“Servidão” e a elite do atraso

escravidão
Fotografia: Gabriela Salomoni/Agência Lema

Servidão parte de um enfoque histórico da escravidão no Brasil e envereda pelo sistema que se perpetuou até os nossos dias.

Carlso Alberto Mattos

Fonte: Blog Carmattos
Data original da publicação: 28/01/2024

Renato Barbieri realizou o documentário Servidão enquanto preparava o longa de ficção Purezadrama potente de denúncia do trabalho escravo. Com um excelente trabalho de roteirização documental, Servidão parte de um enfoque histórico da escravidão no Brasil e envereda pelo sistema que se perpetuou até os nossos dias, quando trabalhadores rurais ainda são mantidos em regime desumano, enquanto os melhores cuidados do latifúndio se destinam ao gado e às plantações. Do Cais do Valongo, no Rio de Janeiro, principal ponto de desembarque de escravos no século XIX, somos levados até os confins de florestas do Norte, onde, desde 1995, a ação do chamado Grupo Móvel libertou e providenciou indenização para dezenas de milhares de trabalhadores.

A repressão ao trabalho escravo, porém, vinha sendo “flexibilizada” desde o governo Temer. Bolsonaro negou-se a regulamentar a Emenda Constitucional que prevê a desapropriação de terras onde for encontrada a exploração de mão de obra escrava – o que só foi feito já no governo Lula. Assim ia se eternizando o que Jessé Souza chamou de “elite do atraso”, a lógica de poder em que os donos de terras e dos meios de produção se sentem também donos de gente. O indiano Kailash Satyarthi, Prêmio Nobel da Paz de 2014 pela luta contra a exploração de crianças, comparece com um depoimento cheio de preocupação com o estado de coisas no Brasil à época do governo anterior.

Barbieri reuniu um timaço de historiadores, jornalistas, escritores, africanistas, religiosos, juristas e agentes do setor trabalhista que discorrem com clareza cristalina sobre o assunto. O filme inclui relatos de trabalhadores rurais, com destaque para a figura emblemática de Marinaldo Soares Santos, ex-escravizado e hoje ativista dos direitos trabalhistas. Uma rememoração dos mártires dos direitos humanos compõe um dos momentos mais bonitos de Servidão.

Vindo da produção videográfica de vanguarda da produtora Olhar Eletrônico, Barbieri impõe seu estilo, mesmo num documentário de corte tradicional como este. Um tesouro em fotografias do trabalho escravo em várias épocas se articula com trechos de filmes raros para contar essa história que nos envergonha perante o mundo.

>> Servidão está nos cinemas.

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