Sindicalismo convivia com luta e repressão

O líder sindical Oswaldo Lourenço relembra a sua trajetória e a do movimento sindical paulista, desde os anos 40 até meados da ditadura militar instaurada a partir do golpe de 64.

Oswaldo Lourenço

Fonte: Carta Capital
Data original da publicação: 02/04/2014

No prefácio do primeiro volume de meu livro, Companheiros de Viagem, a grande amiga companheira de lutas contra a ditadura Rose Nogueira escreve o seguinte trecho: “Podemos acompanhar a história e a evolução de movimento sindical feito de muitas lutas, tantas prisões e tantas vidas sacrificadas. Vemos claramente que os movimentos operários do ABC no final dos anos 70 devem muito a quem veio antes.”

No grande ato realizado no teatro Cacilda Becker de São Bernardo do Campo (SP), em 1º de fevereiro de 2014, durante o Encontro das Centrais Sindicais ligadas à Comissão Nacional da Verdade, a companheira Rosa Cardoso teve as seguintes palavras: “A gente só expande a democracia, minimiza a violência, e faz com que ela não se repita, se tivermos consciência de que aconteceu no passado”.

Em 22 de outubro do ano passado, convidado pela Câmara Municipal de Santos para participar da Comissão da Verdade, integrada por vereadores daquela cidade, tive a grande surpresa e honra de receber do companheiro Mauricio Valente, do Comitê Popular de Santos, um documento elaborado pela Delegacia de Ordem Política e Social, com muitas anotações sobre minhas atividades e reuniões políticas sindicais de 1957 a 1970 (eu sabia que era seguido por policiais, mas não tanto).

Obviamente, é muito difícil resumir mais de 70 anos de lutas, pois participei de minha primeira greve em 1943, quando tinha 18 anos e fora recentemente contratado para trabalhar nas grandes oficinas da Companhia das Docas do Porto, como ajudante de caldeireiro. De lá para cá foram tantas as greves que seria fastidioso enumerar.

Após dois anos nas oficinas, juntamente com mais três companheiros, prestei concurso e passei a trabalhar como funcionário da administração da Cia. Docas e me filiei ao Sindicato dos Empregados na Administração dos Serviços Portuários de Santos, de cuja diretoria viria a fazer parte a partir de 1945. No início da década de 1950, foi me passada, por parte dos operários ativistas, incumbência de montar as chapas concorrentes à direção da entidade com elementos fiéis às nossas lutas.

Os anos seguintes, até 1964, foram marcados por intensa atividade em toda a Baixada Santista. Fundávamos o Fórum Sindical de Debates e elegemos uma diretoria presidida pelo metalúrgico Vitelbino Ferreira de Souza, ligado ao PCB. Com o aumento dos portuários e o desenvolvimento industrial de Cubatão passamos a ter 52 sindicatos na região, todos ligados ao Fórum Sindical de Debates.

Muitas das greves que se sucediam iam além de um objetivo meramente economicista. Cito como exemplo a recusa dos estivadores e portuários em descarregar um navio espanhol, em solidariedade aos trabalhadores da Espanha que lutavam contra a ditadura fascista de Franco. Em outra ocasião, ameaçamos com uma greve geral na Baixada, caso a empresa do Moinho Santista levasse adiante o seu plano de mandar para uma unidade no Paraná três operários, contra a vontade deles, pois seriam separados de suas esposas e filhos. A ameaça de greve geral assustou a empresa, que resolveu desistir da medida.

O povo da Baixada Santista sempre aprovou e respeitou o Fórum Sindical de Debates e participava das grandes concentrações da Praça Mauá em frente à Prefeitura e à Câmara Municipal. Havia também as grandes passeatas por melhores condições de vida, pela defesa de nossas riquezas minerais, pela empresa estatal de petróleo, etc…

A mim cabiam as múltiplas tarefas de dirigente do nosso sindicato, do Fórum Sindical e responsável pelo movimento operário camponês do PCB. Na chamada “Cidade Vermelha” de Santos, e no País, o movimento operário adquiriu vigor com a criação do Comando Geral dos Trabalhadores (CGT) e o Pacto de Unidade e Ação (PUA). Em paralelo, cresciam também as atividades dos órgãos de repressão como o DEOPS e, especialmente em Santos, a famigerada Polícia Marítima.

Era um período de intensa repressão contra o movimento sindical.

Na renúncia de Jânio Quadros (1961), ao pressentir que os golpistas preparavam seu bote, organizamos vigorosas manifestações. Fomos presos e levados para o Forte do Itaipu, onde alguns militares faziam gestos simulando fuzilamento. Naquela ocasião, eu já estava com duas prisões preventivas decretadas e dirigia o movimento na clandestinidade.

Quando ocorreu o golpe de 1º de abril de 1964, as forças da repressão invadiram o sindicato espalhando os documentos e colocando armas para nos acusarem de sua posse. Os diretores do sindicato se reuniram numa casa para prepararmos um plano de fuga. Ficamos sabendo que a ordem não era prender e sim matar, uns cinco líderes do movimento sindical santista, sendo eu um deles. Mesmo assim, ousei ir à maternidade para ver Cecília, minha filha recém-nascida. Tive a solidariedade de uma enfermeira do Hospital de Santa Casa de Santos, que me chamou e me levou para os fundos do hospital dizendo que a polícia já estava na frente do hospital me esperando. Teve início, então, a minha rocambolesca fuga, que conto em pormenores no livro Companheiros de Viagem 1.

Refugiei-me numa pequena chácara no ABC. Após 30 dias, trouxeram minha esposa com minha filha Cecília, que havia visto apenas quando nasceu.

Em 1966, precisei ir a Santos com o advogado para prestar um depoimento. Segundo ele não haveria problema, mas houve. Foi ali a minha primeira prisão. Fui levado algemado, com dois policiais armados de metralhadoras um de cada lado para me humilhar. Como eu era conhecido, entretanto, as pessoas passavam, olhavam para mim para me cumprimentar. Eu, então, levantava as mãos algemadas saudando e gritando “fé companheiros”. Consegui fugir daquele lugar, mas passei outras vezes pela prisão e fui torturado.

Deste período de 70 anos de lutas são muitas as lembranças. Em especial, a convivência com “companheiros de viagem” como Vitelbino Ferreira, João Alberto Costa Pinto, Joaquinzão, Ubiraci Dantas e Aparecida Malavaze, a maior sindicalista mulher que conheci. À memória de dois deles, deixo uma homenagem especial. Joaquinzão lamentavelmente não teve seu trabalho reconhecido por parte da esquerda, apesar de este incluir o primeiro ato em favor dos anistiados. Morreu pobre, sem dinheiro para tratar de sua saúde. Costa Pinto, por sua vez, foi torturado pela polícia, uma crueldade que causou danos a suas faculdades mentais. São histórias que me orgulho de ter relatado em Companheiros de Viagem.

Oswaldo Lourenço foi líder sindical antes, durante e depois da ditadura. É autor dos livros Companheiros de Viagem I e Companheiros de Viagem II, que estão esgotados, mas disponíveis em formato e-book.

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