Na quinta-feira (13), depois de várias declarações contraditórias no seio do governo, o Presidente Bolsonaro voltou a afirmar que enviará na semana seguinte, ao Congresso Nacional, o projeto de Reforma Administrativa, que trará mudanças no serviço público. De acordo com o Planalto, as medidas só devem valer para os futuros servidores, mas no Congresso a avaliação é a de que o impacto será para o conjunto do funcionalismo público. A nova reforma está sendo vista como mais uma ferramenta de desmonte do Estado adotada pela gestão atual.
Dentro da linha geral de enxugar o gasto do governo com a estrutura do Estado, quatro seriam os eixos centrais do projeto de Paulo Guedes e Bolsonaro: extinção de cargos e carreiras; redução de remunerações; avaliação de desempenho; e redução das formas de financiamento do sindicalismo no serviço público. Esta semana, em seminário promovido pela Frente Parlamentar Mista do Serviço Público, na Câmara dos Deputados, economistas demonstraram os riscos de tais medidas para o conjunto da população brasileira.
“Não é uma reforma feita para melhorar o desempenho do serviço público nem para alargar a cobertura das políticas públicas, para intensificar ou qualificar a atuação do Estado junto à população. É uma medida persecutória de organizações e carreiras, criminalizadora da ação do Estado e incapaz de entregar o que promete, como já aconteceu com a Reforma da Previdência”, afirmou José Celso Cardoso Junior, doutor em economia, presidente da AFIPEA (Associação dos Funcionários do IPEA) e membro da Associação Brasileira de Economistas pela Democracia.
Para ele, a promessa de que, enxugando os gastos com servidores, o país vai avançar não se sustenta. A avaliação de desempenho, por exemplo, considerada importante, não estaria desenhada de fato para provocar melhorias no atendimento à população, mas para criar um mecanismo rápido e fácil para acelerar demissões dos atuais servidores. “O resultado único será enxugar o gasto público com a máquina estatal, supondo que disso advirá alguma mágica de desempenho e de aumento da produtividade do serviço público. É uma falácia que precisa ser desmontada”, criticou Cardoso.
Na lógica do corte de gastos, o Executivo já exinguiu mais de 100 mil cargos nos últimos dois anos e já enviou ao Congresso outras mudanças constitucionais, que estão tramitando por meio da chamada PEC Emergencial. Elas estabelecem o fim da progressão automática na carreira e a possibilidade de redução de 25% da jornada de trabalho com correspondente redução no salário dos servidores.
“É uma lógica apenas fiscal, que está provocando tudo isso para pagar uma suposta dívida para o sistema financeiro nacional e internacional. E já sabemos que a dívida opera por meio de mecanismos ilegais, que geram o aumento de seu estoque mesmo com o dinheiro escoando para os banqueiros”, alerta a economista Maria Lucia Fatorelli, do movimento pela Auditoria Cidadã da Dívida.
Para o Senador Fabiano Contarato (Rede-ES), este é um governo dos banqueiros e empresários. Durante a atividade da Frente Parlamentar esta semana, ele criticou a fala do ministro Paulo Guedes sobre os servidores. “Parasitas são eles! Tenho muito orgulho de ser servidor público há 27 anos. É muita violência chamar de parasita o bombeiro, a auxiliar de enfermagem que está no hospital cuidando de idosos. O Estado tem que ser máximo, e não mínimo, para garantir com qualidade direitos como a saúde e a educação, que estão na Constituição Federal”, afirmou.
Todos sairão perdendo
Um dos desafios no enfrentamento à Reforma Administrativa é dialogar com a sociedade para desconstruir a ideia de inchaço na máquina pública e de que o conjunto dos servidores públicos é uma categoria privilegiada. De acordo com dados do IPEA divulgados em dezembro de 2019, na nota técnica “Três décadas de evolução do funcionalismo público no Brasil”, desde 1986 a presença do setor público no conjunto da população brasileira caiu de 0,69% para 0,57% dos postos de trabalho.
O maior crescimento se deu no âmbito dos municípios, por conta da descentralização dos serviços. Ali, no Executivo municipal, 50% dos servidores tem remuneração de até R$ 2 mil, muito longe dos salários encontrados, por exemplo, no Judiciário Federal, cuja média chega a R$ 12 mil. Os que ganham até dois salários mínimos representam dois em cada seis servidores do Brasil.
Os gastos com o funcionalismo também não se mostram excessivos em seu conjunto quando se olham para número reais. No período estudado pelo IPEA, há uma estabilidade na proporção do gasto com servidores civis ativos em relação ao PIB, com um crescimento na base de apenas 0,02% no período em questão.
“Este cenário de descontrole no gasto público não se comprova, portanto. Temos que ir além do discurso de inchaço propagado pela mídia corporativa, que coloca o serviço público como algo intransponível. A qualidade do serviço publico tem a ver com a necessidade de mais servidores”, explica o sociólogo Felix Lopez, técnico em Planejamento e Pesquisa do IPEA e coordenador da Plataforma Atlas do Estado Brasileiro. “Quando se fala de enxugar a força de trabalho no setor público, se fala de enfermeiros, médicos, professores, policiais. É aí que haverá o impacto”, afirma.
A secretária geral da Central Única dos Trabalhadores (CUT), Carmem Foro, lembra que serão principalmente as mulheres as que mais sofrerão com a redução no serviço público. “São elas que vão ao posto de saúde com as crianças, que levam os filhos para escolas. Sem servidor não tem serviço para o conjunto dos trabalhadores”, disse.
A deputada federal Rosa Neide (PT-MT), que é professora, acredita que este é o pior momento da história do funcionalismo. Ela destaca a importância desses profissionais para a garantia de uma prestação de serviço à população que não esteja a serviço de um ou outro governo como forma de perpetuação no poder: “Não podemos abrir mão de um serviço público independente do governante de plantão. Isso vai destruir o país. O serviço público é o que dá a garantia do Estado Democrático de Direito, que atua na ponta para quem vai ser atendido. Não podemos deixar isso ser destruído”.
Mobilização no dia 18 de março
Enquanto o governo federal prepara uma campanha de mídia pós-Carnaval para defender a ideia da Reforma Administrativa junto à população, centrais sindicais, sindicatos e associações de servidores estão chamando o 18 de março como uma data nacional de paralisação, mobilização, protestos e greves contra o desmonte do Estado brasileiro. Na avaliação das organizações, é fundamental que não se repita o que aconteceu na Reforma da Previdência, quando a pressão pública foi considerada insuficiente para barrar os retrocessos do governo.
“Temos que parar o Brasil no dia 18 e mostrar para a população que, sem serviço público, quem fica pior é a maioria do povo brasileiro. Somos nós que atendemos a maioria da população”, declara Bernadete Menezes, da Intersindical.
Para a deputada Alice Portugal (PCdoB-BA), vice-presidente da Frente Parlamentar do Serviço Público, será preciso muita articulação e mobilização para conter os ataques difusos de Bolsonaro ao setor. “Esta é uma tática de saturação, para nos dispersar e nos dividir. Por isso a mobilização do dia 18 é essencial e a oposição no Parlamento vai apoiá-la. Jogam a sociedade contra a gente, como se fossemos uma elite de privilegiados. Não somos parasitas e vamos barrar esta Reforma”, concluiu a parlamentar.
Fonte: Carta Maior, com ajustes
Texto: Bia Barbosa
Data original da publicação: 14/02/2020