil pela Nova Central Sindical de Trabalhadores (NCST), Confederação Nacional dos Trabalhadores em Turismo e Hospitalidade (Contratuh), Sindicato dos Trabalhadores em Hotéis, Restaurantes, Bares e Similares de São Paulo (Sinthoresp) entre outras entidades, e conta com o apoio da Central Única dos Trabalhadores (CUT) e da União Geral dos Trabalhadores (UGT). No exterior, tem como aliada a SEIU.

A #SemDireitosNãoéLegal é a vertente local do movimento global em favor dos direitos dos trabalhadores da rede de fast food McDonald’s que tem como objetivo superar os problemas locais. Pela primeira vez, várias entidades sindicais brasileiras decidiram trabalhar unidas em prol de uma causa. Aqui busca-se, na Justiça, o fim do dumping social e do acúmulo indevido – e não remunerado – de funções. Assim como nos Estados Unidos, o slogan da campanha “Fight for U$ 15″ busca sob a bandeira de uma remuneração mínima diária, o mesmo direito a condições dignas de trabalho e segurança.

A proteção jurídica da força de trabalho consta da Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, e está ratificada nas convenções internacionais que incluem a atividade laboral humana como direito fundamental, que deve ter proteção em caso de abusos e ser exercida com dignidade.

Só passaremos do desejo à realidade se as corporações forem responsabilizadas por práticas inadequadas. Para que isso seja possível, sindicatos, trabalhadores, juristas e líderes políticos têm sido convidados a ingressar nesse movimento global. As adesões crescem a cada ano. E não estão ocorrendo por acaso. Resultam do reconhecimento de que o sindicalismo globalmente conectado pode cumprir um papel de fato histórico na sociedade contemporânea.

Scott Courtney, 52 anos, é diretor de organização do SEIU e da campanha Fight for $15, no Brasil representada pela campanha Sem Direitos Não é Legal no Brasil.

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